Execução das medidas socioeducativas em meio aberto: Prestação de serviços à comunidade e liberdade assistida

Execução das medidas socioeducativas em meio aberto: Prestação de serviços à comunidade e liberdade assistida

1
EXECUÇÃO DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS EM MEIO ABERTO:
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE E
LIBERDADE ASSISTIDA
Luiz Antonio Miguel Ferreira1
.
Sumário: 01. Introdução. 02. Breve histórico e conceito das
medidas de liberdade assistida e de prestação de serviços à comunidade.

  1. Aplicação das medidas. 04. Procedimento referente à execução das
    medidas. 05. Ações e dificuldades na execução das medidas. 06. As
    medidas em meio aberto e a sociedade. 07. As medidas em meio aberto
    e o Município. 08. Considerações finais.
  2. INTRODUÇÃO.
    É desejo de todos viver em uma sociedade justa, solidária e livre, onde não
    ocorra a prática de atos que venham a conturbar a paz, a integridade, a liberdade e a
    dignidade de seus membros. A própria Constituição da República Federativa do Brasil
    preconiza essa sociedade como um de seus objetivos fundamentais2
    .
    Entretanto, apesar desse desejo comum, o certo é que na sociedade encontram-se
    pessoas que atuam de forma contrária a esse objetivo, praticando infrações que
    perturbam a paz almejada, muitas vezes até colocando em risco a vida ou a integridade
    física de seus membros. Considerando que a criminalidade é um fenômeno democrático
    que atinge todas as idades, esses atos são perpetrados tanto por pessoas maiores de
    idade como por menores. A delinqüência infanto-juvenil surge nesse cenário em
    decorrência de diversos fatores e requer uma atenção especial devido à situação peculiar
    de seus protagonistas, isto é, a de pessoas em desenvolvimento.
    Quando envolvidos em crimes e contravenções penais que, no ECA, receberam a
    designação de atos infracionais3
    , crianças e adolescentes estão sujeitos às medidas de
    proteção previstas no artigo 101 e às medidas socioeducativas estabelecidas no artigo
    112 desse texto legal.

1
Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo. Especialista em Direitos Difusos e
Coletivos pela Escola Superior do Ministério Público e Mestre em Educação pela Universidade Estadual
Paulista – UNESP.
2 Constituição Federal – Art. 3º – Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I – construir uma sociedade livre, justa e solidária.
3
ECA.- art. 103 – Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção.
2
Especificamente em relação ao adolescente infrator, o ECA estabelece as
seguintes medidas: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à
comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e internação em estabelecimento
educacional. Também prevê a possibilidade de ser aplicada qualquer uma das medidas
de proteção previstas no citado artigo 101.
Essas medidas podem ser divididas em duas categorias, de acordo com a forma
de sua execução: a) medidas em meio aberto e b) medidas em meio fechado.
As medidas socioeducativas de liberdade assistida e de prestação de serviços à
comunidade são as chamadas medidas em meio aberto e revelam-se as mais
significativas graças a suas características e aos objetivos e princípios traçados pelo
legislador menorista. Analisá-las de forma mais detalhada é de especial relevância para
se constatar tal assertiva e verificar os caminhos dados pela legislação para se buscar
uma sociedade mais justa e igualitária.

  1. BREVE HISTÓRICO E CONCEITO DAS MEDIDAS DE LIBERDADE
    ASSISTIDA E DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE.
    A medida de prestação de serviços à comunidade surge com o Estatuto da
    Criança e do Adolescente, posto que não tenha sido aventada no Código Mello Matos
    ou no Código de Menores. Porém, não é novidade no ordenamento jurídico brasileiro já
    que expressamente prevista no Código Penal (art. 46) e regulamentada na Lei de
    Execuções Penais (art. 149 a 150) para infratores com capacidade penal.
    Apesar de não ter uma previsão legal no Código de Menores, o certo é que a
    medida era concebida, em determinadas situações, como uma das regras de conduta
    fixadas pela autoridade judiciária, em relação ao menor, quando da execução da medida
    de liberdade assistida. Nesse sentido, lembra Paulo Afonso Garrido de Paula4
    :
    Costumeiramente, a liberdade assistida vem acompanhada das
    seguintes condições: a) não mais se envolver na prática de infrações penais;…
    É possível, também, colocar como condição da liberdade assistida, a prestação
    de serviços comunitários. Contudo, entendemos que tal condição deva ser
    aceita pelo menor e referendada pelos pais ou responsável, sem o que
    estaríamos diante de verdadeira instituição de trabalhos forçados. Tal
    prestação de serviços somente deve ser utilizada quando caracterizar-se

4
PAULA, A, P,.A G., de. Medidas aplicáveis ao menor infrator. In CURY, M. (Coord.) Temas de direito
do menor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987. p. 140.
3
instrumento educacional, visando à reflexão do ato cometido, bem como ser
possível aferir, previamente, que contribuirá para a formação do menor (grifo
nosso).
O ECA estabelece que essa medida consiste na realização de tarefas gratuitas
de interesse geral, por período não excedente a seis meses, junto a entidades
assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos congêneres, bem como em
programas comunitários ou governamentais (art.117).
Afirma Roberto Bergalli5
que “a submissão de um adolescente à prestação de
serviços à comunidade tem um sentido altamente educativo, particularmente orientado a
obrigar o adolescente a tomar consciência dos valores que supõem a solidariedade social
praticada em níveis mais expressivos”.
Essa medida tem forte apelo comunitário, visto que apresenta a sociedade
(entidade acolhedora) como co-responsável pelo processo de recuperação do
adolescente infrator, proporcionando-lhe o desenvolvimento de atitudes positivas de
solidariedade e utilidade.
A medida de liberdade assistida já estava prevista no Código de Menores, sendo
que no ECA foi tratada de forma mais adequada para a finalidade a que se propõe. O
Código de Menores estabelecia (art. 38) que a sua aplicação tinha por objetivo vigiar,
auxiliar, tratar e orientar o menor. A autoridade judiciária fixava as regras de conduta do
menor
6
e designava pessoa capacitada ou serviço especializado para acompanhar o caso.
É certo que a medida tinha por objetivo a integração familiar e comunitária, porém, com
regras de conduta previamente estabelecidas.
Com o Estatuto da Criança e do Adolescente, essa medida se apresenta com a
finalidade de acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente infrator (art.118) com o
objetivo de promovê-lo em todos os aspectos, ou seja, no âmbito familiar, social,
comunitário, educacional e profissionalizante. Trata-se de uma medida que busca
assistir o adolescente infrator como pessoa em desenvolvimento.

5 BERGALLI, R. Comentários ao artigo 117 do ECA. In: CURY, M., SILVA, A F. do A e; MENDEZ, E.
G. (Org.) Estatuto da Criança e do Adolescente comentado. São Paulo: Malheiros,1992, p. 360.
6
Exemplos de algumas regras de conduta fixadas na liberdade assistida prevista no Código de Menores:
a) não mais se envolver na prática de infrações penais; b) recolher-se à sua residência ou a
estabelecimento aberto até determinada hora; c) não freqüentar lugares considerados nocivos à sua
formação; d) reparar o dano na medida de suas possibilidades; e) apresentar-se regularmente a Juízo ou à
pessoa ou serviço encarregados da execução da medida; f) submeter-se a tratamento médico ou
psicológico; g) ser assíduo à escola. (PAULA, 1987, p. 140).
4
As medidas de prestação de serviços à comunidade e de liberdade assistida
abandonam o viés repressivo e adquirem caráter pedagógico e educativo no momento
em que se direcionam para a promoção social e familiar do infrator. Em sua aplicação,
as causas que levaram o adolescente a delinqüir representam o foco principal das ações
a serem desenvolvidas as quais visam a garantir o conjunto dos direitos fundamentais
estabelecidos no ECA.

