O direito a convivência familiar: Ações preventivas e remediativas

O direito a convivência familiar: Ações preventivas e remediativas

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O DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR:
AÇÕES PREVENTIVAS E REMEDIATIVAS
Luiz Antonio Miguel Ferreira1

  1. INTRODUÇÃO.
    Ao tratar do tema referente ao direito à convivência familiar, duas premissas se
    apresentam como elementares para a correta compreensão da questão:
    a) Que o “ser humano não sobrevive isolado do contexto social e familiar, tendo
    como característica básica à vivência em grupo” (CLEMENTE e SILVA. 2000,
    p. 115).
    b) Que a família apresenta-se como o local fundamental para o desenvolvimento
    sadio da criança ou do adolescente.
    Nas referidas premissas encontra-se, atualmente, a origem do direito à convivência
    familiar. Isto porque, a relação que se estabelece entre o ser humano que necessita viver
    em grupo e a família como lócus privilegiado para o desenvolvimento da criança e do
    adolescente, apresenta sua origem no nascimento. A ligação neste caso é física, orgânica,
    pois um cordão umbilical une a mãe ao filho. Mesmo com o rompimento deste cordão, a
    ligação permanece diante da existência de outros vínculos que se aperfeiçoam e
    desenvolvem, como os vínculos afetivo, psicológico e social. É, pois, na família que o ser
    humano encontra o seu primeiro grupo social.
    Decorre desta relação à importância da família e do direito da criança e do
    adolescente nela conviver e integrar para o seu completo desenvolvimento. Nesse sentido,
    os autores são unânimes.

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Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo. e-mail: lamfer@stetnet.com.br – Agosto
2003
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“É no seio da família que se reproduz uma ideologia, que se
transmitem às normas, os valores dominantes, que constituem o suporte das
relações sociais, numa dada sociedade”. E mais: “A família constitui, como
bem precisam os sociólogos, o primeiro lugar de aprendizagem dos valores
e dos papéis mais fundamentais como as noções de troca, de
companheirismo, de respeito mútuo, de ordem, o sistema de penalizações,
de responsabilidade, de disciplina, a relação homem-mulher e a relação
mãe e criança”. (LEITE, 1994, p. 79 e 80).
Na visão antropológica, o tema é assim explicado:
“A antropologia diz que o homem se reúne em família não só por
causa das necessidades instintivas, mas também por algo de ordem
simbólica, no sentido de estar no mundo, isto é, a necessidade de
comunicação. Portanto, o que faz o homem viver em família é sua natureza
social. É o movimento em direção ao outro que o faz associar-se
permanentemente”. (SARTI, 1999, p. 45).
Na Declaração Mundial sobre a sobrevivência, a proteção e o desenvolvimento da
criança nos anos 90, ficou expressamente consignado:
“A família é a principal responsável pela alimentação e pela
proteção da criança, da infância à adolescência. A iniciação das crianças
na cultura, nos valores e nas normas de uma sociedade começa na família.
Para um desenvolvimento completo e harmonioso de sua personalidade, a
criança deve crescer num ambiente familiar, numa atmosfera de felicidade,
amor e compreensão”. (KALOUSTIAN, 2002, p.7).
Diante das premissas apresentadas, que ressaltam a importância da família no
desenvolvimento das crianças e dos adolescentes, duas conseqüências se apresentam:
a) Que o Poder Público, as instituições, a sociedade e a comunidade em geral devem
respeitar e apoiar os esforços dos pais no desenvolvimento da criança num
ambiente familiar adequado. Centram-se estas ações em políticas sociais públicas e
programas (ou projetos) que visam garantir o direito à convivência familiar.
b) A lei, reconhecendo tal importância lhe garante normatividade.
Nesse sentido, estabelece a legislação:
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Constituição Federal:
Artigo 226 – A família, a base da sociedade, tem especial proteção
do Estado.
Estatuto da Criança e do Adolescente:
Artigo 19 – Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e
educado no seio da família e, excepcionalmente, em família substituta,
assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da
presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes.
