Violência + adolescente infrator = maioridade penal?

Violência + adolescente infrator = maioridade penal?

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VIOLÊNCIA + ADOLESCENTE INFRATOR = MAIORIDADE PENAL ?
Luiz Antonio Miguel Ferreira1
Resumo: Em face da ocorrência de crimes bárbaros praticados por
adolescentes, o tema do rebaixamento da idade para responsabilidade
penal entra em discussão. Esta situação, muitas vezes, não é bem
compreendida pela sociedade que acaba defendendo uma ou outra
posição, sem conhecimento mais aprofundado da questão e seus reflexos.
Diante desta situação o presente artigo busca discutir tal tema com uma
visão abrangente que aponta, não somente argumentos jurídicos, como
também sociológicos para uma tomada de posição. A metodologia utilizada
para a pesquisa concentrou-se numa revisão legal e doutrinária do tema,
apontando reflexões para a formação crítica do assunto, sem se deixar
levar pelo modismo ou pelas afirmações equivocadas que muitas vezes são
apresentadas para se combater o fenômeno da violência.
Palavras–chave: Maioridade penal; Adolescente infrator; Violência;
rebaixamento da responsabilidade penal; controle social da violência;
internação de adolescente.
A. INTRODUÇÃO
A responsabilização penal do adolescente, com o rebaixamento da idade do
infrator, é um tema que, de forma recorrente, vem a público e provoca apaixonantes
debates. Com o objetivo de sistematizar algumas questões tratadas nessa contenda, o
presente trabalho busca apontar reflexões que são necessárias para a correta
interpretação do problema, de forma a subsidiar e fornecer elementos para formação da
convicção pessoal a respeito do assunto, sem paixões e emoções. Reflete a experiência de
quem trabalha diariamente com o problema e vive as angústias das vítimas, infratores e
seus respectivos familiares.
Neste debate, é extremamente importante partir de três nortes para a reflexão:
 Onde queremos chegar com a responsabilização do adolescente?

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Promotor de Justiça da Infância e da Juventude do Ministério Público do Estado de São Paulo. Mestre em
Educação. Membro do Conselho Consultivo da Fundação Abrinq. Maio/2013.
2
 Quais indicadores de avaliação serão levados em conta?
 Quais contrapartidas serão oferecidas para o cuidado com essa população?
Diante da realidade posta, podem-se questionar os motivos pelo quais se
pretende ou não o rebaixamento da idade penal.
B. POR QUE REBAIXAR A IDADE

  1. A TODO ATO INFRACIONAL VIOLENTO PRATICADO POR ADOLESCENTE, O TEMA
    REBAIXAMENTO DA IDADE PARA A RESPONSABILIDADE PENAL ENTRA NA
    PAUTA DE DISCUSSÃO.
    Pretendem os defensores do rebaixamento da idade penal, legislar pela
    oportunidade, pela emoção ou paixão. Este tema pode e deve ser sempre debatido, mas
    não pode ter como fundamento um fato concreto, posto que o mesmo não é universal,
    mas certo e determinado. A lei deve ser elaborada visando a coletividade e não uma
    vítima ou familiares específicos. Qualquer legislação elaborada nesse sentido acaba por
    comprometer todo um sistema legal, em face de seu caráter emocional. Como afirmou
    Gilberto Dimenstein (Cuidado com a lei do menor esforço – 13/02/2007 – Brasília:
    UNICEF), o debate sobre aumento das punições a criminosos juvenis, como a proposta de
    redução da maioridade penal, sofre de um grave problema – o da lei do menor esforço.
    Esta lei atinge, em cheio, os políticos, prontos para oferecer soluções fáceis e rápidas
    diante do clamor popular. É mais fácil mandar quebrar o termômetro do que falar em
    enfrentar com seriedade a infecção que gera a febre.
  2. APRESENTAM-SE COMO REFERÊNCIA PARA A IDADE PENAL, A FAIXA ETÁRIA
    FIXADA POR PAÍSES EUROPEUS QUE ESTENDE A RESPONSABILIDADE A PARTIR
    DE 12 ANOS DE IDADE.
