OBRIGATORIEDADE DA EDUCAÇÃO DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES: UMA QUESTÃO DE OFERTA OU DE EFETIVO ATENDIMENTO

OBRIGATORIEDADE DA EDUCAÇÃO DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES: UMA QUESTÃO DE OFERTA OU DE EFETIVO ATENDIMENTO

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OBRIGATORIEDADE DA EDUCAÇÃO DAS CRIANÇAS E
ADOLESCENTES: UMA QUESTÃO DE OFERTA OU DE EFETIVO
ATENDIMENTO.
Carlos Roberto Jamil Cury1
Luiz Antonio Miguel Ferreira2

  1. Introdução. 2. Conceitos preliminares. 3. A questão legal
    da obrigatoriedade da educação. 4. A ampliação da
    obrigatoriedade da educação na Constituição de 1988. 5.
    Reflexos da obrigatoriedade: a questão da responsabilidade.
  2. Obrigatoriedade da educação a crianças e adolescentes
    de 4 a 17 anos: uma questão de oferta ou de efetivo
    atendimento. 7. Considerações finais. 8. Referência
    bibliográfica.
    Resumo: O presente texto visa analisar a questão da
    obrigatoriedade da educação às crianças e adolescentes com
    idade de 4 a 17 anos. Busca analisar a questão de quem é a
    responsabilidade por essa obrigatoriedade: de oferta, pelo
    poder público, ou de obrigação de frequência, sobretudo de
    adolescentes no ensino médio. Apresenta algumas
    considerações a respeito do que fazer em caso de
    infrequência, quem será responsabilizado e se é o caso de
    responsabilização. Por fim, aborda especificamente alguns
    temas relacionados a esta obrigatoriedade educacional.
  3. INTRODUÇÃO.
    A obrigatoriedade do ensino sempre foi um tema que demandou
    grandes estudos e controvérsias, pois a necessidade social e econômica impõe à população um mínimo de conhecimento obrigatório ao mesmo tempo em que se impõem limites à liberdade individual. Por outro lado, a educação passou a ser reconhecida como um direito fundamental

1
Professor Titular da UFMG (aposentado); Professor Adjunto da PUC Minas.
2
Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo. Coordenador da Área de Educação do
Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça Cível e de Tutela Coletiva. Mestre em educação
pela UNESP. Abri/2010.
2
(direito humano) advindo da positivação deste direito, com implicação
na questão da obrigatoriedade do ensino. O acesso ao ensino, até como
antídoto à ignorância, torna-se uma exigência para cuja efetivação os
dispositivos legais positivados são um instrumento para assegurar sua
oferta. Evidentemente, o acesso a etapas de ensino é condição de
possibilidade para a exigência da qualidade do serviço. Decorre desta
situação que, já no século XVIII, aparece a idéia do ensino como um
direito de todos os cidadãos e um dever do Estado. (Marshall, 1967).
Nesse sentido, esclarece Bobbio (1992):
Não existe atualmente nenhuma carta de direitos, para
darmos um exemplo convincente, que não reconheça o direito à
instrução – crescente, de resto, de sociedade para sociedade –
primeiro elementar, depois secundária e pouco a pouco até
mesmo universitária. Não me consta que, nas mais conhecidas
descrições do estado de natureza, esse direito fosse mencionado
(pág. 75).
A positivação do direito à educação foi assumindo o caráter de
universalidade, sendo que era organizada para atender uma
determinada parcela da comunidade, passando a ser reconhecida como
um direito de todos. Esta situação implicou na discussão da
obrigatoriedade do ensino, tanto no campo do direito como no
educacional. Em outros termos, a obrigatoriedade vem sendo discutida
no aspecto pedagógico como na garantia do direito à educação, pois é
um problema que afeta os educadores e os juristas, não se limitando a
um campo específico.
No Brasil, esta obrigatoriedade do ensino tem aumentado,
passando da obrigatoriedade do ensino primário, em 1934, elevando o
número de anos e determinando faixas etárias. Mudanças legais
3
determinaram a elevação do ensino fundamental para quase toda a
educação básica, implicando em iniciativas públicas e ações
pedagógicas, com apoio legal para a sua efetiva implementação.
Decorre desta sistemática a necessidade de se analisar a
responsabilidade pela oferta do ensino obrigatório e, por outro lado, a
responsabilidade do aluno e pais quanto à infrequência.
O presente estudo apresenta-se como um instrumento de reflexão
deste tema, e analisará, num primeiro momento, a questão legal da
obrigatoriedade da educação no sistema legal brasileiro, tendo como
referencial a Constituição de 1988. A partir daí, suas implicações, quer
no aspecto legal como no pedagógico.

  1. CONCEITOS PRELIMINARES.
    Antes de adentrar no aspecto legal, faz-se mister clarear alguns
    conceitos elementares para a melhor compreensão do tema. Desta
    forma, aponta-se:
    a) Educação Básica: De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da
    Educação Nacional – Lei n. 9394, de 20 de dezembro de 1996 –
    Art. 21, a educação básica é aquela formada pela Educação
    Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio.
    b) Educação Infantil: Nos termos do Artigo 30 da LDB, a educação
    infantil será oferecida em creches para crianças de até três anos
    de idade e em pré-escola as crianças de quatro e cinco anos de
    idade3
    .