No entanto, se hoje há esta unanimidade em torno da família e do direito à
convivência familiar, no passado, esta questão não se apresentava da mesma maneira. A
rejeição a criança e ao adolescente por parte da própria família era a regra e não encontrava
qualquer resistência por parte do Estado, da sociedade e das leis.

  1. DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E A REJEIÇÃO DA CRIANÇA E
    DO ADOLESCENTE.
    Na verdade, a criança foi tida como estranha até o século XVIII e era desprezada
    por seus próprios pais naturais que as tinham como estorvo. A ordem era se livrar das
    crianças sem qualquer sentimento de culpa. Esta situação somente foi desaparecendo com
    o surgimento da família burguesa, quando então as crianças são incorporadas no grupo e se
    desenvolve o amor materno. No entanto, o aparecimento da família burguesa mudou em
    parte este cenário, pois se antes dela todas as crianças, ricas ou pobres estavam sujeitas ao
    abandono, com o seu surgimento, passam a ser exposto o diferente, o pobre e o
    marginalizado.
    Numa retrospectiva histórica, é possível constatar este sentimento de abandono em
    relação à criança e a sua privação da convivência familiar. SANTOS (2002), relata que a
    idéia da infância data do século XVIII e que antes disso não havia a preocupação
    especifica com essa faixa etária. Infância, cuja etimologia significa in fans (ou o sem fala)
    era vista como um estágio monstruoso, quase animalesco, de seres não dotados de razão,
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    impotentes, frutos do pecado, estando sujeitos a morte, espancamentos e abandono, posto
    que as idéias de amor maternal e amor familiar inexistiam.
    Como exemplo desta situação, apresenta alguns pensamentos:
    a) Platão – século V a.C.
    Considera que: A criança é de todos os animais o mais intratável, o mais ardiloso, o
    mais hábil e o mais atrevido de todos os bichos.
    b) Aristóteles – século IV a.C.
    A criança é um ser imperfeito porque inacabado devendo ser submetido à
    autoridade do homem adulto até ficar pronto.
    c) Santo Agostinho – século IV
    Logo que nasce, a criança é símbolo da força do mal, um ser imperfeito esmagado
    pelo peso do pecado original (…) a infância é o mais forte testemunho de uma condenação
    lançada contra a totalidade dos homens, pois ela evidencia como a natureza humana
    corrompida se precipita para o mal…
    Santo Agostinho justificava de antemão todas as ameaças, as varas e palmatórias
    para educar um ser de natureza tão desajustada.
    d) Século XVI
    Os pedagogos recomendavam aos pais friezas no trato dos filhos, lembrando-se
    sempre de sua malignidade natural. Condenavam a doçura no trato das crianças.
    No aspecto da convivência familiar, SANTOS (2002) transcrevendo os
    ensinamentos de ELIZABETH BADINTER (“Um amor conquistado. O mito do amor
    materno”) relata a questão das amas de leite (as primeiras famílias substitutas – guardiãs
    de fato das crianças). Considera que desde o século XIII havia a prática da contratação de
    amas de lei para o cuidado dos bebês, que logo que nasciam eram entregues às essas
    profissionais, distanciando-as da casa dos pais. Relata que:
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    a) Os casais mais humildes recolhiam as crianças alheias para amamentá-las,
    abandonando suas próprias ou as nutrindo de maneira indevida.
    b) As crianças eram enviadas para amas de leite distantes da casa dos pais (quanto
    mais pobres, para mais longe iam). Muitas morriam ou voltavam mutiladas da
    casa das amas miseráveis que recolhiam muitas crianças para ganhar mais (já
    que recebiam por criança) e não cuidavam delas.
    c) As mortes das crianças eram aceitas sem sofrimento. Quando um pai sofria pela
    morte de um filho, esse sentimento era visto com curiosidade e precisava ser
    justificado.
    d) As mulheres não estavam dispostas a sacrificar seu lugar e posto na corte, ou
    simplesmente sua vida social e mundana, para criar os filhos. O primeiro ato de
    rejeição era a recusa do aleitamento materno.