    A realidade desses países é bem diversa do Brasil. Educação, saúde, convivência
    familiar e profissionalização são temas que já estão sedimentados em tais países, razão
    pela qual podem pensar na aplicação da lei com idade inferior. Porém, na América Latina,
    por conta de outra perspectiva de garantia de direitos fundamentais, a idade penal é mais
    3
    elevada do que na Europa, não podendo a mesma servir de parâmetro. Ademais, quando
    entrou em vigor o Estatuto da Criança e do Adolescente, uma das críticas que recebeu era
    a de que seria uma lei para o primeiro mundo. Os defensores do ECA sustentavam
    exatamente o contrário, ou seja, de que era uma lei para a nossa realidade, pois nos
    países de primeiro mundo não precisava estabelecer os direitos fundamentais e sua
    proteção legal, já que são ofertados regularmente à população. Agora, no rebaixamento
    da idade penal, volta-se à questão dos países de primeiro mundo, esquecendo-se de que
    a nossa realidade é outra.
  3. ESPERA-SE COMBATER A VIOLÊNCIA E A CRIMINALIDADE COM A REDUÇÃO DA
    MAIORIDADE PENAL.
    A violência não se enfrenta, de maneira simplista, com a redução da idade para
    responsabilização penal. O controle da violência passa, primeiramente, pela família,
    escola, sociedade, igreja, sindicatos, e instituições públicas e privadas. Somente no
    fracasso da prevenção primária é que se pode conceber a aplicação da lei, de forma
    secundária e residual. E esta, tem que ter a sua limitação, sob pena de se estabelecer uma
    sociedade policialesca e arbitrária. Assim, há necessidade de se investir em políticas
    públicas garantidoras dos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal.
  4. SUSTENTA-SE QUE O FATO DO INFRATOR SER MENOR DE 18 ANOS, QUE O
    MESMO ESTÁ IMPUNE DAS CONSEQUÊNCIAS DE SEU ATO.
    O fato de o adolescente ser menor de 18 anos e cometer um ato infracional (crime
    ou contravenção) não o isenta de responsabilidade. As medidas estão previstas no
    Estatuto da Criança e do Adolescente, figurando a internação como uma das medidas
    socioeducativas. A privação da liberdade do adolescente é algo previsto na lei. No
    entanto, a utilização da internação, com a consequente privação de liberdade, deve ser
    aplicada com as cautelas previstas na lei em face das consequências que produz na
    sociedade, sem contar com o processo estigmatizador do cidadão, como um exintegrante do sistema punitivo infanto-juvenil.
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  5. O PRAZO PARA A INTERNAÇÃO: A LEI ESTABELECE ATÉ 03 ANOS PARA O
    PERÍODO DE INTERNAÇÃO. TRATA-SE DE UM PRAZO EXÍGUO?
    O ECA estabelece o prazo de até 03 anos para o adolescente cumprir uma medida
    socioeducativa de internação. Este prazo refere-se ao regime fechado, com privação total
    da liberdade. Estabelecendo um paralelo com uma pessoa maior de idade, para que ele
    cumpra, em regime fechado, 06 meses, 1 ano, 2 anos e 3 anos de internação, equivaleria
    ter sido condenado por crime comum a 03, 06, 12 e 18 anos de reclusão. Assim, um
    adolescente que fica internado por 1 ano equivale a uma condenação da pessoa maior de
    idade a 06 anos. Logo, este prazo não é exíguo, posto que se refere exclusivamente ao
    período correspondente a privação de liberdade.
    A tabela abaixo traça um paralelo entre o tempo de internação do adolescente
    infrator e o período pelo qual um adulto teria que ser condenado para cumprir em regime
    fechado o mesmo prazo.
    PARA PERMANECER
    NO REGIME
    FECHADO
    (adolescente)
    Semiaberto
    CRIME COMUM
    1/6
    Semiaberto.
