O desenvolvimento da criança e do adolescente dentro de uma perspectiva de futuro

O desenvolvimento da criança e do adolescente dentro de uma perspectiva de futuro

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O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
DENTRO DE UMA PERSPECTIVA DE FUTURO.

– LAZER, EDUCAÇÃO E FAMÍLIA1

Luiz Antonio Miguel Ferreira2

  1. A GLOBALIZAÇÃO E A NOVA ORDEM.
    O homem está em constante evolução e busca, neste movimento
    transformar o mundo que o circunda, para torná-lo menos hostil. Esta busca se
    dirige ao aprimoramento de técnicas produtoras de instrumentos,
    relacionando-se com o mundo material e com regras de conduta, que se dirigem
    às relações interindividuais.
    Esta evolução ganha, na atualidade, o contexto mundial, passando, a
    partir de então, a ser designada de globalização, terceira revolução industrial,
    sociedade pós-moderna, sociedade em rede, sociedade pós-industrial e outras
    designações equivalentes.
    Extrai-se, desta nova ordem, reflexos e conseqüências para toda a
    sociedade. De forma exemplificativa, em relação ao trabalho, constata-se que
    este se apresenta com uma concepção diferente daquela até então reinante.
    Como decorrência dessas mudanças e das necessidades produtivas, requer-se
    um novo tipo de trabalhador para contemplar estas alterações, independente
    da sua área de atuação. As modificações proporcionadas requerem um

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Palestra proferida no SESI – agosto/2003.
2
Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo.
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profissional com perfil diferenciado que atenda a estes avanços, o que reclama
uma adequada formação para o desempenho de seu mister.
Estas alterações e mutações também foram sentidas pelas crianças e
adolescentes, bem como pela educação, família, havendo necessidade de se
repensar o papel de cada um frente às estas novas exigências.