    A ausência da convivência familiar era caracterizada da seguinte forma: 1) primeiro
    colocava-se a criança na casa de uma ama de leite; 2) após o retorno ao lar, com o seu
    desenvolvimento era encaminhada para um convento ou internato. O lapso de tempo em
    que convivia com a família era extremamente pequeno.
    Com o advento do século XVIII o cuidado com as crianças nas famílias passou a
    existir, dando origem a uma convivência familiar diferente da experimentada
    anteriormente. Segundo BADINTER (SANTOS, 2002) é no último terço do referido
    século que a imagem da mãe, de seu papel e de sua importância modifica-se radicalmente.
    O novo imperativo é a sobrevivência das crianças, com uma modificação da postura inicial
    das famílias que as abandonavam. Três fatores se apresentaram como decisivos para esta
    mudança de concepção: a) um discurso econômico (a importância da população para um
    país); b) um discurso médico (é saudável amamentar); c) um discurso filosófico (a família
    como sociedade natural, o cuidado com o filho, a felicidade familiar).
    Toda esta história de rejeição à criança, com evidente prejuízo à convivência
    familiar, acompanhou a própria evolução da família, sendo que foi a partir da família
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    nuclear burguesa, calcada na monogamia e no trabalho doméstico da mulher que a criança
    passou a ser reconhecida. Seguindo esta evolução, aparece a família patriarcal,
    caracterizada por uma hierarquia vertical, centrada no matrimônio.
    Hoje, experimenta-se um novo modelo familiar, ou seja, a família nuclear
    moderna, caracterizada pelo ingresso da mulher no mercado de trabalho; a igualdade de
    direitos entre os cônjuges com divisão de tarefas na vida comum; o casamento não se
    apresenta como fonte primária de procriação com liberdade na questão da filiação e as
    relações se firmam numa linearidade. A garantia da convivência familiar não é uma
    obrigação imposta somente à mulher e passa a ser compartilhada com o homem, quando da
    vida comum. Nesse sentido arremata BADINTER:
    “… de agora em diante, as mulheres obrigarão os homens a serem
    bons pais, a dividirem eqüitativamente não só os prazeres como também os
    encargos, as angustias e os sacrifícios da maternidade”
    (in: LEITE, 1994, p. 19).
    Desta forma, com a gradativa mudança na concepção de criança, contemplando-a
    como sujeitos de direitos e diante das transformações ocorridas na organização familiar,
    que culminou com a família moderna, é que se verificou uma preocupação com o direito a
    convivência familiar, como uma das formas de se alcançar o desenvolvimento sadio e
    harmonioso dos filhos.
  2. A NORMATIVIDADE DO DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR.
    Conforme foi evoluindo a concepção e o papel da família como lócus privilegiado
    para o desenvolvimento da criança, paralelamente foi se construindo toda uma
    normatividade que lhe dava garantia e respaldo.
    Como uma das primeiras referências à importância da família, apresenta-se a
    DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS – ONU – de 10 de
    dezembro de 1948, que estabeleceu:
    ARTIGO XVI – (1) Homens e mulheres de maior idade, sem qualquer
    restrição de raça, nacionalidade ou religião, têm o direito de contrair
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    matrimônio e constituir família. Gozam de iguais direitos em relação ao
    casamento, sua duração e sua dissolução.
    (2) O casamento não será válido senão com o livre e pleno
    consentimento dos pretendentes.
    (3) A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem
    direito à proteção da sociedade e do Estado.
