Profissionais da Educação e a Necessidade de Vacinação contra a COVID.

Profissionais da Educação e a Necessidade de Vacinação contra a COVID.

 

Luiz Antonio Miguel Ferreira[1]

Luiz Gustavo Fabris Ferreira[2]

Arthur Andreoni Calixto[3]

 

 

  1. INTRODUÇÃO.

No Estado de São Paulo, assim como em outros Estados, ocorrerá a vacinação dos profissionais da educação das redes estaduais, municipais e particulares, com mais de 47 anos de idade. Segundo informação oficial, “poderão ser imunizados profissionais que atuem nas escolas com funções como secretários, auxiliares de serviços gerais, faxineiras, mediadores, merendeiras, monitores, cuidadores, diretores, vice-diretores, professores de todos os ciclos da Educação Básica, professores coordenadores, além de professores temporários”.

A vacinação em massa constitui-se em um mecanismo eficaz de enfrentamento da pandemia da COVID-19. Com a vacinação dos profissionais de educação e a obediência aos protocolos, as redes educacionais poderão voltar ao atendimento presencial dos alunos, mesmo que em caráter híbrido, com maior segurança.

O problema que se apresenta é o seguinte: como proceder quando este profissional da educação se recusa a tomar a vacina.

 

De início verifica-se que a questão é muito complexa e que esta recusa, do profissional de não tomar a vacina, pode proporcionar duas situações: a) a primeira refere-se a sua própria pessoa, ou seja, caso deseje não tomar a vacina, as consequências serão sentidas por ele mesmo, em eventual contaminação pelo vírus causador da doença; b) a outra situação, mais grave, é a possível, e provável, contaminação das demais pessoas que trabalham no local, bem como dos alunos, pais ou responsáveis, caso a pessoa que se recusou a tomar a vacina contraia o vírus.

 

As consequências de seu ato poderão atingi-lo diretamente, mas também poderão alcançar terceiros. Desta forma,  o problema a ser enfrentado requer uma análise da manutenção da saúde individual e coletiva, extrapolando os deslindes meramente particulares e as convicções pessoais.

 

  1. ANÁLISE JURÍDICA.

Essa recusa do profissional da educação à vacinação ocasiona vários questionamentos e desdobramentos, conforme se passa a analisar.

2.1.  A possibilidade de se exigir a vacinação para evitar riscos à saúde da coletividade. É sabido que a vacinação contra a COVID-19 não tem o caráter obrigatório, ou seja, a pessoa pode se recusar a ser vacinado. Porém, exercendo uma atividade pública e indispensável, como a educação, o Poder Público deve exigir que seus funcionários tomem a vacina, posto que trabalham em espaços coletivos, com a indispensável presença dos alunos e outros profissionais, pais e responsáveis, que ainda não serão contemplados com a vacinação.

 

Aqui,  o Poder Público age buscando a aplicação do princípio constitucional da prevenção conforme o artigo 196[4], que é aquele segundo o qual se deve buscar com absoluta prioridade evitar um mal à saúde já identificado e passível de ser afastado”[5].

 

Bruno Henrique Silva Santos, esclarece que “os programas de vacinação também aparecem como política concreta de aplicação do princípio da prevenção no direito sanitário, evitando a propagação de doenças infectocontagiosas que colocam em risco a saúde de toda uma população” (artigo citado).

 

A política de vacinação, principalmente no Estado de São Paulo, caminha nesse sentido, posto que antecipou a vacinação dos profissionais da educação, reconhecendo a importância deste ato para o desenvolvimento educacional da população.

Busca-se, também, a aplicação do princípio da prioridade absoluta que deve ser conferida às crianças e aos adolescentes, sendo a Consituiçao Federal enfática, no artigo 227[6], que engloba a saúde.

2.2. Outra questão que merece análise, diz respeito a condição pessoal da saúde do profissional da educação. Pode este profissional se recusar a tomar a vacina, apresentando como justificativa a sua própria condição de saúde, como por exemplo, reação alérgica a vacina ou a determinados tipos de medicamentos. Neste caso, não há como obrigá-lo a ser vacinado, devendo realizar as suas atividades em “home office”, ou seja, de maneira remota, em seu domicílio. É certo porém, que esta negativa deve ser confirmada através de documento médico que ateste a impossibilidade de receber a vacina.

 

2.3. Ponto polêmico se refere a obrigação de submeter estes profissionais à vacinação compulsória, quando não apresentar qualquer risco à sua saúde. Pode o Poder Público agir desta forma exigindo a vacinação e aplicando sanções para àqueles que se recusarem a vacinação sem qualquer justificativa plausível?

 

Mais uma vez, vale-se dos ensinamentos de Bruno Henrique Silva Santos (artigo citado) que ao tratar do tema escreveu:

 

Caso mais polêmico sobre a vinculação de particulares ao princípio da prevenção é a possível obrigação de se submeterem à vacinação compulsória, sobretudo em situações em que a imunização objetiva, além de impedir o adoecimento da própria pessoa, obsta também a transmissão comunitária da doença, protegendo a saúde de toda a coletividade. Nessa hipótese, há que se ponderar a liberdade e a integridade física dos cidadãos com a tutela da saúde pública.