  1. APLICAÇÃO DAS MEDIDAS.
    O Estatuto da Criança e do Adolescente estabeleceu regras para a imposição das
    medidas socioeducativas de prestação de serviços à comunidade e de liberdade assistida.
    Tais regras não estabelecem relação direta entre o ato praticado e a medida, ou seja, a
    aplicação de determinada medida não é necessariamente conseqüência direta da prática
    de um dado delito, pois são normas de caráter geral e exigem uma análise global da
    situação (delito e infrator) para verificar a adequação da medida a ser imposta. Podem
    ser enumeradas as seguintes diretrizes:
    3.1 – Comprovação do ato infracional.
    Conforme estabelece o artigo 114 do ECA, a aplicação das medidas
    socioeducativas de liberdade assistida e de prestação de serviços à comunidade
    pressupõe a existência de provas suficientes de autoria e da materialidade da infração,
    isto é, o adolescente infrator somente pode ser sujeitado a uma dessas medidas caso
    exista a comprovação do delito que praticou.
    Implica afirmar que, em determinadas situações, ainda que o adolescente possa
    estar em situação de risco pessoal ou social que justifique a aplicação de uma das
    medidas, se ele não praticou um ato infracional ou se o mesmo não restou comprovado,
    não se pode aplicá-las.
    Essa normatividade segue a orientação dos documentos internacionais, com
    especial atenção às Regras Mínimas da ONU para Administração da Justiça da Infância
    e da Juventude, aprovadas pela Resolução 40/33 da Assembléia Geral de 1985,
    conhecidas como as Regras de Beijyng, e a Convenção Internacional sobre os Direitos
    da Criança, sancionada em 20 de setembro de 1989, também pela ONU.
    5
    3.2 – Aplicação isolada ou cumulativa das medidas.
    As medidas de liberdade assistida e de prestação de serviços à comunidade
    podem ser aplicadas isoladas ou cumulativamente por força do disposto nos artigos 99 e
    113 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
    Sua aplicação isolada não conduz a qualquer questionamento. Porém, em relação
    à cumulatividade, é preciso registrar que elas podem ocorrer com qualquer outra medida
    socioeducativa ou protetiva, desde que exista compatibilidade. Assim, é inviável a
    cumulação das medidas de liberdade assistida e de prestação de serviços à comunidade
    com as de semiliberdade ou internação, devido à natureza restritiva de liberdade destas.
    Em relação à medida de advertência, a cumulação praticamente já existe tendo
    em vista que o início do cumprimento das medidas de liberdade assistida e de prestação
    de serviços à comunidade requer uma orientação legal por parte da Autoridade
    Judiciária, a qual pode equivaler a uma advertência. No mais, não há qualquer
    inconveniente na cumulação das medidas, até mesmo da liberdade assistida com a de
    prestação de serviços à comunidade e, principalmente, com as medidas socioprotetivas.
    3.3 – Substituição das medidas.
    Levando-se em consideração o conteúdo pedagógico que deve prevalecer na
    aplicação das medidas socioeducativas, bem como a progressividade que deve nortear
    sua execução, e incluída a análise dos méritos do adolescente infrator, estabelece o
    legislador menorista a possibilidade, a qualquer tempo (art. 99), de substituição das
    medidas.
    É certo que em face dos princípios adotados pelo ECA, essa norma não autoriza
    a substituição das medidas socioeducativas em meio aberto para um regime mais
    rigoroso, ou seja, internação ou semiliberdade. Eventual internação pode ocorrer como
    conseqüência do descumprimento reiterado e injustificado das medidas de liberdade
    assistida ou de prestação de serviços à comunidade, nos exatos termos do artigo 122, III
    do ECA, mas não por substituição pura e simples.
    A iniciativa para a substituição das medidas pode ser do órgão executor, do
    Ministério Público, da Defensoria ou da própria Autoridade Judiciária sendo garantido o
    direito de manifestação das partes interessadas diante da proposta apresentada.
    6
    Para que ocorra a substituição de uma medida por outra, é necessária a
    constatação de um fato que justifique a inadequação daquela que está sendo cumprida.
    3.4 – Necessidades pedagógicas e fortalecimento dos vínculos familiares.
    O ECA não seguiu uma orientação de natureza penal estabelecendo uma pena
    (medida) certa e determinada para cada delito (ato infracional) praticado. Optou por
    estabelecer parâmetros e critérios para a escolha da medida socioeducativa adequada ao
    ato infracional praticado. Nesse sentido, apresentou como regra básica a ser
    considerada, quando da aplicação de medida socioeducativa, a necessidade de se levar
    em conta seu caráter pedagógico, dando preferência às que visem ao fortalecimento dos
    vínculos familiares e comunitários (Art.100).
    Não se pode negar que as medidas socioeducativas, em especial a liberdade
    assistida e a prestação de serviços à comunidade, apresentam uma natureza punitiva.
    Porém, os conteúdos pedagógico e educativo têm prevalência não só na sua aplicação
    como também na execução.
    Aliás, na execução de tais medidas, em face desse comando legal, devem-se
    desenvolver ações e projetos com a participação dos familiares visando a estabelecer o
    fortalecimento das relações parentais.
    3.5 – Relação de proporcionalidade.
    Na aplicação das medidas socioeducativas é preciso que se considere a relação
    de proporcionalidade entre a capacidade do adolescente para cumprir a medida e as
    circunstâncias e gravidade da infração (Art. 112, parágrafo 1º).
    A relação de proporcionalidade é aferida por critérios objetivos e subjetivos. A
    gravidade do delito e as circunstâncias em que foi praticado podem ser avaliadas por
    meio dos elementos constantes no procedimento investigatório e se apresentam como
    critérios objetivos às partes e à Autoridade Judiciária. O critério subjetivo dessa relação
    de proporcionalidade revela-se pela análise da capacidade que o adolescente infrator
    apresenta para cumprir a medida socioeducativa, sendo que os estudos técnicos ganham
    extraordinária relevância, a partir do momento em que avaliam a personalidade do
    infrator, a rede familiar e comunitária na qual está inserido, o seu envolvimento com o
    ato infracional e os recursos de que dispõe para a sua superação.
    7
    Considerando esses critérios, e adicionando os requisitos previstos no ECA,
    pode-se chegar à medida socioeducativa mais adequada ao infrator.
    Isso implica em afirmar, por exemplo, que a prática de um delito de natureza
    grave não autoriza a aplicação de medida severa ou de contenção da liberdade quando
    perpetrada por um adolescente primário que se encontra inserido no ambiente escolar,
    familiar e comunitário e cuja avaliação psicológica e social lhe seja favorável.
    Tratamento diverso, porém, deve ser dado ao adolescente que, não obstante ter
    praticado delito de natureza leve, apresenta histórico que justifique uma intervenção
    imediata do Poder Judiciário com o objetivo de lhe garantir um desenvolvimento
    adequado. Nessa hipótese, as medidas de liberdade assistida e de prestação de serviços à
    comunidade revelam-se de extraordinária importância em face de seu caráter educativo.
    Analisando especificamente a liberdade assistida, Roberto João Elias7
    esclarece:
    Normalmente se aplica a liberdade assistida a menores reincidentes em
    infrações mais leves, como pequenos furtos, agressões leves ou porte de
    entorpecentes para uso próprio. Por vezes, aplica-se àqueles que cometeram
    infrações mais graves, onde, porém, efetuado o estudo social, verifica-se que é
    melhor deixá-los com a família, para sua reintegração à sociedade. Outras
    vezes, aplica-se àqueles que anteriormente estavam colocados em regime de
    semiliberdade ou de internação, quando se verifica que os mesmos já se
    recuperaram em parte e não representam um perigo à sociedade.
    3.6 – Proibição de trabalho forçado.
    A Constituição Federal estabelece a proibição de pena relativa a trabalhos
    forçados (Art. 5º, XLVII, “c”) e o ECA, seguindo tal determinação, proibiu a prestação
    de trabalho forçado como medida socioeducativa (Art. 112, parágrafo 2º).
    Essa proibição guarda relação direta com a medida de prestação de serviços à
    comunidade, que consiste na realização de tarefas gratuitas e de interesse geral,
    compatíveis com as aptidões físicas e intelectuais do adolescente e sua condição social,
    mas nunca de trabalho forçado. O trabalho a ser por ele desenvolvido deve ter caráter
    educativo e socializante.
    3.7 – Tratamento especial aos portadores de deficiência mental.