    Na DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DA CRIANÇA, aprovada pelas Nações
    Unidas em 20 de novembro de 1959, ficou expressamente consignado no Princípio VI:
    “A criança necessita de amor e compreensão, para o
    desenvolvimento pleno e harmonioso de sua personalidade; sempre que
    possível, deverá crescer com o amparo e sob a responsabilidade de seus
    pais, mas, em qualquer caso, em um ambiente de afeto e segurança moral
    e material; salvo circunstâncias excepcionais, não se deverá separar a
    criança de tenra idade de sua mãe. A sociedade e as autoridades públicas
    terão a obrigação de cuidar especialmente do menor abandonado ou
    daqueles que careçam de meios adequados de subsistência. Convém que se
    concedam subsídios governamentais, ou de outra espécie, para a
    manutenção dos filhos de famílias numerosas”.
    Na CONVENÇÃO NAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE OS DIREITOS DA
    CRIANÇA, de 20 de novembro de 1989, a questão foi mais detalhada e específica, ficando
    consignado:
    Preâmbulo
    “Os Estados Partes declaram-se convencidos de que a família, como
    elemento básico da sociedade e meio natural para o crescimento e o bemestar de todos os seus membros, e em particular das crianças, deve receber
    proteção e assistência necessárias para poder assumir plenamente suas
    responsabilidades na comunidade”
    Preâmbulo
    “.. a criança, para o pleno e harmonioso desenvolvimento de sua
    personalidade, deve crescer no seio da família, em um ambiente de
    felicidade, amor e compreensão.
    Artigo 09.
    “Os Estados Partes velarão para que a criança não seja separada
    de seus pais contra a vontade desses, exceto quando, de acordo com decisão
    judicial, as autoridades competentes determinem, de acordo com a Lei os
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    procedimentos aplicáveis que tal separação é necessária ao interesse
    superior da criança”.
    Esta normatividade internacional influenciou diretamente a legislação pátria que
    reconheceu a importância da família (natural e substituta) e garantiu o direito a
    convivência familiar. É o que estabelece a Constituição Federal (art. 226) e o Estatuto da
    Criança e do Adolescente (art. 19). Estas legislações trataram de especificar o que
    entendem por família natural (a comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e seus
    descendentes – art. 226, § 4º da CF. e art. 25 do ECA) e família substituta (nas
    modalidades de guarda, tutela e adoção – art. 28 do ECA).
    Hoje, a legislação nacional é suficiente para garantir o direito à convivência
    familiar, sendo que a efetivação do mesmo se deve mais a uma questão política do que
    legislativa. Há necessidade de ações que busquem promover a família para a garantia do
    direito a convivência familiar.
  3. MEDIDAS PARA SE TORNAR EFETIVO O DIREITO À CONVIVÊNCIA
    FAMILIAR – ações preventivas e remediativas
    Nesse sentido, as ações que visam garantir o direito à convivência familiar devem
    ter três focos distintos:
    a) Em primeiro lugar e de forma privilegiada, devem ser desenvolvidas ações para
    a manutenção dos vínculos com a família natural;
    b) Num segundo plano, não menos importante, as ações devem direcionar-se para
    a colocação em família substituta.
    c) Por fim, os abrigos onde muitas crianças encontram-se aguardando a
    concretização do direito à convivência familiar (quer na família natural ou
    substituta).
    GOMES DA COSTA (1993, p. 45) aponta que a estratégia de atenção à família
    (natural ou substituta) deve ser apoiada nos seguintes eixos:
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     Promoção da família: que deve preservar a manutenção do vínculo familiar,
    para que nenhuma criança seja separada de seus pais por motivo de pobreza.
     Formação da vida familiar: busca formar os pais, transmitindo conhecimentos
    básicos como a importância do diálogo, qualidade de convivência entre as
    gerações, educação sexual, preparação dos jovens para o mundo do trabalho,
    gravidez precoce, uso de drogas, violência familiar, relações da família com a
    escola, impacto dos meios de comunicação sobre a família, entre outros temas.
     Orientação e proteção às famílias: neste caso, há necessidade de uma estrutura,
    de um serviço próprio e pode ir desde o fornecimento de informações acerca do
    acesso a serviços ou de mecanismos legais, até o aconselhamento para
    enfrentamento e solução de problemas humanos mais complexos vividos no
    interior da família, como, por exemplo, violência, drogadição, prostituição,
    delinqüência. Este trabalho requer pessoal especializado como assistentes
    sociais, psicólogos, advogados, educadores, etc.