    CRIME DE NATUREZA
    HEDIONDA
    2/5 (PRIMÁRIO)
    06 MESES 03 anos 1 ano e 03 meses
    01 ANO 06 anos 02 anos e seis meses
    1 ANO E 06 MESES 09 anos 3 anos e 09 meses
    DOIS ANOS 12 anos 5 anos
    DOIS ANOS E MEIO 15 anos 6 anos e 03 meses
    TRÊS ANOS 18 anos 7 anos e 06 meses
  6. EXISTEM ADOLESCENTES QUE SÃO VIOLENTOS, COMETEM CRIMES HEDIONDOS
    E ESTÃO VINCULADOS A FACÇÃO CRIMINOSA. O REBAIXAMENTO DA IDADE DE
    RESPONSABILIZAÇÃO PENAL É UMA SOLUÇÃO PARA OS MESMOS, POIS HAVERIA
    MAIOR RIGOR NA PENALIZAÇÃO.
    Não há dúvida que existem adolescentes com este perfil. O problema é que não há
    elementos suficientes para apontar que o rebaixamento da idade penal será a solução.
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    Pois, se a idade de responsabilização for para 17 anos, também haverá adolescentes
    violentos e vinculados à facção criminosa com 16 e até 15 anos. O corte etário, por si só,
    não garante que serão contemplados os adolescentes com este perfil e que, por esta
    razão, haverá a redução da violência.
  7. O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE SOMENTE OPORTUNIZA A AÇÃO
    DOS INFRATORES ADOLESCENTES.
    O Estatuto da Criança e do Adolescente é uma lei que contempla toda a população
    infanto-juvenil. É uma lei feita para toda criança e adolescente do país, garantidora dos
    direitos fundamentais previstos na Constituição Federal (art. 227), como direito à vida,
    saúde, alimentação, educação, lazer, cultura, profissionalização, convivência familiar,
    liberdade e dignidade. Não foi elaborada somente para os infratores. Estes estão
    contemplados e há medidas específicas a serem aplicadas aos mesmos – medidas
    socioeducativas. Diferente do Código Mello e Matos e do Código de Menores, o ECA tem
    uma aplicação universalizada e, se oportuniza a ação dos adolescentes infratores,
    também garante ações para que os mesmos não se tornem infratores, tanto no caráter
    punitivo como garantidor do direito fundamental.
  8. O ADOLESCENTE A PARTIR DOS 16 ANOS DE IDADE PODE VOTAR. ASSIM,
    TAMBÉM DEVE SER RESPONSABILIZADO CRIMINALMENTE.
    A lei brasileira estabelece o critério etário, com fixação de idades para várias
    situações, como as que seguem:
     16 anos, para votar (art. 14, § 1º, II, “c” da CF). É facultativo para o maior de 16
    anos e menor de 18; 18 anos, obrigatoriedade de votar (art. 14, § 1º, I da CF);
     35 anos para candidatos aos cargos de presidente, vice-presidente e senador (art.
    14, § 3º, VI, “a” da CF);
     30 anos para os cargos de governador, vice-governador de estado e do Distrito
    Federal (art. 14, § 3º, VI, “b” da CF);
     21 anos para deputado federal, deputado estadual ou distrital, prefeito, viceprefeito e juiz de paz (art. 14, § 3º, VI, “c” da CF).
     18 anos para vereador (art. 14, § 3º, VI, “d” da CF);
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     18 anos para ser responsabilizado penalmente (art. 228 da CF);
     18 anos para atingir a capacidade civil (art. 5º do Código Civil);
     18 anos de idade para adotar (art. 1618 do Código Civil).
    Constata-se, pelos exemplos citados, que várias são as idades fixadas pela legislação
    para determinados atos da vida civil. Especificamente em relação ao direito de voto, fixou
    a idade de 16 anos para votar, mas esclareceu que se trata de uma faculdade e não uma
    obrigação.
    O voto, nesta idade é facultativo. Assim, utilizar este parâmetro para justificar
    eventual redução da idade para responsabilização penal é um rematado desconchavo.