7
ELIAS, R. J. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 95.
8
Por fim, quanto às regras a serem observadas para a aplicação das medidas
socioeducativas, principalmente a liberdade assistida e a prestação de serviços à
comunidade, deve-se garantir tratamento especial ao infrator portador de deficiência
mental, o qual tem direito a atenção individual e especializada em local adequado às
suas condições (ECA, art. 112, parágrafo 3º).
Esse tratamento individualizado e especializado será pertinente apenas quando a
deficiência mental comprometa a execução da medida socioeducativa a ser aplicada. De
sorte que uma deficiência mental leve não inviabiliza o sucesso das medidas de
liberdade assistida ou de prestação de serviços à comunidade, principalmente se forem
aplicadas junto com uma medida de proteção que guarde relação direta com a
deficiência apresentada.

  1. PROCEDIMENTO REFERENTE À EXECUÇÃO DAS MEDIDAS.
    Ainda não dispõe o ordenamento jurídico brasileiro de uma lei que regulamente
    a execução das medidas socioeducativas. Dessa forma, o procedimento a ser obedecido
    para a sua execução segue as diretrizes estabelecidas no ECA, com as adaptações
    necessárias decorrentes de peculiaridades locais.
    4.1 – A Autoridade Judiciária.
    A execução da medida socioeducativa compete à Autoridade Judiciária indicada
    na lei de organização judiciária ou ao Juiz do local determinado para o cumprimento
    dela. Caso sejam comarcas diferentes, deve-se expedir a competente guia de execução
    para o Juízo onde o adolescente infrator está residindo.
    A competência do Juízo refere-se às intercorrências da execução da medida
    socioeducativa como a sua manutenção, substituição, progressão, cumulação, regressão,
    restabelecimento e extinção. Cabe-lhe também realizar a correição referente a entidades
    e programas que a executam.
    4.2 – Início da execução da medida.
    Uma vez decidida a aplicação da medida de liberdade assistida ou a de prestação
    de serviços à comunidade, inicia-se, em seguida, a fase de execução, em que deve
    9
    ocorrer procedimento autônomo, via de regra, com a expedição de uma guia de
    execução.
    Inicia-se, então, com a realização de uma audiência na qual se deve dar ciência
    ao adolescente infrator sobre a medida a ser executada e suas intercorrências, ou seja,
    início e término, local do cumprimento, horário, técnico responsável, etc.
    A respeito da liberdade assistida e, acrescentamos, com inteira pertinência à
    prestação de serviços à comunidade, esclarece Paulo Afonso Garrido de Paula8
    :
    O menor deve ter ciência inequívoca das condições impostas, razão
    pela qual a realização de audiência é imprescindível, firmando, naquele ato,
    compromisso ou termo de liberdade assistida. Frise-se ainda, que o determinar
    das condições é ato privativo da função jurisdicional do Estado, sendo vedada
    qualquer forma de delegação.
    Sempre que possível essa audiência deve ser realizada com a presença do técnico
    responsável pelo programa de execução da medida para o qual, após a audiência, o
    adolescente deve ser encaminhado.
    Essa tramitação pode ser abreviada se o técnico responsável pelo projeto, ou o
    orientador, estiver presente na audiência junto à Autoridade Judiciária e também faça a
    interpretação da medida com a imediata elaboração de um plano de atendimento9
    .
    4.3 – Prazo para cumprimento da medida
    O Estatuto da Criança e do Adolescente estabeleceu prazos para o cumprimento
    das medidas de liberdade assistida e de prestação de serviços à comunidade, a saber:
    a) Liberdade assistida: prazo mínimo de 6 (seis) meses – art. 118; § 2º;
    b) Prestação de serviços à comunidade: prazo máximo de 6 (seis) meses – art. 117.
    Na prestação de serviços à comunidade há necessidade de a decisão judicial
    estabelecer o prazo em que a medida será executada, tendo como limite máximo o
    estabelecido na lei, ou seja, seis meses. Além disso, as tarefas a serem executadas não
    devem ultrapassar uma jornada máxima de oito horas semanais, que pode ser divida de
    forma a não prejudicar as demais atividades desenvolvidas pelo adolescente infrator.