    BECHER (2002, p. 74/75) arrola, de forma exemplificativa, algumas medidas
    concretas para a garantia do vínculo, com relação à família natural e substituta. Esclarece a
    autora:
    Apoio ao vínculo familiar:
     Promover programas de assistência social especialmente destinados a
    complementar a renda das famílias empobrecidas, para que possam criar e
    educar seus filhos.
     Disseminar a criação de equipamentos sociais e educacionais para o cuidado
    das crianças durante o período de trabalho de seus pais (creches, centros de
    convivência, etc.).
     Organizar programas de assistência e orientação psicossocial a famílias em
    situação de crise e àquelas mais vulneráveis, como as uniparentais;
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     Estimular as entidades e as agências de cooperação internacional, no campo
    da proteção à infância, a operar preferencialmente com programas que
    preservem os vínculos familiares e culturais da população atingida.
    Colocação em família substituta:
     Dar preferência, nos casos de crianças necessariamente afastadas de seus
    pais biológicos, a soluções dentro da família extensa (avós, tios, etc.) ou da
    comunidade onde ela vive;
     Nos casos em que a adoção for à medida mais adequada, privilegiar os
    candidatos nacionais;
     Criar preferencialmente junto aos juizados da infância e da juventude,
    serviços especializados que procedam à seleção de famílias adotivas, com
    critérios que contemplem as condições afetivas e a motivação para o
    exercício da maternidade e paternidade, e o acompanhamento e orientação
    do processo de integração da criança à nova família;
     Evitar todas as formas de “adoção independente”, em que os futuros pais
    adotivos tomam a si o encargo de “selecionar” crianças a serem adotadas;
     Nos casos excepcionalíssimos em que uma adoção internacional for
    considerada a única forma de proteger o direito da criança ou adolescente à
    convivência familiar, vedar, de todos os modos, a adoção independente;
    respeitar o que estabelece a legislação quanto à habilitação e o processo
    judicial de adoção.
    Abrigos
    Quanto aos abrigos, as medidas a devem se direcionar:
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     No aspecto judicial: acelerar o andamento dos procedimentos instaurados
    em relação à criança ou ao adolescente, com o objetivo de possibilitar
    julgamento e posterior encaminhamento à família (natural ou substituta).
     No aspecto familiar: desenvolver ações junto às famílias naturais ou
    substitutas para definição da situação da criança ou do adolescente.
    Na verdade, todas estas ações estão contempladas no Estatuto da Criança e do
    Adolescente como medidas de proteção ou medidas aplicáveis aos pais, necessitando
    apenas a sua efetiva implantação. E nesse particular, o Poder Judiciário, o Ministério
    Público, os Conselhos Municipais de Direitos e o Tutelar assumem relevância especial
    posto que responsáveis, junto com o Poder Executivo, da efetivação de políticas públicas e
    programas que venham contemplar a garantia do direito à convivência familiar.
    Ações judiciais de natureza social que contemplam o direito à convivência familiar
    passaram a integrar a rotina dos julgamentos de nossos Tribunais, com a “análise de
    questões que nunca haviam sido enfrentadas”. Esta nova sistemática foi denominada por
    Fábio Konder Comparado como a “judicialização das políticas públicas que leva os
    membros do Judiciário a não só dizer o direito tido como justo, mas também a preencher
    determinados conceitos a partir da interpretação constitucional” (FRISCHEISEN, 2000, p.
    18).
    Contempla-se, com estas ações, uma evolução do direito à convivência familiar,
    pois se antes o mesmo era garantido por meio de uma rede de solidariedade (comunitária
    ou religiosa) agora a questão diz respeito à própria cidadania da criança, o que implica em:
    a) Capacitação, competência técnica e compromisso ético das pessoas que
    lidam com esta questão. Não se pode mais contar apenas com a boa
    vontade ou solidariedade para enfrentar os problemas oriundos da relação
    pais e filhos;
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    b) Atendimento à criança e ao adolescente como um direito fundamental e
    não como uma ação assistencialista ou paternalista, caracterizada pela
    submissão, de quem se vê recebendo um favor.