3 A alteração da idade está prevista na Emenda Constitucional n. 53 de 2006 que alterou a redação do artigo
208, IV da Constituição Federal.
4
c) Ensino Fundamental: De acordo com o Artigo 32 da LDB terá
duração de 09 anos, iniciando às crianças de seis.
d) Ensino Médio: Constitui-se na etapa final da educação básica e
tem a duração de 3 anos, conforme estabelece o artigo 35 da
LDB.
e) Direito público subjetivo: é aquele pelo qual o titular de um
direito pode exigir direta e imediatamente do Estado, o
cumprimento de um dever e de uma obrigação (CURY, 2002, p.
21).
f) Gratuidade: princípio do ensino em estabelecimentos oficiais em
todos os seus níveis. A oferta gratuita do ensino fundamental
deve ser também assegurada para todos os que a ela não tiveram
acesso na idade própria (HORTA, 1998, p. 29).
g) Direito e obrigação escolar: Ainda como questão preliminar,
vale registrar a relação que se estabelece entre o direito à
educação e a obrigatoriedade escolar, ou seja, a educação
representa um direito e ao mesmo tempo uma obrigação:
direito/dever. Nesse sentido, vale destacar os ensinamentos de
HORTA (1998, p. 10): Como salienta Huberman (s.d.),
diferentemente dos outros direitos sociais, o direito à educação
está estreitamente vinculado à obrigatoriedade escolar. A
educação considerada como um direito humano fundamental
difere dos outros serviços que as sociedades tradicionalmente
oferecem a seus membros. O direito à educação não se reveste
exatamente da mesma dimensão que, por exemplo, o direito à
assistência médica gratuita, à alimentação mínima, à habitação
decente ou ao socorro em caso de catástrofe natural Estes são
5
serviços que a sociedade proporciona àqueles que os solicitam.
Em geral, os cidadãos podem escolher entre utilizá-los ou
prescindir deles e inclusive, adaptá-los, via de regra, a seus
interesses individuais. A educação, ao contrário, é, via de regra,
obrigatória, e as crianças não se encontram em condições de
negociar as formas segundo as quais a receberão.
Paradoxalmente, encontramo-nos assim diante de um direito que
é, ao mesmo tempo, uma obrigação. O direito a ser dispensado
da educação, se esta fosse a preferência de uma criança ou de
seus pais, não existe. Assim, ao direito de educar por parte do
Estado corresponde a obrigatoriedade escolar para determinada
camada da população infanto-juvenil.
h) Universalização: ato ou efeito de tornar-se comum, universal,
geral. Corresponde à meta da educação para todos.
i) Normas programáticas: são aquelas em que o legislador,
constituinte ou não, em vez de editar regra jurídica de aplicação
concreta, apenas traça linhas diretoras, pelas quais se hão de
orientar os poderes públicos. A legislação, a execução e a própria
justiça ficam sujeitas a esses ditames, que são programas dados
à sua função. (PONTES DE MIRANDA, 1969, p. 126-127). Ex. A
educação é direito de todos.

  1. A QUESTÃO LEGAL DA OBRIGATORIEDADE DA EDUCAÇÃO.
    Este tema, como já afirmado, foi objeto de vários debates ao
    longo dos anos. A legislação vem sedimentando a obrigatoriedade da
    educação como uma correlação entre o direito à educação e um lento e
    gradativo aumento das séries obrigatórias. No entanto, direito à
    educação e obrigatoriedade escolar, embora não tenham surgido de
    6
    forma concomitante no processo histórico, estão historicamente
    relacionados (Horta, 1998, p. 10). Mas há de se fazer uma ressalva,
    pois durante muito tempo, o direito à educação gerou a obrigatoriedade
    escolar ao cidadão e não ao poder público de fornecer educação a
    todos. Esta situação pode ser constatada tanto na esfera internacional
    como na nacional.
    3a. Legislação internacional.
    Vários documentos internacionais trataram da questão4
    ,
    merecendo destaque a DECLARAÇÃO UNIVERSAL DE DIREITOS
    HUMANOS, de 1948, que no Artigo 26, estabelece o direito de todos à
    educação e a sua consequente obrigatoriedade, prevendo
    expressamente:
    Artigo XXVI
  2. Toda pessoa tem direito à instrução. A instrução
    será gratuita, pelo menos nos graus elementares e
    fundamentais. A instrução elementar será
    obrigatória. A instrução técnico-profissional será
    acessível a todos, bem como a instrução superior, esta
    baseada no mérito.
  3. A instrução será orientada no sentido do pleno
    desenvolvimento da personalidade humana e do
    fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas
    liberdades fundamentais. A instrução promoverá a
    compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as
    nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as
    atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da
    paz.
  4. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de
    instrução que será ministrada a seus filhos.

4 Um marco importante do direito à educação para todos é a Revolução Francesa que “traz consigo toda uma
discussão sobre o aparato jurídico de igualdade e consequente preocupação com o direito de todos à educação
escolar” (Flach, 2009, p. 498).
7
Outro documento significativo que traz à tona a questão da
educação como direito e a necessidade de uma instrução básica foi a
Declaração Mundial sobre Educação para Todos, de Jomtien, Tailândia,
de 1990, que estabeleceu:
ARTIGO 3 – UNIVERZALIZAR O ACESSO À EDUCAÇÃO E
PROMOVER A EQUIDADE.

  1. A educação básica deve ser proporcionada a todas as
    crianças, jovens e adultos. Para tanto, é necessário universalizála e melhorar sua qualidade, bem como tomar medidas efetivas
    para reduzir as desigualdades.
  2. Para que a educação básica se torne equitativa, é
    mister oferecer a todas as crianças, jovens e adultos, a
    oportunidade de alcançar e manter um padrão mínimo de
    qualidade da aprendizagem.
    Estes documentos, entre outros5
    , que serviram de suporte para
    toda a legislação nacional, revelam os esforços levados adiante no
    sentido da universalização do ensino fundamental para todos e para
    todos os países (Flach, 2009, p. 499). No entanto, vale lembrar que a
    declaração desse direito não equivale a uma efetiva implementação por
    parte dos estados signatários. Isto ocorreu de forma lenta e gradual,
    conforme pode ser observado no aspecto nacional.
    3b. Constituições Federais.
    Flach (2009,p. 502) aponta para uma questão inicial que é
    significativa para o desenvolvimento do direito à educação e
    obrigatoriedade do ensino nas constituições federais. Afirma que a
    organização social brasileira não favoreceu o desenvolvimento de
    pensamento que centrasse a educação como direito da totalidade da