8
PAULA, 1987, p. 141.
9 No Estado de São Paulo, a FEBEM utiliza um Plano Personalizado de Atendimento – PPA, que também
é seguido pelos Projetos conveniados, e que é elaborado em conjunto com a família do infrator, onde são
traçadas as metas e ações a serem desenvolvidas durante o processo socioeducativo.
10
Na liberdade assistida não há necessidade de tal fixação, uma vez que a lei
determina o período mínimo de seis meses, após o qual deve ser realizada uma
avaliação para eventual extinção ou prorrogação da medida.
4.4 – Orientador.
O Estatuto da Criança e do Adolescente estabeleceu a figura do orientador para
acompanhar a execução da medida socioeducativa de liberdade assistida, designandolhe alguns encargos a serem assumidos (art. 118 e 119). Na prestação de serviços à
comunidade, o legislador não fez qualquer referência à necessidade de um orientador.
Contudo, verifica-se que o orientador deve se fazer presente nas duas medidas
socioeducativas, assumindo relevante papel para o seu sucesso. O orientador é que vai
interagir com a sociedade, o Poder Público e o Poder Judiciário na busca de alternativas
para o adolescente infrator.
Designação: O ECA estabelece a figura do orientador. No entanto, diante do
caráter pedagógico das medidas e do papel que desempenha como agente de
transformação social, mais adequado seria denominá-lo educador, ou mesmo
orientador/educador. Na medida de prestação de serviços à comunidade, torna-se
necessária a presença de uma pessoa responsável junto à entidade e/ou ao programa
acolhedor que irá receber o adolescente infrator. Nesse caso, além do
orientador/educador que acompanha a medida, surge a figura do orientador/educador de
referência que atua na entidade e/ou no programa e que faz a ligação com o projeto.
Quem pode ser orientador: A lei não determina quem pode ser orientador ou
quais os requisitos que dele se exige. Diz apenas que deve ser uma pessoa capacitada e
que pode ser recomendada por entidade ou programa de atendimento. Decorre da norma
legal que não há exigência de formação em nível superior, nem de notória experiência
na área ou de idade mínima para desempenhar essa orientação. Considerando que a
função de orientador demanda profissionalismo, experiência e dedicação, uma avaliação
de sua formação profissional e intelectual poderá demonstrar sua capacidade para
exercer tal papel.
Na elaboração de convênio com entidades para a execução das medidas em
análise, tem-se exigido como alguns requisitos necessários para assumir a função de
orientador: a) reconhecida idoneidade moral; b) certidão de antecedentes criminais; c)
11
idade superior a 21 anos; d) residência no município; e) formação superior na área de
ciências humanas, salvo se ficar demonstrada a impossibilidade de se atender essa
exigência quando, então, se aceita, no mínimo, a formação completa em nível médio; f)
experiência em trabalho com adolescentes. Muitos desses requisitos são os exigidos do
candidato a Conselheiro Tutelar, aplicando-os, analogicamente, para a função de
orientador.
O orientador não precisa estar ligado funcionalmente a um determinado órgão ou
secretaria de Estado, até porque o acompanhamento pode ser realizado por uma
entidade não governamental ou, ainda, por orientadores voluntários ligados a
associações de bairro, redes de serviços comunitários, escolas, igrejas, associações
culturais, etc.
Quais as atribuições: O ECA apresenta, de forma exemplificativa, algumas
atribuições conferidas ao orientador (art. 119) que se referem à promoção social, escolar
e profissionalizante do infrator, além da obrigação de apresentar relatório do
acompanhamento realizado. A compreensão dessas atribuições, bem como de outras que
lhes são correlatas, é de fundamental importância para o sucesso da medida.
Em primeiro lugar, cumpre ao orientador, diante do contexto que lhe é
apresentado, buscar a inclusão social, educacional e familiar do adolescente como uma
das formas de minorar as conseqüências do ato infracional. Deve-se pensar essa
inclusão nas seis dimensões apontadas por Lizanda Cardelino10
:
a) DO SER – da personalidade, da dignidade e da auto-estima e do autoreconhecimento individual;
b) DO ESTAR – das redes de pertença social, desde a família, às redes de
vizinhança, aos grupos de convívio e de interação social e à sociedade mais
geral;
c) DO FAZER – das tarefas realizadas e socialmente reconhecidas, quer sob a
forma de emprego remunerado, quer sob a forma de trabalho voluntário não
remunerado;
d) DO CRIAR – da capacidade de empreender, de assumir iniciativas, de definir e
concretizar projetos, de inventar e criar ações, quaisquer que elas sejam;