 

Sem dúvida, trata-se de um tema extremamente controvertido onde com um choque aparente entre direitos fundamentais: direito à liberdade e direito à saúde de todos os cidadãos. E, para esta questão, há argumentos jurídicos, bem como defensores, em ambos sentidos.

No caso em análise, ou seja, da vacinação dos profissionais da educação, acredita-se que o direito à saúde de todos os cidadão deve prevalecer, tendo como base: a) o direito da sociedade prevalecendo sobre o direito individual; b) o direito das crianças e dos adolescentes.

 

Quanto aos direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes, o artigo 227 da Constituição Federal, que trata do princípio da proteção integral e do direito à vida e à educação, traça a diretriz a ser seguida. Para a garantia destes direitos, a vacinação de tais profissionais apresenta-se relevante e indispensável. Como garantir o direito à Educação com risco ao direito à vida e a Saúde?

 

Por outro lado, o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê no artigo 4º, parágrafo único, “a”, que a prioridade absoluta compreende a primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias. Neste caso, está se falando de prioridade da proteção e de sua saúde, para que não seja contaminada por um profissional que se nega a ser vacinado.  E, mais. O Estatuto da Criança e do Adolescente determina que:

 

Art. 70. É dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente.

 

No caso, trata-se da prevenção do direito à vida e à saúde das crianças e adolescentes que frequentam as escolas. Assim, em uma primeira análise com base no direito da Criança e do Adolescente, pode-se afirmar que o Poder Público deve submeter os profissionais da educação à vacinação obrigatória, excluindo, aqueles que por questões de saúde, não podem ser vacinados e que, por esta razão, devem trabalhar remotamente.

 

Destaca-se, ainda, que o Supremo Tribunal Federal[7] decidiu que a vacina contra Covid-19 é obrigatória, o que não significa vacinação forçada, pois “facultada sempre a recusa do usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de medidas indiretas, as quais compreendem, dentre outras: a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares, desde que previstas em lei ou delas decorrentes”. Vale lembrar de que esta decisão ocorreu em análise ao artigo 3º, II, “d” da Lei 13.979/2020 que trata das medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública. Destaca-se:

 

Art. 3º  Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional de que trata esta Lei, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, entre outras, as seguintes medidas:

I – isolamento;

II – quarentena;

III – determinação de realização COMPULSÓRIA de:

a) exames médicos;

b) testes laboratoriais;

c) coleta de amostras clínicas;

d) VACINAÇÃO e outras medidas profiláticas; ou

 

2.4. O problema seguinte é saber qual a providência a ser tomada em relação ao profissional da educação, no caso de recusa injustificada de tomar a vacina contra COVID-19. Aqui, a questão se desdobra, em face das particularidade das escolas particulares e das públicas.

Na esfera particular, pode-se dispensar o profissional sem justa causa, ou seja, a recusa à vacina pode não ser motivo suficiente para justificar a dispensa com justa causa. Porém, adverte Danilo Pirei Pereira[8], se a justificativa para não tomar a vacina for “por motivações religiosas, políticas ou meramente ideológicas, seria possível a aplicação de advertência ou até mesmo a demissão por justa causa. O fundamento de uma eventual justa causa seria o ato de insubordinação do trabalhador a uma determinação da empresa, que tem, por escopo, a proteção dos demais colaboradores e do ambiente de trabalho”.

 

A análise jurídica de tal conclusão é a seguinte: como é sabido, cabe ao empregador cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho, bem como instruir os empregados quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais (art. 157, incisos I e II, da CLT)[9].

 

Tal mister é realizado, principalmente, por meio de elaboração, por parte do empregador, de um Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO), cuja regulamentação se encontra na Norma Regulamentadora nº 07 (NR-07) da Secretaria  de Trabalho do atual Ministério da Economia.

 

O item 7.2.2 da NR-07 estabelece que o PCMSO deverá considerar as questões incidentes sobre o indivíduo e a coletividade de trabalhadores, privilegiando o instrumental clínico-epidemiológico na abordagem da relação entre sua saúde e o trabalho, o que já demonstra um caráter coletivo da medida, em obediência ao estipulado no art. 8º, caput, in fine, da CLT[10].

 

Ademais, a NR-32 também prevê que o PCSMO deve prever programas de vacinação. Não se trata de uma faculdade, mas de uma obrigação:

 

32.2.3.1 O PCMSO, além do previsto na NR-07, e observando o disposto no inciso I do item 32.2.2.1, deve contemplar:

(…)

e) o programa de vacinação.”

 

Tanto que há diversos Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO) que preveem obrigatoriedade de outras vacinas, a depender do ramo da atividade.

 

Portanto, uma vez incluída a vacinação no Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO) pelo empregador, em havendo recusa injustificada por parte do empregado, sem nenhuma justificativa médica, é possível falar em ato de indisciplina e/ou insubordinação, de modo a enquadrar a conduta no art. 482, alínea “h”, da CLT.