    Com esta visão de direito à convivência familiar ligada à própria cidadania da
    criança e do adolescente, torna-se mais fácil compreender o espírito da lei quanto ao tema.
  4. FORMAS DE SE GARANTIR O DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR.
    Várias são as formas de se garantir o direito à convivência familiar, sendo que os
    projetos e programas recebem designações das mais diversas como: apadrinhamento
    afetivo, grupos de apoio, famílias de apoio, família solidária, pastorais, grupos de autoajuda, etc.
    Estes programas e projetos são desenvolvidos pelo Poder Público, Judiciário,
    (através dos técnicos), Ministério Público, abrigos, ONGS, Agências internacionais e a
    comunidade em geral e tem como principal objetivo garantir o desenvolvimento sadio e
    harmonioso da criança, inicialmente no próprio lar e de forma alternativa, no lar substituto,
    sob a modalidade de guarda, tutela e adoção.
    Como exemplo prático destes projetos, são apresentados dois que contemplam
    ações preventivas e remediativas, com intervenção junto à criança, o adolescente e a
    família.
    a) ASSESSORAMENTO JURÍDICO JUNTO AOS ABRIGOS: tem por objetivo
    agilizar os procedimentos em trâmite junto à Vara da Infância e da Juventude,
    com o objetivo de solucionar de forma mais rápida e eficaz a situação da
    criança ou do adolescente, com vista ao retorno à família natural ou colocação
    em família substituta. Em Santos (SP) este trabalho é realizado pela
    “Associação Comunidade Mãos Dadas” através de convênio com a Faculdade
    de Direito e os Abrigos. Em Pres. Prudente (SP) este trabalho está sendo
    desenvolvido pelos estagiários do Ministério Público.
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    b) GRUPOS DE APOIO ÀS PESSOAS QUE JÁ ADOTARAM: trata-se de um
    acompanhamento realizado após a adoção, para superar as dificuldades dos
    “pais que não tiveram a oportunidade de gestar o filho por nove meses” e
    integrar a criança à família de forma absoluta. Esta intervenção tem a finalidade
    de evitar que ocorram adoções, que de alguma maneira poderiam estar fadadas
    ao insucesso, com evidente violação ao direito à convivência familiar.
    A intervenção prévia da equipe técnica, não representa a garantia de
    uma adoção com sucesso. Não raras vezes, os encaminhamentos preliminares
    da adoção não surtem os efeitos desejados, aparecendo problemas posteriores
    decorrentes na nova relação estabelecida. Por outro lado, muitas situações
    podem ser camufladas durante o processo de adoção, uma vez que, até a sua
    finalização “os pais adotivos sentem que eles e a criança estão sendo avaliados,
    sentem-se inseguros quanto aos resultados desta avaliação, o que por sua vez
    dificulta à condução do estado de intimidade” (MOTTA, 2000, p. 125) e das
    relações a serem estabelecidas pela nova família. Questões anteriormente
    tratadas, como a revelação e preconceito, passam a fazer parte do cotidiano
    desta nova família, necessitando os pais adotivos de auxílio direto “para
    detectar e solucionar as ameaças que imaginam envolvidas na adoção com
    medo de não conseguir competir com a memória real ou fantasiada dos pais
    naturais, sentimentos de incapacidade para exercer a função de pais,
    etc.”(MOTTA, 2000, p. 127).
    O certo é que, uma vez deferida a adoção, a mesma é irrevogável, com a
    elaboração de nova certidão de nascimento que possibilita até a alteração do
    nome do menor. Porém, esta nova situação jurídica da criança ou do
    adolescente adotado não altera a situação pessoal e emocional pela qual passou.