10 CARDELINO, L. Exclusão social: da criança ao idoso. Revista Diálogo do Movimento do Ministério
Público Democrático. Ano I, n. 4, 2004, p.10-13.
12
e) DO SABER – do acesso à informação (escolar ou não; formal ou informal)
necessária à tomada fundamentada de decisões, e de capacidade crítica em face à
sociedade e ao ambiente envolvente;
f) DO TER – do rendimento, do poder de compra, do acesso a níveis de consumo
médios da sociedade, da capacidade aquisitiva.
Pois, como afirma a citada autora, a exclusão social se apresenta como uma
situação de não realização de algumas ou de todas estas dimensões. É o “não ser”, o
“não estar”, o “não fazer”, o “não criar”, o “não saber” e/ou o “não ter”. Ao
orientador compete, portanto, detectar as dimensões de que é privado o adolescente
infrator e desenvolver ações para a sua inclusão social.
Tendo em vista que o orientador é quem vai acompanhar o adolescente infrator
desde o início até o fim da execução da medida, suas atribuições podem ser divididas
em três etapas distintas:
a) no início, quando recebe o adolescente;
b) durante o acompanhamento;
c) no final da medida.
Ao receber o adolescente infrator, compete ao orientador apresentar o projeto ou
programa que o acolherá, esclarecendo como será o atendimento, que pode ser
individual, em grupo e familiar. O atendimento individual compreende o momento de
orientação e reflexão com o adolescente. No atendimento familiar, o objetivo é envolver
a família na execução da medida. A visita domiciliar, por sua vez, tem como finalidade
conhecer a realidade socioeconômica vivenciada pelo adolescente e sua família, para
atendê-lo em suas necessidades básicas.
Compete ainda ao orientador interpretar a medida aplicada (quanto aos seus
significado, conteúdo, direitos e obrigações), esclarecer o seu papel e o elo que
representa junto à Autoridade Judiciária, regularizar a documentação necessária e
elaborar, em conjunto, uma rotina referente às ações e aos trabalhos desenvolvidos bem
como às metas a serem alcançadas, com prévio diagnóstico de sua situação.
Durante o acompanhamento, o atendimento individual ao infrator deve ser
semanal quando se tratar de liberdade assistida e quinzenal na prestação de serviços à
comunidade, enquanto que o grupal e o familiar podem ter periodicidade mais estendida
13
(quinzenal ou mensal). Porém, quando se fizer necessário, o atendimento deve ser
imediatamente realizado independente da exigência estabelecida.
Com o objetivo de trabalhar as dimensões social e comunitária, educacional e
familiar, que representam os eixos das ações desenvolvidas pelo orientador, as seguintes
providências devem ser encaminhadas:
 Inserir o adolescente no sistema de ensino regular, desenvolvendo ações junto às
escolas, Secretarias de Educação ou Diretorias de Ensino, principalmente no que
diz respeito à defasagem escolar e diferença etária em relação à série desejada.
 Proceder ao acompanhamento escolar do adolescente, mantendo contato com a
unidade escolar e professores responsáveis. Este acompanhamento deve ser
registrado e arquivado na pasta individual do adolescente.
 Inserir o adolescente nos programas de atendimento oficiais ou comunitários que
envolvam cultura, esporte e lazer.
 Garantir o atendimento médico, odontológico, psicológico e/ou psiquiátrico,
auxílio e orientação para alcoólatras e toxicômanos.
 Garantir a participação do adolescente em oficinas de cunho pedagógico e
cultural.
 Inserir o adolescente em cursos profissionalizantes de acordo com a sua aptidão.
 Buscar o fortalecimento dos vínculos familiares.
 Incluir o adolescente e seus familiares, se necessário, na rede de assistência
social do município.
Enfim, deve o orientador garantir a efetivação dos direitos fundamentais
consagrados ao adolescente na Constituição Federal (art. 227) e no ECA (art.4º),
garantindo-lhe sua condição de cidadão.
Além dessas atribuições relacionadas diretamente ao adolescente, o orientador
deve ainda, entre outras ocupações: participar das reuniões para avaliação do
acompanhamento realizado e das atividades a serem desenvolvidas, com o
estabelecimento prévio de um plano de trabalho; elaborar os relatórios de
acompanhamento; participar das reuniões com as entidades e os órgãos envolvidos na
execução das medidas; consultar o processo da execução da medida socioeducativa
diretamente no Cartório quando houver necessidade; elaborar e manter atualizado o
cadastro das entidades que recebem adolescentes para o cumprimento da medida de
14
prestação de serviços à comunidade. Tem ainda atuação administrativa, isto é, registrar
e documentar, em pasta individualizada do adolescente infrator, todo o
acompanhamento realizado.
Ao final do prazo estipulado para o cumprimento da medida compete ao
orientador apresentar relatório do acompanhamento realizado, sugerindo a extinção ou a
prorrogação (se for o caso de liberdade assistida) da medida aplicada.
Relatórios informativos de acompanhamento: Como já se afirmou
anteriormente, o ECA, ao tratar da liberdade assistida, determina ao orientador a
necessidade de apresentar relatório do caso (art. 119, IV). Não estabeleceu sua
periodicidade nem o seu conteúdo. Em relação à prestação de serviços à comunidade
não faz qualquer referência.
Levando-se em consideração os prazos estabelecidos para o cumprimento das
medidas, os relatórios devem ser elaborados:
a) no início, no decorrer e no término da medida. Quando se tratar de liberdade
assistida, cujo prazo mínimo para cumprimento é de seis meses, os relatórios devem ser
ao menos trimestrais. Na prestação de serviços à comunidade, sua periodicidade deve
variar de acordo com o prazo estipulado para o cumprimento da medida, sempre
observando esse critério. Caso a medida aplicada seja apenas de um mês, apenas dois
relatórios são suficientes, um no início e outro no final.
b) sempre que se fizer necessário. Independente da regra geral, quando ocorrer
uma situação que se afaste da normalidade prevista na execução da medida, um relatório
deve ser enviado ao Juiz. São situações que justificam tal comunicação: abandono do
projeto, resistência ao cumprimento da medida, internação hospitalar que impede a
execução, mudança de cidade, etc.
Quanto ao conteúdo, os relatórios devem informar sobre o andamento da
execução da medida, sua evolução e as dificuldades apresentadas, abrangendo não
somente o adolescente, mas também o seu contexto sociofamiliar.
Esses relatórios devem ser direcionados ao Juiz da Infância e da Juventude
responsável pela execução da medida socioeducativa e assinados pelo técnico que
acompanha o caso. Por conterem informações a respeito de adolescente autor de ato
infracional, têm caráter sigiloso e não podem ser divulgados, por expressa determinação
do Estatuto da Criança e do Adolescente (art.143).
15
Orientador na prestação de serviços à comunidade: O orientador que faz o
acompanhamento dessa medida, além das atribuições referidas, deverá manter uma
relação direta com a entidade acolhedora e com o responsável pelo acolhimento do
adolescente, no caso o orientador de referência que atua na entidade. A definição das
tarefas, a garantia das condições para a execução da medida, o controle de freqüência do
adolescente, o cronograma de atividades e os relatórios são ações a serem desenvolvidas
em conjunto entre o orientador da medida e o orientador de referência da entidade para
o sucesso da prestação de serviços à comunidade. Diante dessa relação que se revela
necessária, a capacitação do orientador de referência e a realização de reuniões
freqüentes para avaliação e construção de uma metodologia que atenda ao fim proposto
são de suma importância.
4.5 – Medida inicial e incidental (progressão).
As medidas socioeducativas de prestação de serviços à comunidade e de
liberdade assistida podem ser aplicadas ao adolescente infrator de forma inicial ou
incidental. Ocorre a primeira, quando o Juiz da Infância e da Juventude, ao analisar a
conduta infracional do adolescente, determina uma das referidas medidas para ser
cumprida imediatamente.
O cumprimento da medida de forma incidental acontece quando ao infrator foi
aplicada uma outra medida socioeducativa e, no transcorrer de sua execução, ocorre
uma substituição ou progressão para a liberdade assistida ou a prestação de serviços à
comunidade.
Se a aplicação da medida socioeducativa acontece de forma inicial ou incidental,
isso não interfere no seu desenvolvimento, a não ser o fato que, na incidental, o
adolescente mereça uma atenção especial por já estar cumprindo outra medida.
4.6 – Prorrogação, regressão e extinção da medida.
A execução das medidas socioeducativas em meio aberto pressupõe a
reciprocidade do adolescente infrator no sentido de repensar os seus atos, estabelecendo
outras formas de relação com os problemas e com as pessoas nos locais por onde
circula.
16
Tendo as medidas um prazo estabelecido para seu cumprimento (mínimo de seis
meses para a liberdade assistida e até seis meses para a prestação de serviços à
comunidade) busca-se, nesse período, uma intervenção efetiva junto ao adolescente para
atingir o objetivo proposto.
Quanto à medida de liberdade assistida, estabeleceu o legislador a possibilidade
de sua prorrogação (ECA, art. 118, § 2°) sempre que ocorrer uma situação que justifique
um acompanhamento mais prolongado. A prorrogação requer determinação judicial,
com prévia manifestação do Ministério Público e defensor, podendo ser sugerida pelo
orientador.
A prorrogação deve ter um prazo definido, compatível com a proposta educativa
realizada, com formal orientação do adolescente. São situações que justificam a
prorrogação da medida: a necessidade de complementação de uma oficina ou curso
profissionalizante iniciados; a pouca participação do adolescente durante o período
normal da execução; a prática de outras infrações de natureza leve quando da execução
da medida; a complementação de tratamento médico, odontológico, psicológico ou
psiquiátrico subsidiado pelo projeto, etc. O ECA não estabeleceu a prorrogação da
medida para a prestação de serviços à comunidade, de forma que essa hipótese fica
restrita à liberdade assistida.
Há também situações em que ocorre uma quebra em sua execução e o
adolescente deixa de cumprir a medida socioeducativa aplicada. Nessa hipótese, após
esgotar os recursos administrativos para vincular o adolescente ao projeto, deve ser feita
a comunicação do fato ao Juízo da execução para que tome as providências necessárias.
Todos os meios necessitam ser mobilizados para que o adolescente volte a cumprir a
medida socioeducativa, sendo caso de se proceder a uma nova orientação ao adolescente
e investigar os motivos do abandono para, ao final, verificar se há possibilidade de
regressão da medida.
A extinção da medida se verifica quando o adolescente termina de cumpri-la de
forma adequada e no prazo estabelecido, encerrando assim a fase judicial do processo
de execução. Nada impede, porém, que, apesar da extinção da medida, o adolescente
continue a participar das atividades desenvolvidas pelo Projeto ou pela entidade onde
presta serviços à comunidade, só que numa outra situação, ou seja, como cidadão e de
forma voluntária.
17
4.7 – Suspensão da medida.
A execução das medidas em meio aberto pode ser suspensa? É possível que
durante a execução de uma liberdade assistida ou de uma prestação de serviços à
comunidade venha a ocorrer uma determinada situação que impeça o adolescente de
continuar o seu cumprimento da forma como vinha efetivamente sendo realizado. Nessa
hipótese, é perfeitamente possível suspendê-la até que essa situação inesperada
desapareça possibilitando o retorno do adolescente à medida a ele aplicada.
São situações que justificam a suspensão da execução: a prática de um delito
mais grave, quando o adolescente fica internado provisoriamente, podendo retornar à
medida aplicada caso volte à liberdade; problemas de saúde; viagem; mudança
temporária de cidade.
Como não se vislumbra a aplicação do instituto da prescrição na esfera
menorista, no caso de a suspensão se prolongar por algum tempo, a retomada da
execução deve ser avaliada pela Autoridade Judiciária, com a prévia manifestação da
Promotoria de Justiça e do defensor do adolescente infrator. Essa situação se justifica
em razão da conveniência, da oportunidade e da possibilidade de substituição das
medidas socioeducativas.
4.8 – Cumulação das medidas.
Como já se afirmou anteriormente, as medidas socioeducativas podem ser
cumuladas. Essa situação é prevista no ECA e perfeitamente possível. A questão que se
apresenta, refere-se à execução das medidas cumuladas se forem da mesma natureza, ou
seja, medidas de liberdade assistida ou de prestação de serviços à comunidade, aplicadas
em vários procedimentos.
Como deve, então, ocorrer a execução? No caso de liberdade assistida, não pode
haver a somatória do prazo para cumprimento, ou seja, aplicadas duas ou três dessa
medida, com diferentes durações, a execução ocorrerá em relação a apenas uma, mas
abrangendo todas as outras. O prazo mínimo continua sendo de seis meses e eventual
prorrogação, se houver, será em face da situação do acompanhamento realizado e não
das outras medidas aplicadas.
Quanto à medida de prestação de serviços à comunidade, a execução poderá ser
de, no máximo, seis meses. Assim, aplicada a medida em vários procedimentos, será
18
executada uma de cada vez, até o prazo máximo de seis meses. Nesse sentido esclarece
Roberto João Elias11 que “a medida não pode, em hipótese alguma, exceder o período
de seis meses. Nada impede, contudo, que, tendo o adolescente praticado outra ação no
período, possa sofrer medida idêntica, que deverá ser cumprida em seguida à primeira”.
4.9 – Trabalho realizado na prestação de serviços à comunidade.
A medida de prestação de serviços à comunidade tem um sentido altamente
educativo, socializante e de solidariedade social que deve orientar os trabalhos a serem
realizados na sua execução. Tem ainda a finalidade de tornar a comunidade coresponsável pela oferta do trabalho, pelo acompanhamento e pela orientação do
adolescente infrator.
O Estatuto da Criança e do Adolescente apresenta algumas diretrizes
esclarecendo que esse trabalho:
a) deve consistir na realização de tarefas gratuitas e de interesse geral (art. 117);
b) deve estar de acordo com as aptidões do adolescente (art. 117, parágrafo
único);
c) não pode prejudicar a freqüência regular à escola (art. 117, parágrafo único);
d) não pode prejudicar a jornada normal de trabalho do adolescente (art. 117,
parágrafo único);
e) não deve envolver atividades violentas e discriminatórias (art. 5);
f) não deve envolver atividades vexatórias ou constrangedoras (art.18);
g) não pode ser noturno, perigoso, insalubre, penoso, ou realizado em locais
prejudiciais à formação e ao desenvolvimento físico, psíquico, moral e social
do adolescente (art. 67).
Esclarece Roberto João Elias12 que os “serviços prestados devem ser nos locais
indicados no artigo (117, parágrafo único), evitando-se, todavia, lugares que, por
qualquer razão, sejam maléficos ao adolescente, tanto do ponto de vista físico como
moral. Se, por exemplo, num hospital, não poderá o menor trabalhar em local em que
haja qualquer perigo de contaminação que afete a sua saúde”.
Avalia-se o trabalho a ser prestado em relação ao seu impacto social, seu apelo
educativo, socializante e de solidariedade e ao reflexo na rotina do adolescente infrator e