5 Não são poucos os documentos de caráter internacional assinados por países da Organização das Nações
Unidas, que reconhecem e garantem esse acesso a seus cidadãos. Tal é o caso do Art. XXVI da Declaração
dos Direitos do Homem, de 1948. Do mesmo assunto, ocupam-se a convenção relativa à luta contra a
Discriminação no Campo do Ensino, de 1960, e o art. 13 do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais de 1966. (Cury, 2002a, 246).
8
população. Aliás, em determinadas épocas, não era nem vista como
necessária.
Na Constituição do Imperial de 1824 há referência à instrução
pública como um direito dos considerados cidadãos, excluindo do acesso
ao ensino oficial os escravos. E nela não se colocava a questão da
obrigatoriedade escolar. As atividades econômicas da época associadas
ao domínio próprio do estatuto da escravatura dispensavam a
necessidade de uma sociedade instruída. Por outro lado, a participação
da Igreja Católica no processo educativo do povo era muito marcante
(Ferreira, 2008, p. 22) no sentido de catequizar as populações pela
palavra. Mas, durante o Império, houve quem se tornasse defensor da
obrigatoriedade escolar, sendo que Rui Barbosa defendia que não há
possibilidade de instrução popular sem a sanção da coercitividade legal
(Horta, 1998, p. 14).
Não obstante a existência de defensores da gratuidade, e mesmo
da obrigatoriedade da instrução pública, na Constituição de 1891,
elas não foram estabelecidas, sendo que o sistema de ensino primário
ficou sob a responsabilidade dos Estados e nesse sentido, tais questões
ficaram sob a jurisdição desses entes federados. Desse modo, o
tratamento dispensado à educação, de um maneira geral, foi limitado.
Quanto aos Estados, somente São Paulo, Santa Catarina, Mato Grosso e
Minas Gerais apontaram nas suas constituições estaduais a
obrigatoriedade do ensino primário (Horta, 1998, p. 15-16). Nesta
época, segundo esclarece Flach (2009, p. 504) o índice de
analfabetismo brasileiro foi extremamente alto, chegando a 74,59% em
1900.
Conforme Ferreira (2008. p. 24) inspirada nos princípios da
social-democracia e nas constituições mexicanas de 1917 e de Weimar
9
de 1919, a Constituição de 1934 teve como característica principal a
positivação dos direitos sociais. Contemplou um pensamento
educacional mais completo e coerente, pois teve também como
referência o Manifesto dos Pioneiros de 1932. Especificamente em
relação à obrigatoriedade escolar, o Manifesto foi claro em defendê-la
afirmando que, por falta de escolas, ainda não passou do papel, nem
em relação ao ensino primário, e se deve estender progressivamente
até uma idade conciliável com o trabalho produtor, isto é, até aos 18
anos, é mais necessária ainda na sociedade moderna em que o
industrialismo e o desejo de exploração humana sacrificam e violentam
a criança e o jovem, cuja educação é frequentemente impedida (p. 48-
49).
Assim, a educação ganha capítulo próprio na referida constituição
que prevê expressamente a necessidade de um plano nacional de
educação que contemple, entre outros direitos, o ensino primário
integral gratuito e de frequência obrigatória, extensivo aos adultos (Art.
150, parágrafo único “a”). Apesar deste avanço, esclarece Horta (1998,
p. 18), não há, porém, a incorporação do direito à educação como
direito público subjetivo… nem a previsão de responsabilização criminal
das autoridades responsáveis pelo não atendimento.
Ademais, tal avanço pouco significou, posto que essa Constituição
teve vida efêmera em razão da situação político social do pais. Com a
promulgação da Constituição Federal de 1937 – do estado novo –
ocorre uma restrição aos deveres do Estado na manutenção do ensino,
eliminando muitas das conquistas ocorridas anteriormente (Flach, 2009,
p. 505). Nesse sentido, o novo texto constitucional aponta a
responsabilidade dos pais quanto ao dever da educação, como primeiro
dever e um direito natural, assumindo o Estado um papel supletivo e
subsidiário. Assim, afirma Horta (1998, p, 20) o conceito de
10
obrigatoriedade escolar, tal como se apresentava na legislação, não
implicava dever do Estado perante o indivíduo, mas somente dever do
individuo perante o Estado.
Contudo, o Código Penal estabelecido pelo Decreto-Lei nº. 2.848
de 1940 estabelece, em seu artigo 246, o crime de abandono
intelectual, o qual se dá quando pais ou responsáveis deixam, sem justa
causa, de prover a instrução primária de filho em idade escolar. Por
esse dispositivo, também compete à família enviar os filhos à
escolaridade obrigatória.
A promulgação da Constituição Federal de 1946 proporcionou
um novo alento à educação, posto que na sua essência, não se
diferencia da Constituição de 1934, repondo e assimilando os avanços
por ela introduzidos, inclusive no que diz respeito à adoção do princípio
do ensino primário obrigatório (art. 168, I).
Nas Constituições de 1967 e 1969 (Emenda Constitucional nº.
1 de 17 de outubro de 1969) ficou estabelecido expressamente que o
ensino primário é obrigatório a todos, dos sete aos quatorze anos e
gratuito nos estabelecimentos oficiais (1967 – art. 168, § 3º, II, e 1969
– art. 176, § 3º, II). Aparece pela primeira vez, nos textos
constitucionais, a relação da obrigatoriedade com a idade do aluno e
não a série ou ensino obrigatório. Mas, ainda assim, não se garante a
educação como um direito público subjetivo e em face da ausência de
recursos materiais e humanos esta obrigatoriedade não atinge seu
objetivo, inclusive pela supressão dos percentuais de impostos
vinculados que só reaparecem na Emenda de 1969 para os Municípios.
Verifica-se, pela análise das Constituições Brasileiras, que em
relação ao tema educação ocorreram avanços e retrocessos,
11
dependendo do período histórico em que ela foi concebida. No entanto,
não se vislumbrava a educação como um direito público subjetivo.
Assim, como esclarece Kozen (1999, p. 09):
Até a vigência da atual Constituição, a educação no Brasil era
havida genericamente como uma necessidade e um importante
fator de mudança social, subordinada, entretanto, e em muito, às
injunções e aos acontecimentos políticos, econômicos, históricos
e culturais.
A educação, ainda que afirmada como direito de todos, não
possuía, sob o enfoque jurídico e em qualquer de seus aspectos,
excetuada a obrigatoriedade da matrícula, qualquer instrumento
de exigibilidade, fenômeno de afirmação de determinado valor
como direito suscetível de gerar efeitos práticos e concretos no
contexto pessoal dos destinatários da norma. A oferta de ensino
e a qualidade dessa oferta situava-se, em síntese, no campo da
discricionariedade do administrador público, ladeada por critérios
de conveniência e de oportunidade.
3c. Constituição de 1988.
A referida Constituição representou um avanço significativo em
matéria educacional estabelecendo, desde logo, a educação como um
direito social “fundante da cidadania e o primeiro na ordem das
citações”, ou seja, sem educação, não há como contemplar uma
cidadania ativa e participativa. A partir daí, estabelece o capítulo
próprio da educação onde retoma a questão da obrigatoriedade do
ensino e a coloca como direito público subjetivo, redundando, no dizer
de Flach (2009, p. 511) na seguinte lógica: o sujeito desde direito é o
individuo e o sujeito do dever é o Estado, sob cuja competência estiver
esta etapa da escolaridade.
A Constituição de 1988 foi ampla sendo que o texto final foi
minucioso, estabelecendo não só princípios gerais, como também
12
especificando algumas situações dignas de serem reguladas por lei
ordinária (Ferreira, 2008, p. 32).
Nesse sentido pode-se afirmar que:
Após contemplá-la como direito social, o legislador
constituinte enfatizou seu conteúdo no título da ordem social,
mais especificamente no capítulo da educação, cultura e
desporto. Estabeleceu como princípios da educação a igualdade
de condições para o acesso e permanência na escola; a liberdade
de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte
e o saber; o pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e
coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; a
gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; a
valorização dos profissionais do ensino, garantidos, na forma da
lei, planos de carreira para o magistério público, com piso salarial
profissional e ingresso, exclusivamente, por concurso público de
provas e títulos; a gestão democrática do ensino público na
forma da lei e a garantia de padrão de qualidade. (Ferreira,
2008, p. 33).
Além destas questões ainda tratou da autonomia das
universidades (art. 207), da obrigação do Estado para com a educação
(art. 208), da organização do sistema de ensino (art. 209), da aplicação
de recursos (art. 212) entre outros temas. Enfim, o que se constata da
atual Constituição é que ela buscou garantir algo que Pontes de Miranda
(apud Cury, 1998, p. 97) já postulava de longa data: uma escola para
todos e ao alcance de todos.
E, em uma feliz síntese, esclarece Flach que:
Embora a Constituição Brasileira possa estar eivada de
contradições, se suas prescrições forem vivenciadas
concretamente pela totalidade da sociedade, poderão ser
13
desenvolvidos indicativos que contribuam para uma superação da
realidade excludente, na qual a maioria da população se encontra
(2009, p. 513).
Em face dos princípios adotados e do comando geral da
Constituição de 1988, toda a legislação infraconstitucional editada
posteriormente, em especial a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional e o Estatuto da Criança e do Adolescente referendaram a
forma como o direito à educação foi tratado, esmiuçando, de forma
específica a questão da obrigatoriedade do ensino.