  1. CRIANÇA E ADOLESCENTE.
    Quanto às crianças e os adolescentes verifica-se uma mudança de
    concepção e tratamento dispensados aos mesmos, tanto no aspecto
    relacionado às relações de conduta (legal) como no aspecto sócio-psicológico
    (familiar e social).
    Em relação às regras de condutas, a trajetória histórica das
    Constituições Federais bem como da legislação na área menorista, demonstram
    esta evolução, cujo ápice, em nível nacional, pode ser traduzido pela
    Constituição Federal de 1988 e o pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. O
    ECA. dentro desta perspectiva representa o instrumento legal para o
    desenvolvimento da criança e do adolescente. Trata-se de uma verdadeira
    constituição infanto-juvenil, pois regulamenta os direitos fundamentais das
    crianças e dos adolescentes, como direito à vida, à saúde, à educação, à
    convivência familiar e comunitária, ao lazer e profissionalização.
    Comparando a atual legislação com as passadas que disciplinavam a
    matéria, verifica-se que se rompeu com um passado marcado pela
    discriminação e violência, colocando a criança e o adolescente no lugar que
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    merecem, ou seja, como prioridade absoluta, para o governo, para a família e
    para a sociedade em geral.
    Assim, o desenvolvimento da criança e do adolescente, dentro de uma
    perspectiva legal, implica em ações que venham contemplar o que estabelece a
    lei, em especial, no que diz respeito à família, educação, esporte e ao lazer.
    No aspecto sócio-psicológico, a concepção de criança e de adolescente
    também sofreu evolução. Na antiguidade, a criança era caracterizada por uma
    idéia de ser inacabado e que os primeiros anos de existência fazia parte de um
    período insignificante de sua vida.
    Até o século XVIII, a criança foi tida como estranha e era desprezada
    por seus próprios pais naturais que as tinham como estorvo. A ordem era se
    livrar das crianças sem qualquer sentimento de culpa. Esta situação somente
    foi desaparecendo com o surgimento da família burguesa, quando então as
    crianças são incorporadas no grupo e se desenvolve o amor materno. No
    entanto, o aparecimento da família burguesa mudou em parte este cenário,
    pois se antes dela todas as crianças, ricas ou pobres estavam sujeitas ao
    abandono, com o seu surgimento, passam a ser exposto o diferente, o pobre e
    o marginalizado.
    A mudança em relação à concepção de criança foi gradativa e lenta.
    Somente nas “últimas duas décadas do século passado é que a infância passou a
    ser reconhecida como a fase do desenvolvimento pessoal onde se encontram as
    melhores qualidades humanas”, chegando a contemplar as crianças e os
    adolescentes como sujeitos de direitos. Esta evolução ocorreu diante das
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    transformações verificadas na organização familiar, que culminou com a
    família moderna, é na evolução da própria sociedade.
    Hoje, diante do mundo globalizado e da atual concepção de criança e
    adolescente, torna a mesma o centro das atenções para ações que venham a
    proporcionar-lhes um “desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e
    social, em condições de liberdade e dignidade” (ECA., art. 3º). Revela-se
    importante para cumprir tal desiderato à família e a educação.
  2. EDUCAÇÃO.
    A evolução e mudança, típica da globalização, fez ampliar o
    reconhecimento da educação como forma de promoção do desenvolvimento
    sustentável para a superação das desigualdades sociais.
    Por conseguinte, a escola passou a desempenhar um novo papel,
    diferente daquele que realizava, não mais se limitando a ensinar a ler, a
    escrever e a fazer cálculos aritméticos, reconhecendo, ainda, sua importância
    na construção da cidadania infanto-juvenil. O professor também teve o seu
    papel redesenhado para atender a estas novas exigências, com novas
    atribuições, compatíveis (e em certas situações até incompatível) com este
    processo evolutivo.
    Diante deste movimento global, exige-se uma nova maneira de pensar a
    respeito do papel da escola e do professor. Em outros termos: o que se espera
    da escola e do professor no mundo atual. Que iniciativas poderão tomar nesta
    perspectiva de desenvolvimento da criança e do adolescente para o futuro.
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    Quanto à escola, diante desta evolução e do mundo globalizado, DI
    GIORGIO (2002, p. 147) esclarece qual seria a orientação a ser seguida:
    “A escola deve avançar no sentido de ser legitimamente,
    institucionalmente e no imaginário social, uma entidade que cumpra
    socialmente uma função de dinamizadora cultural e social do seu
    entorno e é a partir do cumprimento dessa função mais ampla que ela
    poderá efetivamente atuar eficazmente no sentido de não mais instruir,
    mas educar crianças, jovens, adolescentes e também adultos”.
    Também aponta para esse sentido o Parecer n. CNE/CP 009, aprovado
    em 08 de maio de 2001, do Conselho Nacional de Educação, que trata das
    Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação de Professores de
    educação básica, em nível superior, que enseja este novo contexto:
    Reforça a concepção de escola voltada para a construção de uma
    cidadania consciente e ativa que ofereça aos alunos as bases culturais
    que lhes permitam identificar-se e posicionar-se frente às
    transformações em curso e incorporar-se na vida produtiva e sóciopolítica. Novas tarefas passam a se colocar à escola, não porque seja a
    única instância responsável pela educação, mas, por ser a instituição que
    desenvolve uma prática educativa planejada e sistemática durante um
    período continuo e extenso de tempo na vida das pessoas. E, também,
    porque é reconhecida pela sociedade como a instituição de