    Assim, se juridicamente é possível estabelecer uma nova família, apagando-se
    inclusive os registros anteriores, emocionalmente o problema é mais delicado.
    Deflui-se desta situação, que o acompanhamento posterior à concretização da
    adoção, é extremamente útil, para que o ciclo adotivo se complete
    satisfatoriamente, com a efetiva garantia do direito à convivência familiar.
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    Como ponto de reflexão sobre o tema, merece uma análise final a questão das
    CRECHES.
    A Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei de
    Diretrizes e Bases da Educação Nacional trataram da creche como a primeira etapa da
    educação infantil, destinadas as crianças de até três anos de idade. O objetivo do legislador
    foi dar inequívoco caráter educacional a este sistema, apontando-o como um direito da
    criança, procurando afastar a vinculação tradicionalmente feita com a assistência social.
    No entanto, não obstante esta legislação, a realidade ainda contempla creche com
    este caráter assistencial, sendo que famílias ainda as vêem como alternativa para criação e
    educação de seus filhos.
    CAMPOS, ROSEMBERG e FERREIRA (1995, p. 106) afirmam que as creches
    devem desempenhar duas funções essenciais:
     Educacional – no sentido amplo, que responde às necessidades do
    desenvolvimento infantil nos primeiros anos de vida;
     Guarda – complementando os cuidados com a criança fornecidos pela família,
    atendendo às necessidades dos pais que trabalham foram de casa, entre outras.
    Acrescentam ainda, uma função assistencial em relação àquelas faixas mais
    empobrecidas da população, para as quais a creche e a pré-escola podem estar
    desempenhando também um papel de “salário indireto”, fornecendo alimentação e
    cuidados de saúde essenciais à criança.
    Na função assistencial que a questão do direito à convivência familiar merece
    reflexão. Isto porque, muitas famílias estão se privando da convivência dos filhos para
    colocá-los nas creches como forma de sobrevivência. Não se questiona que a creche é um
    direito da criança (e não dos pais) e que o Poder Público deve oferecê-la a todos
    necessitam. Porém, ciente da dificuldade do Poder Público em atender toda a demanda e
    que o direito a convivência familiar deve ser colocada como prioridade, ações devem ser
    15
    desenvolvidas para que as creches não assumam apenas o caráter assistencial, como forma
    alternativa de se criar e educar o filho, privando-os da convivência da família.
  5. CONSIDERAÇÕES FINAIS.
    O bem estar de uma criança ou adolescente encontra na convivência familiar seu
    elemento básico e fundante. Garantir à família (natural ou substituta) apoio, orientação,
    formação, promoção e sustentação, através de políticas sociais públicas e programas,
    apresenta-se indispensável, constituindo fator decisivo para a garantia dos direitos
    fundamentais da criança e do adolescente.
    Pois, não obstante a transformações ocorridas na sociedade, no campo social,
    econômico, cultural, ético e político, permanece o consenso em torno da família como
    espaço privilegiado para o desenvolvimento da criança e do adolescente. Ela é à base de
    tudo e uma das formas de se transformar criança em filhos, cidadãos do mundo.
    “En síntesis, la familia es la instancia social donde se encuentran el
    pasado, el presente y el futuro, y donde se juega el bienestar de las
    personas y de la sociedad total” (Mickle, M.M.)
    16
  6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
    BECHER, Maria Josefina. A ruptura dos vínculos: quando a tragédia acontece. IN. Família
    brasileira: a base de tudo. Sílvio Manoug Kaloustian (organizador). 5ª edição. São Paulo:
    Cortez, 2002.
    CAMPOS, Maria Malta, ROSEMBERG, Fúlvia e FERREIRA, Isabel M. Creches e préescolas no Brasil. 2ª edição. São Paulo: Cortez Editora; Fundação Carlos Chagas, 1995.
    CLEMENTE, Maria Luzia e SILVA, Vilma Regina. A guarda de filhos como suporte para
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    Paulo: Editora Jurídica Brasileira, 2000 (Cadernos de estudos n.º 03). Vários autores.
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