  1. A AMPLIAÇÃO DA OBRIGATORIEDADE DA EDUCAÇÃO NA
    CONSTITUIÇÃO DE 1988.
    Como afirma Horta (1998, p. 25) a Constituição de 1988 fecha o
    círculo com relação ao direito à educação e à obrigatoriedade escolar na
    legislação educacional brasileira, recuperando o conceito de educação
    como direito público subjetivo, abandonado desde a década de 30.
    No entanto, de 1988 até a presente data, esta questão da
    obrigatoriedade da educação sofreu algumas alterações constitucionais
    que merecem a devida análise. Originalmente, o texto constitucional foi
    assim redigido:
    Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado
    mediante a garantia de:
    I – ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para
    os que a ele não tiveram acesso na idade própria;
    II – progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao
    ensino médio.
    14
    Posteriormente, referido artigo foi alterado pela Emenda
    Constitucional nº. 14, de 12 de setembro de 1996, sendo que a redação
    ficou desta forma:
    Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado
    mediante a garantia de:
    I – ensino fundamental obrigatório e gratuito, assegurada,
    inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiveram
    acesso na idade própria;
    II – progressiva universalização do ensino médio gratuito;
    A Emenda Constitucional nº. 59, de 11 de novembro de 2009
    torna a alterar o citado artigo estabelecendo:
    Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado
    mediante a garantia de:
    I – educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos
    17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta
    gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade
    própria;
    ………………………………………………………………….
    VII – atendimento ao educando, em todas as etapas da
    educação básica, por meio de programas suplementares de
    material didático escolar, transporte, alimentação e assistência à
    saúde.
    Estabeleceu ainda a citada Emenda Constitucional nº. 59 que:
    Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os
    Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas
    de ensino.
    …..
    § 4º Na organização de seus sistemas de ensino, a União,
    os Estados, o Distrito Federal e os Municípios definirão formas de
    15
    colaboração, de modo a assegurar a universalização do ensino
    obrigatório.
    De uma análise superficial, verificam-se as seguintes questões
    relacionadas ao ensino fundamental, envolvendo esta dinâmica
    legislativa:
    a) Inicialmente, o ensino fundamental, tal como posto na CF/88 era
    obrigatório, inclusive para aqueles que não tiveram acesso na
    idade própria.
    b) Em seguida, com a emenda 14, o ensino fundamental continuou
    a ser obrigatório, mas para aqueles que não tiveram acesso na
    idade própria era necessária apenas a sua oferta, ou seja,
    desaparece a obrigatoriedade do ensino fundamental para
    aqueles que não tiveram acesso na idade própria.
    c) Finalmente o ensino obrigatório não é mais o fundamental, mas
    sim quase toda a educação básica (educação infantil na etapa da
    pré-escola, ensino fundamental e médio) para aqueles que
    tenham de 4 a 17 anos, assegurada inclusive sua oferta gratuita
    para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria;
    Quanto à questão do ensino médio, as conclusões são as
    seguintes:
    a) Inicialmente, com a redação original da CF/88, ficou
    estabelecida a progressiva extensão da obrigatoriedade do
    ensino médio;
    16
    b) Com a emenda 14, ficou prevista a progressiva universalização
    do ensino médio, retirando a necessidade da obrigatoriedade,
    embora tal expressão continuasse presente na LDB.
    c) Agora, com a emenda 59, o ensino médio passa a ser
    obrigatório, caso o adolescente tenha a idade de até 17 anos.
    Finalmente, analisando a educação infantil, observa-se o
    seguinte:
    a) Na redação inicial da Constituição de 1988 e na posterior
    alteração proporcionada pela emenda 14, não foi observada
    qualquer referência à obrigatoriedade da educação infantil;
    b) Com a emenda 59, a educação infantil, na etapa da pré-escola
    (04 a 05 anos) passa a ser obrigatória.
    Decorre de toda esta sistemática e em especial da interpretação a
    ser dada nas alterações proporcionadas pela Emenda Constitucional nº.
    59, que ocorreu uma ampliação do dever constitucional do Estado em
    relação à educação, ampliando, obviamente o lapso temporal do ensino
    obrigatório e, consequentemente, o direito subjetivo do cidadão em
    requerer a efetivação deste direito educacional obrigatório6
    .
    No entanto, esta obrigatoriedade não mais está vinculada à etapa
    de um ensino específico (fundamental) e, sim, a uma faixa etária que
    compreende dos 04 a 17 anos, o que nos leva ao seguinte raciocino: a
    criança, obrigatoriamente, deve ingressar na pré-escola com 4 anos de
    idade, seguir no ensino fundamental a partir dos 6, e a partir daí,