11 ELIAS, 1994, p. 94.
12 ELIAS, 1994, p. 94.
19
de seu núcleo familiar. Pode ser desenvolvido em entidades assistenciais, em hospitais,
escolas, ONGs, repartições públicas e também em programas comunitários e
governamentais.
Diante do caráter educativo que deve nortear a execução da medida, pode
ocorrer, sempre que necessário, o redirecionamento do trabalho proposto mediante
prévia avaliação do orientador e da entidade acolhedora. O programa deve ser flexível
dentro do prazo estabelecido para o cumprimento da medida.

  1. AÇÕES E DIFICULDADES NA EXECUÇÃO DAS MEDIDAS.
    Na execução das medidas socioeducativas em meio aberto, o princípio da
    proteção integral deve ser observado em sua inteireza para garantir ao adolescente
    infrator um novo projeto de vida, com o rompimento da prática delituosa, em face da
    garantia dos direitos fundamentais consagrados na Constituição Federal e no ECA.
    Assim, na execução da medida socioeducativa, dois pontos apresentam-se
    relevantes: a) a garantia dos direitos fundamentais; b) o trabalho em rede para a
    efetivação desses direitos.
    O trabalho em rede significa implementar ações de forma integrada
    estabelecendo parcerias para a efetivação e articulação da atividade a ser desenvolvida
    no cumprimento das medidas, sensibilizando, mobilizando e comprometendo todos os
    envolvidos nela.
    Quanto à garantia dos direitos fundamentais, as ações devem ser direcionadas
    para a vida e a saúde, educação, trabalho e profissionalização, esporte e lazer, cultura e
    convivência familiar e comunitária.
    No que se refere à educação, a meta é buscar a escolarização do adolescente,
    favorecendo o seu retorno à escola e garantindo sua permanência e seu sucesso nos
    estudos. Implica no envolvimento do próprio adolescente, da escola e da família.
    Quanto ao trabalho, a garantia a esse direito ocorre com o encaminhamento do
    infrator a cursos profissionalizantes de acordo com o seu interesse e aptidão. São
    exemplos de cursos: marcenaria, informática, serigrafia, culinária, panificação, etc.
    Também implica a realização de oficinas de cunho profissional, pedagógico e cultural,
    tais como confecção de balões decorativos, música, escultura em argila, artes plásticas,
    pintura em tecido, arte circense, etc.
    20
    No que concerne a lazer, esporte e cultura, trata-se de propiciar momentos de
    descontração, sem prejuízo do trabalho, envolvendo auto-estima e disciplina. Passeios
    de cunho cultural são de extrema importância para a formação do adolescente.
    Na saúde, ganham relevância as ações referentes ao tratamento de drogadição,
    acompanhamento médico e psicológico, abordagem de temas relacionados à
    sexualidade e desenvolvimento.
    Na garantia da convivência familiar, o trabalho se direciona ao adolescente e
    seus familiares, tanto no atendimento individual, como no grupal ou familiar,
    detectando as dificuldades de relacionamento e tratando-as de forma a superá-las.
    Essas ações, desenvolvidas na execução das medidas socioeducativas em meio
    aberto, apresentam dificuldades de concretização variando o seu grau de acordo com a
    situação do infrator e da qualidade da rede de atendimento estabelecida. Podem-se
    apontar as seguintes dificuldades na execução das medidas, de acordo com cada direito
    fundamental a ser garantido13
    :
    Saúde e vida:
     Ausência de programa oficial ou comunitário para tratamento de
    drogadictos e toxicômanos;
     Ausência de tratamento psicológico ou psiquiátrico para o adolescente
    infrator.
    Educação:
     Impedimentos para a matrícula escolar;
     Não permanência do adolescente na escola;
     Defasagem entre a idade do adolescente e série a ser cursada;
     Ausência da família na escola;
     Déficit de aprendizagem;
     Inexistência ou precariedade de transporte escolar;
     Incompreensão, por parte da escola, de seu papel na execução da medida.
    Profissionalização:
     Não inserção no mercado de trabalho;

13 As dificuldades arroladas foram apontadas pelo Projeto Alerta que acompanha a execução de medidas
socioeducativas em meio aberto no município de Presidente Prudente – SP.
21
 Baixa escolaridade;
 Insuficiência ou inexistência de projetos e recursos, principalmente na
área de aprendizagem;
 Resistência e/ou desinteresse do adolescente;
 Ofertas incompatíveis com a necessidade e interesse do adolescente.
Esporte, Cultura e Lazer:
 Falta de equipamentos sociais de esporte e lazer;
 Insuficiência dos recursos para as atividades trabalhadas.
Em relação ao trabalho com as famílias na execução das medidas constata-se
uma deficiência na rede de serviços oficiais e comunitários de suporte e
acompanhamento familiar, principalmente nas áreas de saúde, assistência social,
habitação e profissionalização.
Ainda como dificuldade enfrentada na execução das medidas socioeducativas
está a relação com o Poder Judiciário, Ministério Público e Conselho Tutelar. A falta de
integração e de informações para a qualidade do atendimento, o lapso temporal entre a
data do delito e a execução da medida, a
ausência de programas para suporte ao adolescente após o término da aplicação da
medida, a falta de acesso aos procedimentos socioeducativos, a distância estabelecida
entre o orientador e os membros do Poder Judiciário e Ministério Público são algumas
das situações que dificultam o trabalho em rede, necessário para a garantia dos direitos
fundamentais dos adolescentes infratores.
Por fim, especificamente em relação à medida de prestação de serviços à
comunidade, as dificuldades encontradas em sua execução referem-se à ausência de um
orientador de referência na entidade acolhedora e ao número reduzido de entidades
disponíveis para a consecução desse objetivo.