    Pois, se ele pode votar, também teria o direito de se candidatar para qualquer cargo
    político, independente da idade. Também deveríamos tratá-lo como adulto, “autorizando
    a venda e ingestão de bebidas e venda de cigarros ou a habilitação para dirigir”, pois a
    redução da maioridade penal não transformará o adolescente em adulto. A pessoa
    continuará sendo adolescente.
    C. POR QUE NÃO REBAIXAR A IDADE
  9. A IDADE PARA RESPONSABILIZAÇÃO PENAL É CLÁUSULA PÉTREA.
    “Cláusula pétrea” e limites materiais do poder de revisão de uma Constituição
    “têm por objetivo constituir mecanismos de garantia da Constituição ou, melhor
    explicitando, dos princípios basilares que conferem unidade de sentido e identidade a
    determinada Constituição”
    2
    .
    O artigo 5º, §§ 1º e 2º da Constituição Federal estabelecem os direitos
    fundamentais, sua aplicação imediata e a não exclusão de outros direitos nela previstos,
    ou em tratados internacionais, posto que o rol apresentado não é exaustivo. Esses
    direitos não podem sofrer alteração, conforme prevê o artigo 60, § 4º, IV da CF, uma vez
    que representam a sustentação do Estado Democrático de Direito. O artigo 228 da
    Constituição Federal reza que “são penalmente inimputáveis os menores de 18 anos de
    idade, sujeitos às normas da legislação especial”. Trata-se, pois, de um direito individual

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CORRÊA, Márcia Milhomens S. Caráter Fundamental da Inimputabilidade na Constituição. Rio Grande do
Sul: Sérgio Fabris editor, 1998, p.106.
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que não pode ser objeto de emenda constitucional, até porque está em consonância com
os princípios da prioridade absoluta e proteção integral, adotados constitucionalmente
em relação à criança e ao adolescente (art. 227).

  1. O ADOLESCENTE NÃO PODE SER PUNIDO COM MAIS SEVERIDADE QUE O
    ADULTO.
    A Lei do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), 12.594/12,
    art. 35, I, estabeleceu que, em hipótese alguma, o adolescente poderá receber
    tratamento mais gravoso do que o conferido ao adulto. Contudo, como pretendem alguns
    projetos em tramitação no Congresso Nacional, poderá ocorrer tal situação. O adulto, ao
    ser penalizado, tem sua sanção devidamente especificada na sentença judicial (1 ano, 2
    anos, etc.). O adolescente não é penalizado com uma medida de privação de liberdade
    por tempo certo. A internação que se pretende mais longa do que 3 anos, será cumprida
    com avaliação semestral, para verificar uma eventual progressão. Neste caso, poderá
    ocorrer que o adolescente permaneça internado por mais tempo que um maior que
    cometeu o mesmo delito.
  2. A INTERNAÇÃO DEVE OBEDECER AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA
    EXCEPCIONALIDADE E BREVIDADE.
    A internação de adolescente infrator deve observar os princípios da brevidade,
    excepcionalidade e respeito à condição peculiar da pessoa em desenvolvimento. Este
    regramento esta previsto na:
    a) CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA – UNICEF –
    (Aprovada pelo Decreto Legislativo nº 28, de 14 de setembro de 1990 e
    Promulgada pelo Decreto 99.710 de 21 de novembro de 1990) Adotada pela
    Assembleia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1989 .
    ARTIGO 37 – Os Estados Partes zelarão para que:
    a) nenhuma criança seja submetida à tortura nem a outros tratamentos ou penas
    cruéis, desumanos ou degradantes . Não será imposta a pena de morte nem a
    prisão perpétua sem possibilidade de livramento por delitos cometidos por
    menores de dezoito anos de idade;
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    b) nenhuma criança seja privada de sua liberdade de forma ilegal ou arbitrária. A
    detenção, a reclusão ou a prisão de uma criança serão efetuadas em
    conformidade com a lei e apenas como último recurso, e durante o mais breve
    período de tempo que for apropriado;
    b) REGRAS MÍNIMAS DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA,
    DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE (REGRAS DE BEIJING). (Recomendadas no 7.º
    Congresso das Nações Unidas sobre prevenção de delito e tratamento do
    delinquente, realizado em Milão em 26.08 a 06.09.85 e adotada pela Assembleia
    Geral em 29.11.85).