6 Nesse sentido, a norma prevista no artigo 5º da LDB deve recepcionar a Emenda Constitucional n. 59.
17
permanecer na escola até os 17 anos de idade, independente da série
ou etapa do ensino, seja ele fundamental ou médio.
Assim, o ensino médio pode ou não ser obrigatório, pois vai
depender do desenvolvimento do aluno nas séries do ensino
fundamental. Vencendo-as nas etapas adequadas, completará o ensino
médio aos 17 anos e assim o mesmo se torna obrigatório. Contudo, se
não conseguir ultrapassar as séries do ensino fundamental, antes de
completar 17 anos, não existirá a obrigatoriedade para o ensino médio.
E finalmente (art. 6º da Emenda Constitucional nº. 59), que o
disposto no inciso I do art. 208 da Constituição Federal deverá ser
implementado progressivamente, até 2016, nos termos do Plano
Nacional de Educação, com apoio técnico e financeiro da União. Nesta
previsão, há a expressa confissão da ausência de estrutura
governamental para a implantação do comando constitucional, de
imediato.

  1. REFLEXOS DA OBRIGATORIEDADE: A QUESTÃO DA
    RESPONSABILIDADE.
    Como se pode constatar, na evolução constitucional do direito à
    educação, as normas reguladoras deixaram de possuir um caráter
    programático para ganhar efetividade como direito público subjetivo.
    Deixaram de ser meros enunciados contemplativos para se
    transformarem em diretrizes a serem seguidas pelo Poder Público, sob
    pena de responsabilização.
    Assim, a afirmação de que a educação é um direito de todos,
    somente pode ser entendida dentro do contexto atual, não mais como
    18
    um enunciado de baixa efetividade social e jurídica, mas como uma
    regra que garanta concretamente, escola para todos.
    Decorre desta situação que a educação passou a ser vista tanto
    como um direito como um dever para com a administração pública e o
    cidadão.
    5a. Reflexos para o poder público:
    O poder público deve oferecer escola para todos – educação
    básica obrigatória e gratuita dos 04 aos 17 anos de idade, assegurada
    inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso
    na idade própria. Caso não ofereça ou ofereça de forma irregular, a lei7
    assegura que qualquer cidadão, grupo de cidadãos, associação
    comunitária, organização sindical, entidade de classe ou outra
    legalmente constituída, e, ainda, o Ministério Público possa acionar o
    poder público para exigi-lo8
    . Esta situação revela o que vem a ser
    direito público subjetivo: o poder de exigir um direito previsto na lei.
    O Estatuto da Criança e do Adolescente também é taxativo em
    garantir o direito de ação para a efetividade do direito à educação. O
    art. 54, § 1º e 2º estabelece que o acesso ao ensino obrigatório e
    gratuito é direito público subjetivo e que o não oferecimento ou a sua
    oferta irregular importa responsabilidade da autoridade competente.
    Esta norma também foi regulamentada no artigo 208 e seguintes do
    ECA que esclarece os legitimados para o ingresso da ação e a
    possibilidade de se utilizar toda e qualquer ação judicial para se obter a
    proteção jurisdicional necessária9
    .