    aprendizagem e de contato com o que a humanidade pôde produzir como
    conhecimento, tecnologia e cultura.
    O ECA também vai nessa direção quando traça os objetivos da educação
    previstos no artigo 53, que são:
    a) pleno desenvolvimento da criança e do adolescente;
    b) preparo para o exercício da cidadania;
    c) qualificação para o trabalho.
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    Mas para atingir tal desiderato, revela DI GIORGIO (2002) a
    necessidade da ocorrência de diversos fatores, como: a escola deverá ser
    antes de tudo formativa; que o processo educativo deverá dar conta de
    problemas reais; a necessidade de uma maior proximidade das escolas com a
    Universidade; a escola terá que receber mais verbas e utilizar, de forma mais
    efetiva, as novas tecnologias; desenvolver a capacidade dos alunos de ensinar;
    as escolas deverão aumentar os espaços de comunicação (intercâmbios) e
    menor número de alunos por professor.
    Também deverá ter relevância a formação do professor que deve
    considerá-lo como um profissional reflexivo, que é chamado a desempenhar o
    papel de verdadeira liderança intelectual no sentido mais amplo da expressão.
    É necessário que o professor deixe de se ver como professor de uma
    determinada disciplina, para se ver como um educador.
    Neste particular, constata-se que a globalização, atinge o professor, já
    que a tecnicidade (assim entendida como “atividade profissional, sobretudo,
    instrumental, dirigida para a solução de problemas mediante a aplicação
    rigorosa de teorias e técnicas cientificas” – GÓMES, 1997, p. 96), própria da
    formação do professor na década de 70, não mais atende às exigências atuais
    de um mundo conectado.
    Isto porque esta globalização, que envolve mudanças de caráter social,
    política, econômica e legal, cria situações incertas e variáveis que não
    encontram respaldo no modelo tecnicista empregado. Em outros termos, o
    professor, como trabalhador inserido neste novo contexto, está suportando os
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    reflexos das mudanças paradigmáticas que estão refletindo em sua atuação
    profissional, com uma concepção diferenciada do modelo até então concebido.
    Ademais, com a democratização da educação, típica do modelo sócioeconômico atual, com um sistema de ensino de massas, o significado atual das
    instituições escolares, exige um novo posicionamento do professor. Pois, o
    ensino em massa, para “escolarizar cem por cento das crianças de um país
    implica pôr na escola cem por cento das crianças com dificuldades, cem por
    cento das crianças agressivas, cem por cento das crianças conflituosas, em
    suma, cem por cento de todos os problemas sociais pendentes que se
    convertem assim em problemas escolares” (ESTEVES. 1995, p. 121).
    O mundo globalizado apresenta, ao professor, uma nova realidade
    decorrente de seus avanços, como a informação compartilhada e a cidadania
    global. O professor deve lidar com a informação, como parte de seu
    conhecimento, que não deve se limitar a ela e trabalhar em prol da construção
    de uma nova ordem cidadã.
    Estas mudanças sociais, políticas, econômicas e legais transformaram,
    profundamente, as relações estabelecidas com a escola, o professor, os alunos,
    os pais e a sociedade em geral. Interferiram no trabalho, na imagem social e
    no valor que a sociedade atribui a educação (escola) e ao professor.
    Diante desta nova ordem em face deste mundo globalizado, da terceira
    revolução industrial, desta sociedade pós-moderna, ou em rede, à educação,
    muitas vezes é concebida como uma panacéia, onde está sendo creditada a
    redenção do mundo, a harmonia dos povos, a solução da pobreza, a eliminação
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    dos males que afligem a humanidade, transferindo-se, ao professor, este viés
    redentor, posto que um dos responsáveis pelo desenvolvimento do sistema
    educativo.
    Nesse sentido, “há uma retórica cada vez mais abundante sobre o papel
    fundamental que os professores são chamados a desempenhar na construção
    da sociedade do futuro”. A importância da educação e dos professores nesses
    desafios é sempre lembrada, “ou porque lhes cabe formar os recursos humanos
    necessários ao desenvolvimento econômico, ou porque lhes compete formar as
    gerações do século XXI, ou porque devem preparar os jovens para a sociedade
    da informação e da globalização, ou por qualquer outra razão, os professores
    voltam a estar no centro das preocupações políticas e sociais”. (NÓVOA, 1999,
    p. 13).
    Nesse sentido, vale lembrar que o professor não deve estar sozinho. A
    família e a própria sociedade são co-responsáveis deste processo educativo
    para o completo desenvolvimento da criança e do adolescente, numa
    perspectiva de futuro melhor.
  3. FAMÍLIA.
    A família, como co-responsável pela educação e pela efetivação dos
    direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes, também é chamada
    para assumir o seu relevante papel neste mundo globalizado, numa perspectiva
    de um futuro melhor para os filhos. Mas a família também sofreu evolução
    decorrente desta nova ordem socioeconômica.
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    Da família nuclear burguesa, calcada na monogamia e no trabalho
    doméstico da mulher, seguiu-se para a família patriarcal, caracterizada por
    uma hierarquia vertical, centrada no matrimônio.
    Hoje, experimenta-se um novo modelo familiar, ou seja, a família nuclear
    moderna, caracterizada pelo ingresso da mulher no mercado de trabalho; a
    igualdade de direitos entre os cônjuges com divisão de tarefas na vida comum;
    o casamento não se apresenta como fonte primária de procriação com
    liberdade na questão da filiação e as relações se firmam numa linearidade. A