  1. AS MEDIDAS EM MEIO ABERTO E A SOCIEDADE.
    À sociedade é reservada uma tarefa árdua e complexa que tem como ponto
    principal a sua responsabilidade em relação à criança e ao adolescente infrator. Ao
    mesmo tempo em que almeja ser justa, solidária e livre, sem a presença de crianças e
    adolescentes que venham a obstaculizar esses anseios, tem a sociedade também a
    22
    responsabilidade de desenvolver ações que possibilitem a efetivação dos direitos
    fundamentais dessas crianças e adolescentes, colocando-os a salvo de toda forma de
    negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão14, contribuindo
    para que não se envolvam na prática de atos infracionais.
    Verifica-se, assim, que a sociedade desenvolve-se na comunhão de duas ações:
    a) a efetivação dos direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes
    (para não se envolverem com atos infracionais);
    b) o reconhecimento dos atos infracionais praticados por crianças e
    adolescentes com a conseqüente aplicação das medidas protetivas e
    socioeducativas previstas no ECA;
    Essa tarefa, como se vê, conforme estabelecem a própria Constituição Federal
    (art. 227) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 4º), é um dever de todos, da
    família ao Poder Público, e exige que cada setor da sociedade assuma a sua
    responsabilidade, não transferindo aos demais a sua parcela de culpa pela situação em
    que todos se encontram.
    Importa reconhecer, portanto, em face dessas considerações, que na sociedade
    em que vivemos existem adolescentes infratores que praticam atos violentos e
    provocam a intranqüilidade de seus membros (violência do adolescente), mas que a
    família, a sociedade e o Estado, por sua vez, também praticam violência quando não
    garantem a efetivação dos direitos fundamentais dos adolescentes (violência contra o
    adolescente).
    Especificamente com respeito ao papel a ser desempenhado pela sociedade,
    constata-se, em nosso meio, a existência de alguns paradigmas em relação ao menor
    infrator que interferem diretamente na sua recuperação ou no sucesso da medida
    socioeducativa aplicada e representam uma violência contra o adolescente.
    Um paradigma ultrapassado pode deixar uma sociedade paralisada enquanto os
    acontecimentos se sucedem. O mundo mudou, mas parece que a sociedade ainda
    enxerga os adolescentes infratores de forma estigmatizada e que não quer mudar sua

14 Constituição Federal – Art. 227. – É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao
adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e a convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade
e opressão.
23
visão porque aceitar novos paradigmas implica assumir novos compromissos e atitudes
frente ao problema.
Um exemplo típico de paradigma defendido por grande parte da sociedade
refere-se à redução da menoridade penal. Acredita-se, de forma simplista, que essa
medida resolveria o problema da violência social e do adolescente infrator. Pouco
importa se, ao sair de uma unidade prisional, ele volte mais qualificado para a prática de
atos infracionais ainda mais graves contra essa mesma sociedade que o isola.
Há necessidade de analisarmos e assumirmos outros modelos em relação ao
adolescente infrator, podendo-se, a título exemplificativo, traçar um paralelo entre
velhos e novos modelos que o definem:
VELHO PARADIGMA NOVO PARADIGMA

  1. Adolescente infrator objeto de direito. 1. Adolescente infrator sujeito de direitos.
  2. Adolescente infrator: problema estatal. 2. Adolescente infrator: problema de todos
    – Família, Sociedade e Estado.
  3. Adolescente infrator: solução via
    contenção de liberdade.
  4. Adolescente infrator: solução via
    oferecimento de oportunidades e garantia
    dos direitos fundamentais.
  5. Adolescente Infrator: preconceito e
    marginalização. Isolamento social.
  6. Adolescente infrator: integração e
    inclusão social sem rotulação.
  7. Adolescente infrator: internação como
    solução. Quanto mais longe do meio em
    que vive melhor.
  8. Adolescente infrator: internação como
    exceção. Adolescente que deve permanecer
    em seu meio social e familiar.
  9. Adolescente infrator: marginal,
    delinqüente, irrecuperável.
  10. Adolescente infrator: cidadão.
    24
    Verifica-se, por essa breve análise, que a sociedade deve assumir as mudanças,
    sob pena de ficar paralisada enquanto os fatos avançam.
    As medidas socioeducativas em meio aberto – prestação de serviços à
    comunidade e liberdade assistida – representam providências que, se forem
    adequadamente executadas, garantem a reinserção social do infrator. São de natureza
    coercitiva, com punição ao infrator, mas possibilitam, no aspecto educativo, a
    “oportunização e acesso à formação e informação” 15
    .
    Afirma Mário Volpi16 que essas medidas são aplicadas e operadas de acordo
    com as características da infração, circunstâncias sociofamiliares e disponibilidade de
    programas e serviços em nível municipal, regional e estadual, com o envolvimento
    familiar e comunitário.
    O sucesso das medidas, portanto, implica o envolvimento de toda a sociedade a
    quem compete oferecer as mais variadas opções ao adolescente infrator para cumprir a
    medida de prestação de serviços à comunidade em local adequado e não somente em
    repartições públicas. A sociedade tem o dever de disponibilizar essas oportunidades seja
    em uma ONG, seja em entidades assistenciais, em escolas, associações de bairro, etc. O
    acolhimento de um adolescente para cumprir a medida em questão representa um início
    do processo de sua inclusão social. Aliás, nessa medida, o apelo cooperativo é muito
    forte, pois torna a comunidade co-responsável pela oferta de oportunidades, e pelo
    acompanhamento e orientação de seus adolescentes.
    Quanto à liberdade assistida vale registrar as experiências de sucesso
    envolvendo a comunidade como a chamada liberdade assistida comunitária, executada e
    dirigida pela própria sociedade e não por um órgão estatal. Ainda em relação a essa
    medida, a própria lei aponta, entre as atribuições do orientador, a inclusão do infrator
    em programa comunitário de auxilio e assistência social e a profissionalização do
    adolescente com sua inserção no mercado de trabalho.
    Enfim, a garantia de uma sociedade melhor, mais justa e igualitária, também
    passa pela correta execução das medidas socioeducativas em meio aberto, que não
    podem ser cumpridas sem a participação da comunidade.
  11. AS MEDIDAS EM MEIO ABERTO E A MUNICIPALIDADE.