7 Art. 5º da LDB.
8 Apesar da legitimidade para a ação ser ampla, constata-se na prática, que o Ministério Público tem se
apresentado como o principal legitimado para ingressar com ações judiciais para se garantir o direito à
educação.
9
Art. 208. Regem-se pelas disposições desta Lei as ações de responsabilidade por ofensa aos direitos
assegurados à criança e ao adolescente, referentes ao não oferecimento ou oferta irregular:
19
Vale destacar que essas ações podem ser direcionadas tanto pela
falta do oferecimento da educação obrigatória (dos 4 aos 17 anos)
como pela sua oferta irregular (ex. escolas em número insuficientes,
falta de professores, material escolar, educação de baixa qualidade,
entre outras hipóteses).
Mas a questão do dever da Administração não se limita ao ensino
obrigatório e o direito público subjetivo é ampliado por força de lei. Com
efeito. A partir do momento em que a legislação fixou alguns outros
deveres ao Estado em relação à educação10, devem os mesmos ser
devidamente atendidos sob pena de legitimar uso de ação judicial.
Exemplo típico desta questão refere-se à creche. Esta modalidade
educacional não é obrigatória, mas a Constituição estabeleceu no artigo
206, IV o dever do Estado em oferecê-la regularmente. Assim, a partir
do momento em que há interesse na colocação de uma criança na
creche, deve o Estado oferecer a vaga, sob pena de ser acionado

I – do ensino obrigatório; …
§ 1o As hipóteses previstas neste artigo não excluem da proteção judicial outros interesses individuais,
difusos ou coletivos, próprios da infância e da adolescência, protegidos pela Constituição e pela Lei. …….
Art. 210. Para as ações cíveis fundadas em interesses coletivos ou difusos, consideram-se legitimados
concorrentemente:
I – o Ministério Público;
II – a União, os estados, os municípios, o Distrito Federal e os territórios;
III – as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais
a defesa dos interesses e direitos protegidos por esta Lei, dispensada a autorização da assembléia, se houver
prévia autorização estatutária. …..
Art. 212. Para defesa dos direitos e interesses protegidos por esta Lei, são admissíveis todas as espécies de
ações pertinentes. ….
§ 2º Contra atos ilegais ou abusivos de autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de
atribuições do poder público, que lesem direito líquido e certo previsto nesta Lei, caberá ação mandamental,
que se regerá pelas normas da lei do mandado de segurança.
Art. 213. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a
tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao
do adimplemento. …….
Art. 219. Nas ações de que trata este Capítulo, não haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários
periciais e quaisquer outras despesas.
Art. 220. Qualquer pessoa poderá e o servidor público deverá provocar a iniciativa do Ministério Público,
prestando-lhe informações sobre fatos que constituam objeto de ação civil, e indicando-lhe os elementos de
convicção.
10 Art. 208.
20
judicialmente, pois nesse momento o direito à creche assume o status
de direito público subjetivo.
Também assume o caráter obrigatório, gerando direito público
subjetivo a educação de jovens e adultos em face do critério
constitucional da obrigatoriedade da educação em relação à idade11
.
Até o momento, os reflexos dessa obrigatoriedade escolar foram
analisados no aspecto cível, no sentido de se garantir a educação
obrigatória sob pena de se ingressar com ação judicial para se buscar a
sua efetividade. No entanto, os reflexos são mais amplos. Nesse
sentido, aponta o artigo 5º, § 4º da LDB que diz:
Art. 5º… § 4º. Comprovada a negligência da autoridade
competente para garantir o oferecimento do ensino obrigatório,
poderá ela ser imputada por crime de responsabilidade.
E o Estatuto da Criança e do Adolescente complementa tal regra
ao estabelecer no artigo 54, § 2º:
§ 2º. O não oferecimento do ensino obrigatório pelo poder
público ou sua oferta irregular importa responsabilidade da
autoridade competente.
Assim, além da responsabilização civil, também pode ocorrer a de
natureza penal sendo que o autor desta omissão pode ser punido com
base na Lei nº. 1.079 de 10 de abril de 1950 que define os crimes de
responsabilidade do Presidente da República, ministros de Estados,
ministros do Supremo Tribunal Federal, Procurador-Geral da República,
governadores de Estados e seus secretários, bem como o Decreto-Lei n.