 

É preciso lembrar, contudo, que a justa causa se trata da pena mais grave aplicável ao empregado. Dessa forma, tendo em vista que é dever legal do empregador a informação e conscientização de seus empregados quanto à importância das medidas de segurança do trabalho, entende-se que a justa causa é a última providência a ser tomada.

 

Vale destacar, que o ordenamento jurídico deve-se manter coerente e harmônico, devendo o hermeneuta interpretá-lo de forma sistêmica.

 

Assim, se um empregado pode ser dispensado por justa causa por descumprir norma de segurança do trabalho ao não utilizar equipamento de proteção individual (colocando, em tese, apenas a sua saúde em risco), com mais razão poderia ser o empregado que recusa injustificadamente a tomar a vacina, pois estará colocando em risco saúde de uma coletividade.

 

Na esfera pública o caminho a seguir envereda para os procedimentos administrativos em face do funcionário público, com a aplicação das medidas prevista na legislação (Estatuto do Funcionário Público)[11] e afastamento de suas atividades, em razão de eventual risco à saúde de terceiros. E para tanto, não há necessidade de lei específica tratando do assunto, posto que a Lei Federal n. 13.979/2020 é clara no sentido de estabelecer a compulsoriedade da vacina.

Registra-se que o STF não descarta até mesmo a imposição de multa como uma das medidas restritivas e, nas palavras do Ministro Luís Roberto Barroso, “não são legítimas as escolhas individuais que atentem contra os direitos de terceiros” ou como afirmou a Ministra Cármen Lúcia: “A Constituição não garante liberdades às pessoas para que elas sejam soberanamente egoístas”.

 

2.5. Outro ponto que deve ser analisado diz respeito a assinatura de eventual Termo de Recusa de Imunização. Pode o Poder Público e Particular exigir que o profissional da educação assine um termo em que declara que não quer se vacinar e exime de qualquer responsabilidade o empregador, diante de prejuízo que a falta de imunização possa trazer a sua saúde?

Nada impede a assinatura de um documento desta ordem, que terá efeito prático somente em relação ao seu subscritor, pois a questão não se limita ao direito individual do referido profissional da educação, mas ao direito coletivo dos alunos, demais profissionais e até mesmo dos pais e responsáveis. Assim, este termo tem um valor limitado, que não o exime de qualquer responsabilidade em face de eventual contaminação de terceiro e nem das providências administrativas em face da sua recusa.

 

A questão é bem mais ampla e merece uma análise que tenha como fundamento o direito coletivo e não apenas o direito individual, como aqui explanado.

 

  1. CONSIDERAÇÕES FINAIS.

Diante   do que foi exposto, deve o Poder Publico fazer os encaminhamentos necessários para possibilitar a vacinação de todos os profissionais da educação contra o Covid-19, excluindo desta compulsoriedade aqueles que apresentam algum comprometido de saúde, em face dos princípios ativos da vacina, devidamente comprovado. Caso a recusa parta de um funcionário regido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), tal ato poderá, em última ocasião, ocasionar, inclusive, uma demissão por justa causa.

Aqueles que se recusam a ser vacinados devem assinar eventual termo de recusa de imunização, sem prejuízo de eventuais medidas administrativas. Deve-se, também, evitar que os profissionais que não se vacinaram entrem em contato direto com os alunos, pais e responsáveis e demais profissionais da educação.

 

[1] Advogado e consultor. Promotor de Justiça aposentado do Estado de São Paulo. Mestre em Educação pela Universidade Estadual Paulista (Unesp). Membro do Conselho Consultivo da Fundação Abrinq e Sócio Efetivo do Todos pela Educação.  Sócio do Instituto Fabris Ferreira.

[2] Advogado. Sócio do Escritório Luiz Antonio Miguel Ferreira Advogados. Sócio do Instituto Fabris Ferreira. Abril/2021.

[3] Advogado. Graduado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. Pós-graduado em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP.

[4] CF – Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

[5] Bruno Henrique Silva Santos. Precaução e prevenção no direito à saúde: âmbitos de incidência e sua aplicação no STF. Consulta realizada em 09/07/2021. Disponível no seite: https://www.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?acao=pagina_visualizar&id_pagina=2104

[6] Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

[7] Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 6586 e 6587, que tratam unicamente de vacinação contra a Covid-19, e do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1267879, em que se discute o direito à recusa à imunização por convicções filosóficas ou religiosas.

[8] https://veja.abril.com.br/economia/trabalhador-que-se-recusar-a-tomar-vacina-da-covid-19-pode-ser-demitido

[9] Em compasso com a eficácia horizontal dos direitos fundamentais, mais especificamente direito à saúde do trabalhador.

[10] Art. 8º, CLT – As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.

[11] Ex. A Lei Federal n. 8.112/90 que trata do Regime Jurídico dos Servidores Públicos civis da União – estabelece que são deveres do servidor: Art. 166 – III – Observar as normas legais e regulamentares. Já o artigo 121 estabelece que o servidor responde civil, penal e administrativiamente pelo exercício  irregular de suas atribuições.  No mesmo sentido está a Lei n. 10.261/68 atualizada pela Lei Complementar n. 1.130/2017 que esabelece o Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado de São Paulo (art. 241, XIII).