15 VOLPI, M. O adolescente e o ato infracional. 4ª ed. São Paulo: Cortez, 2002. p. 20.
16 VOLPI, loc cit.
25
A Constituição Federal reconheceu a importância do Município como a base do
sistema federativo rompendo com séculos de tradição centralizadora e autoritária.
17

Como resultado dessa nova política, a Constituição afastou o governo federal do
exercício das funções específicas das administrações municipais, que ganharam
importância dentro do sistema federativo em face da descentralização políticoadministrativa, ampliando-se sua autonomia, já que deliberam e executam tudo quanto
respeite ao interesse local, sem consulta ou aprovação do governo federal ou estadual.
Decidem da conveniência ou inconveniência de todas as medidas de seu interesse;
entendem-se diretamente com todos os Poderes da República e do Estado, sem
dependência hierárquica18
. Diante dessa nova postura, o município é considerado uma
entidade político-administrativa e não mais uma entidade meramente administrativa.
A descentralização político-administrativa, com a conseqüente municipalização
das ações relativas à criança e ao adolescente, prescrita na Constituição, significa, na
lição de Antônio Carlos Gomes da Costa19
:
DESCENTRALIZAÇÃO: Entendida não como o município assumir
sozinho um determinado problema, eximindo o Estado e a União de qualquer
responsabilidade em relação ao mesmo. A MUNICIPALIZAÇÃO significa o
governo local assumir um papel de protagonista central na formulação e
implementação da política de atendimento aos direitos da criança e do
adolescente, sem, contudo, abrir mão do apoio técnico e financeiro dos níveis
supra-municipais de governo.
Essa orientação constitucional foi consagrada no Estatuto da Criança e do
Adolescente (art. 88) e tem relevância quando se trata de execução de medida
socioeducativa em meio aberto, porque o Município passa a ser a fonte primária dessas
ações. Nesse sentido, esclarece Munir Cury20
:
É no Município que se desenvolvem e estão implantadas as necessárias
redes de atendimento que servem de suporte para as medidas sócio-educativas
em meio aberto. É também no Município, com as suas estruturas e recursos
locais, costumes e tradições, que se pode avaliar a maior e melhor adequação
dos hospitais, escolas e outros estabelecimentos congêneres, às exigências
pedagógicas do adolescente autor de infração penal, submetido à medida

17 COSTA, A C. G. da. É possível mudar. São Paulo: Malheiros, 1993. p. 64.
18 MEIRELLES, H. L. Direito municipal brasileiro. 6ª Ed. São Paulo: Malheiros, 1993. p. 38.
19 COSTA, 1993, p. 13.
20 CURY, M. A responsabilidade dos municípios pela aplicação das medidas sócio-educativas em meio
aberto: Febem-SP; Governo do Estado de São Paulo, 2002, p.16 – 17.
26
sócio-educativa de prestação de serviços à comunidade. Da mesma forma, é
somente no Município, dotado do perfil próprio de condições de escolaridade e
cultura, família, socialidade e trabalho, que poderá surgir a figura ideal do
orientador prevista e exigida para o êxito da medida sócio-educativa de
liberdade assistida.

Esta nova política exige o compromisso do Município na execução das medidas
socioeducativas em meio aberto, com o assessoramento do Estado e uma proposta de
cooperação técnico-financeira. Trata-se de um reordenamento institucional com
implicações nas ações desenvolvidas pelo município e pelas demais instituições ligadas
à sua operacionalização (Poder Judiciário, Ministério Público, Policia Civil e Militar,
etc).
Deve-se registrar que a execução das medidas socioeducativas em meio aberto,
pelo município, não implica apenas uma nova postura administrativa ou organizacional.
Há uma vertente política traduzida pelo eixo fundante da doutrina de proteção integral,
que reordenou o trato das questões envolvendo a criança e o adolescente, a qual exige a
necessidade de profundas alterações na implementação das práticas sociais
operacionalizadas pelos profissionais e instituições envolvidas – procedimento que
exige, também, uma mudança ética, cultural e técnica, portanto, política.
21
Apesar dos anos de vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente essa
reorganização institucional relativa à operacionalização das medidas socioeducativas em
meio aberto continua a ser o grande desafio, principalmente quanto se atém à qualidade
das medidas executadas. Tão certo quanto o fato de que o adolescente, ao cometer ato
infracional, denuncia o fracasso das instituições sociais – família, escola, comunidade,
programas de atendimento22, é o de que a ruptura desse ciclo impõe a execução das
medidas socioeducativas de forma integrada, complementar e com qualidade, o que
exige um comprometimento do Poder Público municipal e de seus atores com as ações
desenvolvidas.

  1. CONSIDERAÇÕES FINAIS.

21 NOZABIELLI, S. R. Desafios e possibilidades da gestão das medidas sócio-educativas em meio aberto
no município de Pres. Prudente. Dissertação (Mestrado). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
São Paulo, 2003, p. 36.
22 Ibid., p. 46.
27
O Estatuto da Criança e do Adolescente apresenta três grandes dimensões a
serem enfocadas, que segundo Vera Maria Mothé Fernandes23 são: as dimensões
política, administrativa e social.
Na dimensão política, emergem novas relações de poder entre o governo e a
sociedade. Refere-se, entre outros aspectos, aos Conselhos e Fundos municipais. Na
dimensão administrativa, aponta para a descentralização do atendimento determinando
aos municípios a criação de Conselhos Tutelares e de programas de atendimento. Na
dimensão social, assinala que o Estatuto provoca uma imensa transformação,
especialmente por considerar a criança e o adolescente como sujeitos de direitos, de
forma que as ações a eles dirigidas devam ser pautadas no compromisso e na vontade
política de atender o paradigma da prioridade absoluta e da condição peculiar de ser em
desenvolvimento das crianças e dos adolescentes.
Essas três dimensões têm como um dos eixos determinantes, as medidas
socioeducativas, em especial as aplicadas em meio aberto, como parte do sistema
jurídico-social infanto-juvenil, de forma que, uma sociedade mais justa e igualitária,
com menos violência, passa pela correta identificação e implementação destas
dimensões política, administrativa e social do Estatuto da Criança e do Adolescente e
pela execução da medida socioeducativa com seriedade, competência e
comprometimento com a causa infanto-juvenil.
Isto porque, a correta aplicação e execução das medidas sócio-educativas –
especial da liberdade assistida e prestação de serviço à comunidade -, possibilita ao
adolescente infrator e por conseqüência a seus familiares, identificar os fatores
desencadeantes das ações que resultaram no ato infracional e os fatores impeditivos do
seu desenvolvimento, possibilitando uma mudança de rumo, com a superação das
dificuldades iniciais constatadas, ruptura com a prática de delitos e desenvolvimento de
atitudes construtivas.
O trabalho efetivo das medidas socioeducativas em meio aberto – com apoio
social, psicológico, suporte material, e principalmente acolhimento, atenção e amor ao
próximo – revela a possibilidade de se acreditar numa sociedade melhor. Mas vale
ressaltar que este trabalho desenvolve-se no coletivo, com uma trajetória que se inicia
na aplicação da medida e transita pela municipalização das ações socioeducativas, pelos

23 FERNANDES, 1998 apud NOZAQBIELLI, 2003, p. 43.
28
projetos que executam as medidas, na responsabilidade de todos aqueles que
diretamente estão ligados à questão, do envolvimento das famílias dos adolescentes
infratores e principalmente na motivação e vinculação destes com a medida executada.
Trata-se de uma tarefa árdua, mas extremamente gratificante, a partir do
momento em que se vislumbra o reconhecimento da cidadania e da dignidade deste
adolescente infrator.