11 O atual PNE confirmou a EJA como direito público subjetivo no que se refere ao Ensino Fundamental. Tal
interpretação já constava das Diretrizes da EJA emanadas pelo CNE. A ressalva é que tal direito, por conta da
idade e da presumida consciência do jovem, deve ser acionado pelo demandante.
21
201 de 27 de fevereiro de 1967, que trata da responsabilidade dos
prefeitos e vereadores. Apesar de não possuir o caráter penal, podem
ainda ser responsabilizados com base na Lei nº. 8429, de 02 de junho
de 1992, que se refere aos atos de improbidade administrativa.
5b. Reflexos para os alunos:
Agora, como já afirmado, decorre desta obrigatoriedade da
educação básica uma contrapartida que é a obrigação ao aluno e seus
responsáveis, ou seja, a partir do momento em que se determina a
obrigatoriedade da educação básica dos 04 aos 17 anos de idade, toda
criança e adolescente nesta faixa etária deve frequentar a escola. Como
afirma Horta: o direito de educar por parte do Estado correspondeu à
obrigatoriedade escolar como imposição ao indivíduo (1998, p. 10).
A questão é saber o que fazer, quando estas pessoas não
cumprem com a sua obrigação de frequentar a escola que é ofertada
pelo Estado. Que providências tomar?
Em relação aos alunos que tem a obrigatoriedade de frequentar a
escola, a solução é dada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.
Determina a citada lei, em primeiro lugar, como medida de proteção, a
obrigatoriedade da matrícula e da frequência escolar:
Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art.
98, a autoridade competente poderá determinar, dentre outras,
as seguintes medidas: ….
III – matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento
oficial de ensino fundamental;
Observa-se que o Estatuto não foi adequado às mudanças
proporcionadas pela Emenda Constitucional n. 59, referindo-se apenas
ao ensino fundamental. É certo, porém que esta medida tem apenas o
22
caráter protetivo de forma que se a criança ou o adolescente não
frequentarem o ensino obrigatório, não haverá maiores consequências,
recaindo a responsabilidade mais em relação aos pais ou responsáveis.
5c. Reflexos para os pais ou responsáveis:
Quanto à conduta dos pais ou responsáveis, a lei é mais
específica. Inicialmente o Estatuto da Criança e do Adolescente
determina, no capítulo da educação:
Art. 55. Os pais ou responsável têm a obrigação de
matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino.
Em seguida, estabelece, entre as medidas que são aplicadas aos
pais, a seguinte:
Art. 129. São medidas aplicáveis aos pais ou responsável:
…….
V – obrigação de matricular o filho ou pupilo e acompanhar
sua frequência e aproveitamento escolar;
Caso os pais resistam à determinação judicial de matricular o filho
na escola, podem ainda ser responsabilizados administrativamente, pois
estabelece o artigo 249 do Estatuto da Criança e do Adolescente:
Art. 249. Descumprir, dolosa ou culposamente, os deveres
inerentes ao poder familiar ou decorrente de tutela ou guarda,
bem assim determinação da autoridade judiciária ou Conselho
Tutelar:
Pena – multa de três a vinte salários de referência,
aplicando-se o dobro em caso de reincidência.
A educação é um dever imposto aos pais e decorre do poder
familiar, pois assim determina o artigo 22 do ECA:
23
Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e
educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse
destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações
judiciais.
Logo, se os pais ou responsáveis não cumprem com o dever de
educação e não atendem às determinações judiciais, poderão sofrer a
penalidade prevista na infração administrativa referida.
Como último recurso de natureza não penal previsto no ECA
encontra-se a suspensão ou destituição do poder familiar. Pois o artigo
24 do ECA prevê esta possibilidade quando os pais não desempenham,
a contento, as obrigações decorrentes do poder parental. Diz a lei:
Art. 24. A perda e a suspensão do poder familiar serão
decretadas judicialmente, em procedimento contraditório, nos
casos previstos na legislação civil, bem como na hipótese de
descumprimento injustificado dos deveres e obrigações a que
alude o art. 22.
Por fim, existe a possibilidade de responsabilização criminal dos
pais ou responsáveis pelo crime de abandono intelectual. O crime está
previsto no artigo 246 do Código Penal que estabelece:
Abandono intelectual
Art. 246 – Deixar, sem justa causa, de prover a instrução
primária de filho em idade escolar:
Pena – detenção, de quinze dias a um mês, ou multa.
Como esclarece Sifuentes (2009, p. 285) trata-se de um crime
omissivo e doloso, que exige a consciência dos pais na omissão do
dever de dar educação básica à sua prole. Portanto, para a sua
tipificação é necessário não existirem justas causas para a conduta da
24
omissão, podendo-se citar, como exemplos, a falta de escolas, a
situação econômica precária da família ou mesmo a instrução
rudimentar dos pais.
Verifica-se, do que foi exposto, que a obrigatoriedade da
educação tem reflexos diretos em relação ao Estado, alunos, pais e
responsáveis sendo que compete aos interessados e instituições
devidamente legitimados desempenharem seu papel no sentido de
garantir a concretude da lei.

  1. OBRIGATORIEDADE DA EDUCAÇÃO A CRIANÇAS E
    ADOLESCENTES DE 4 A 17 ANOS: UMA QUESTÃO DE
    OFERTA E DE EFETIVO ATENDIMENTO.
    Consistindo a educação em um direito-dever, verifica-se que da
    sua obrigatoriedade decorrem várias situações como já expostas.
    Porém, há uma outra faceta envolvendo a questão, que é saber se a
    efetivação da obrigatoriedade decorre da oferta da educação ou do seu
    efetivo atendimento. Ou, em termos negativos: a obrigatoriedade da
    educação não se verifica por uma questão de falta de vagas, inclusive
    para os alunos com deficiência (oferta) ou da má qualidade do ensino,
    da evasão escolar, da repetência ou da defasagem na correlação
    idade/série frequentada (efetivo atendimento).
    De plano, pode-se afirmar que todos estes fatores contribuem
    direta ou indiretamente para a impossibilidade de se atingir a
    universalização do ensino obrigatório.
    Em primeiro lugar, quanto ao ensino fundamental, constata-se
    que o Brasil está praticamente universalizando a matrícula das crianças
    25
    e dos adolescentes12. Mas isto não significa que esta etapa da educação
    está sendo universalizada, pois uma situação é a criança estar
    matriculada no ensino fundamental e outra é a criança efetivamente
    cursar o ensino fundamental. Universalizamos a matrícula, mas não o
    ensino. O insucesso escolar em face da repetência e da evasão é
    bastante frequente.
    Na educação infantil, o problema ainda está centrado na falta
    de vagas para se garantir a sua obrigatoriedade. A questão relacionada
    a esta etapa de educação não é de evasão e muito menos de
    repetência. As inúmeras ações em andamento na justiça brasileira
    referem-se à busca da garantia de oferta de vaga na educação infantil.
    Esta questão fica mais perceptível por ser uma responsabilidade do
    município.
    Em relação ao ensino médio o enfoque tem que ser outro, pois
    existe a oferta de vagas, mas nem sempre ocorre o efetivo atendimento
    em face de fatores como aqueles citados, ou seja, má qualidade da
    educação que não cumpre com o seu papel constitucional de promover
    o desenvolvimento do adolescente, sua qualificação para o trabalho e o
    pleno exercício da cidadania. Também se verifica que grande parte
    desta população opta pelo trabalho precoce ao invés da educação.
    Quando se fala na inclusão do aluno com deficiência, o
    problema atinge todas as etapas do ensino obrigatório, pois é flagrante
    a sua exclusão, por uma negligência na oferta e na própria efetivação
    do ensino. Há, ainda, uma terceirização estatal deste ensino para outras
    instancias de atendimento.