    garantia da convivência familiar não é uma obrigação imposta somente à mulher
    e passa a ser compartilhada com o homem, quando da vida comum. Nesse
    sentido arremata BADINTER:
    “… de agora em diante, as mulheres obrigarão os homens a
    serem bons pais, a dividirem eqüitativamente não só os prazeres como
    também os encargos, as angustias e os sacrifícios da maternidade” (in:
    LEITE, 1994, p. 19).
    Esta família moderna, co-responsável pelo desenvolvimento da criança e
    do adolescente, é assim apontada pela nossa legislação.
    Constituição Federal –
    Art. 227 – “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à
    criança e ao adolescente, com absoluta prioridade o direito à vida, ……”
    Estatuto da Criança e do Adolescente –
    Art. 4º – É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do
    Poder Público assegurar, com absoluta prioridade a efetivação dos direitos
    referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer…..”
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    Ocorre que nem sempre a família acaba por desempenhar este papel,
    transferindo o encargo aos outros responsáveis, sociedade ou o Poder Público.
    Especificamente em relação à questão educacional, este problema é visível.
    As mudanças ocorridas na sociedade obrigaram a mãe, que geralmente
    desempenhava este papel educativo, a assumir outras atribuições como mão de
    obra indispensável para a garantia do sustento familiar. E como decorrência
    desta nova ordem “são cometidas à escola maiores responsabilidades
    educativas, nomeadamente no que diz respeito a um conjunto de valores
    básicos que, tradicionalmente, eram transmitidos na esfera familiar”
    (ESTEVES).
    Assim, se antes se ouvia dizer que a escola era nosso segundo lar, hoje,
    muitas vezes ela representa o primeiro lar, onde são transmitidos conceitos
    básicos de educação, valores e princípios, anteriormente transmitidos pelos
    pais. O professor torna-se, muitas vezes, o referencial familiar de muitas
    crianças. Não porque ele queira, mas porque as famílias não estão mais
    desempenhando seus papéis.
    Pensar no futuro das crianças e dos adolescentes é pensar no papel da
    família na atualidade. Toda e qualquer iniciativa que venha a contemplá-la,
    dando-lhe assistência, apoio e orientação, traduz numa forma de se buscar o
    desenvolvimento adequado das crianças e dos adolescentes.
  4. LAZER.
    O esporte e o lazer enquadram-se dentro desta perspectiva de um
    futuro melhor para criança e adolescente. A Constituição Federal (art. 227) e
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    a lei menorista (art. 4º) reconheceram expressamente esta situação,
    apontando como um direito fundamental da criança e do adolescente. E
    políticas públicas nesse sentido devem ser desenvolvidas para que se possa
    oferecer à população infanto-juvenil oportunidades de se desenvolverem neste
    aspecto.
    O mundo globalizado, o mundo do futuro, leva muitos incautos a se
    preocuparem com a formação intelectual e moral das crianças e dos
    adolescentes, contemplando-os com uma gama infindável de atividades para o
    seu “completo desenvolvimento”. Cada vez mais são atribuídas à população
    infanto-juvenil atividades que a levariam a um lugar de destaque diante da
    competitividade do mundo globalizado. Se antes era necessário apreender uma
    língua estrangeira, hoje, são necessários duas. Hoje é indispensável os
    conhecimentos de informática, cursos complementares, pós-graduação, etc.
    O mundo está nos levando a uma preocupação incessante com o futuro,
    que acabamos por ignorar o presente. E o presente deve contemplar, não
    somente as atividades intelectuais, mas também àquelas que levam ao
    desenvolvimento sadio e harmonioso da criança e do adolescente. Nesse
    sentido é que a legislação não ignorou a questão do esporte e do lazer. Elas
    fazem parte do desenvolvimento infanto-juvenil e se apresentam como um
    antídoto das questões oriundas da globalização.
    Nesse sentido, o futuro da criança e do adolescente deve contemplar,
    no presente, atividades voltadas ao esporte e ao lazer.
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  5. CONSIDERAÇÕES FINAIS.
    O desenvolvimento de uma criança ou adolescente encontra na família e
    na educação (incluindo esporte e lazer) o seu elemento básico e fundante.
    Garantir as famílias apoio, orientação, formação, promoção e sustentação,
    através de políticas sociais públicas e programas, apresenta-se indispensável,
    constituindo fator decisivo para a garantia dos direitos fundamentais da
    criança e do adolescente. Quanto a educação, uma mudança de concepção
    quanto ao papel da escola e uma adequada formação do professor vem
    contemplar este processo de desenvolvimento das crianças e dos adolescentes.
    Pois, não obstante a transformações ocorridas na sociedade, no campo
    social, econômico, cultural, ético e político, permanece o consenso em torno da
    família e da educação como espaços privilegiados para o desenvolvimento da
    criança e do adolescente. Trata-se da base necessária e insubstituível capaz
    de transformar crianças em cidadãos do mundo.
  6. BIBLIOGRAFIA.
    DI GIORGIO, Cristiano A. G. Por uma escola da consciência universal: A escola
    dinamizadora do seu retorno em tempos de globalização. Tese de Livredocência. Presidente Prudente: Faculdade de Ciências e Tecnologia. 2001.
    ESTEVES, José M. Mudanças sociais e função docente. In: NOVOA, Antonio
    (Org.). Profissão professor. 3. ed. Portugal: Porto Celina 1995. p. 93-124.
    LEITE, Eduardo de Oliveira. Temas de Direito de Família. São Paulo: Ed. RT,
    1994.
    GÓMEZ, Angel Pérez. O pensamento prático do professor: a formação do
    professor como profissional reflexivo. In: Os professores e a sua formação.
    Antonio Nóvoa (coord.). Lisboa: Publicações Don Quixote, 1997.