12 Mais de 4 milhões de crianças e jovens em idade escolar, de 4 a 17 anos, estão fora das salas de aula. Do
total, 3,5 milhões têm 4 ou 5 anos ou já são adolescentes, com 15 a 17 anos (Dados do MEC – abril/2010).
26
Passando a análise dos fatores que levam ao não cumprimento da
obrigatoriedade da educação, verifica-se que um dos grandes
obstáculos diz respeito à repetência. Segundo Gomes (1998, p.185)
estudos realizados revelaram que o não cumprimento da frequência
escolar compulsória se deve a própria escola. Esta situação tem uma
relação direta com a questão da qualidade da educação que deve
facilitar a aquisição de conhecimentos, habilidades e atitudes que têm
valor intrínseco e que também ajudam no encaminhamento de metas
humanas importantes (Freitas, 2008, p. 39).
Prossegue Freitas (2008, p. 41-42) que:
Política de promoção do acesso recentemente ampliou o
alcance demográfico do direito público subjetivo à educação…
Marcado pela exclusão, seletividade, iniquidade, ineficácia,
ineficiência e baixa efetividade, o ensino obrigatório está longe de
ter a qualidade que a concepção de acesso acima mencionada
aponta. Sem o devido enfrentamento de tais problemas, a
estratégia de ampliação da obrigatoriedade reproduz
características históricas de expansão desse ensino no país,
especialmente a heterogeneidade, improvisação, insuficiência,
seletividade, discriminação, qualidade insatisfatória e
formalização.
Constata-se que a baixa qualidade de ensino, que certifica o aluno
com um diploma, mas não o alfabetiza (Pimenta, 2002, p. 9), leva a
essa lógica da exclusão e de comprometimento com a obrigatoriedade
do ensino. Atende-se, ainda que não na totalidade, a demanda
quantitativamente, com prejuízos qualitativos. Nesse sentido, pontifica
Pimenta (2002, p. 14):
Atender à dimensão quantitativa da escolaridade é muito
importante, sem dúvida. Deixar as crianças fora da escola é uma
27
maneira de colaborar com a “seleção natural”. Com fome, com
frio, na rua, é um passo mais rápido para excluir as crianças da
vida. Reduzir o número de crianças é uma forma de se fazer
economia, pois, não será necessário prover escolas, etc. Mas o
atendimento apenas quantitativo não resolve a exclusão social. A
promoção automática pode se tornar um refinamento dessa
exclusão ao empurrar para fora dos muros escolares a
desigualdade.
Assim, um ponto importante a se destacar é o atendimento da
demanda quantitativamente (com a obrigatoriedade e universalização
do ensino de 4 a 17 anos), mas de forma qualitativa. Este binômio
quantidade / qualidade é o referencial para a análise das políticas que
estão em curso para a educação infantil, ensino fundamental e o ensino
médio (Pimenta, 2002, p. 17).

  1. CONSIDERAÇÕES FINAIS:
    A educação é reflexo, ela retrata e reproduz a sociedade; mas
    também projeta a sociedade que se quer (Pimenta, 2002, p. 8).
    Verifica-se que a ampliação da obrigatoriedade do ensino projeta a
    sociedade que se pretende, com pessoas mais qualificadas e preparadas
    para o exercício da cidadania e para o trabalho.
    No entanto, este processo histórico é recente, pois somente a
    partir da Constituição de 1988 é que se passou a dar um tratamento
    diferenciado à educação, como um direito e um dever, não obstante a
    normatividade internacional. Nessa evolução, a educação obrigatória
    que se limitava ao ensino fundamental acabou sendo ampliada para
    abranger não mais uma etapa do ensino, mas uma determinada faixa
    etária – dos 04 a 17 anos de idade.
    28
    Decorre desta obrigatoriedade deveres impostos ao Poder Público
    e aos alunos e pais, com medidas coercitivas para que se efetive o
    direito à educação. Decorre ainda, como fator determinante, que não
    basta buscar o aumento quantitativo do contingente educacional, se
    não se prender à qualidade do ensino que se ministra. Pois, a evasão
    escolar, repetência, falta de vagas, ausência de inclusão do aluno com
    deficiência (afinal a educação é para todos), defasagem na correlação
    idade/série frequentada são fatores que contribuem para que a
    universalização e obrigatoriedade da educação básica não se efetivem.
    Sabendo que o direito à educação desempenha, historicamente, a
    função de ponte entre os direitos políticos e os direitos sociais: o
    atingimento de um nível mínimo de escolarização torna-se um
    direito/dever intimamente ligado ao exercício da cidadania política
    (Regonnini, In Horta, 1998, p. 10). Pensar na obrigatoriedade da
    educação básica é pensar no desenvolvimento pessoal, social e político
    do ser humano. É pensar num país melhor. O desafio, no entanto, é
    gigantesco em face das peculiaridades que envolvem o tema. Para isso,
    todos são convocados: poder público, família e sociedade. Afinal das
    contas, assim estabelece o legislador:
    Art. 205. A educação, direito de todos e dever do ESTADO e
    da FAMÍLIA, será promovida e incentivada com a colaboração da
    SOCIEDADE, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu
    preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o
    trabalho.
    Na construção da cidadania, há necessidade da consciência de
    todos na concretização de uma educação de qualidade e obrigatória
    para determinada faixa etária.
    29
  2. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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    Brasil, promulgada em 5 de outubro de 1988. 24ª. ed. São Paulo:
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    BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente: promulgado em 13 de
    julho de 1990. 9.ed. São Paulo: Saraiva, 1999. (Coleção Saraiva de
    Legislação).
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    20 de dezembro de 1996.
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    _ Direito à educação: direito à igualdade, direito à diferença.
    Cadernos de pesquisa, São Paulo: n. 116, p. 245, 262, jul., 2002ª
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    http://www.pjpp.sp.gov.br/2004/artigos/41.pdf. Consulta em
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    e o Professor. Reflexos na sua formação e atuação. São Paulo: Cortez,
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    Ed. UFPR. 2008.
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    Pública. Rio de Janeiro. V. 17, n. 64, p. 495-520, jul/set. 2009.
    30
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    SIFUENTES, Mônica. Direito Fundamental à educação. A aplicabilidade
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