    19) Caráter excepcional da institucionalização:
    19.1. A internação de um jovem em uma instituição será sempre uma medida de
    último recurso e pelo mais breve período possível.
    TRATAMENTO INSTITUCIONAL
    26) Objetivos do tratamento institucional:

    26.3. Os jovens institucionalizados serão mantidos separados dos adultos e serão
    detidos em estabelecimentos separados ou em partes separadas de um
    estabelecimento em que estejam detidos adultos.
    c) CONSTITUIÇÃO FEDERAL
    Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao
    adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
    alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
    respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a
    salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência,
    crueldade e opressão.
    …..
    3º – O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos:
    …..
    V – obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à
    condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de
    qualquer medida privativa da liberdade;
    “Os direitos enunciados em tratados e documentos internacionais de proteção aos
    direitos humanos de crianças e adolescentes somam-se aos direitos nacionais, reforçando
    a imperatividade jurídica dos comandos constitucionais já mencionados e que se referem
    à adoção de legislação e jurisdição especializada para os casos que envolvem pessoas
    9
    abaixo dos dezoito anos autores de infrações penais” (Porque dizer não a redução da
    idade penal – Brasília: UNICEF, 2007).
  3. A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA DESIGUALDADE.
    A ausência da primeira etapa da educação escolar – creches – aponta para o início
    de uma história que envolve a repetência, o fracasso escola, o abandono e culmina com o
    desemprego e violência. A violência apresenta-se como o contraponto da educação. Não
    obstante, apesar do elevado índice de crianças sem acesso a creches e pré-escola, esta
    questão não entra na pauta da reinvindicação nacional dos mesmos atores que buscam o
    rebaixamento da idade penal. A educação deve ser vista como um todo: boas creches
    proporcionam melhoria no ensino pré-escolar, fundamental e médio, que por sua vez
    garante alunos melhores preparados para a universidade, que formará bons professores
    que também trabalharão nas creches. Este circulo é que faz a diferença. Agora, se já na
    primeira etapa ocorre à falha, com a falta de creches, o que esperar da evolução do
    sistema? Ao invés de discutir a construção de novas unidades prisionais para receber o
    infrator que terá a sua idade penal rebaixada, seria mais adequado discutir
    nacionalmente, como garantir a educação para todos.
  4. A REVOLTA DA POPULAÇÃO COM O ADOLESCENTE INFRATOR.
    É interessante notar como a população e os meios de comunicação se revoltam
    contra o adolescente autor de ato infracional, solicitando urgentes providências legais e
    legislativas. A mesma performance não se verifica quando, por exemplo, o Brasil foi
    rebaixado no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da ONU ou quando as escolas
    não atingem a média do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Estes dois
    fatores, com certeza, influem na mesma violência que se pretende combater com o
    rebaixamento da idade penal. No entanto, é mais fácil e cômodo buscar esta última
    solução, colocando no infrator adolescente toda a responsabilidade social pela violência.
  5. FALTA DE VARAS ESPECIALIZADAS NA INFÂNCIA E JUVENTUDE.
    O Brasil é desprovido da universalização das varas especializadas da infância e
    juventude nas comarcas. Juízes, Promotores de Justiça, Defensores Públicos e Delegados
    10
    de Policia que atuam na área criminal acabam por realizar este trabalho, que é
    diferenciado, posto que, num primeiro momento, o olhar é mais educativo do que
    punitivo, por conta da formação da criança e do adolescente, com respeito a pessoa em
    desenvolvimento. No entanto, este trabalho deveria ocorrer com a integração
    operacional de todo o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente,
    conforme determina a Lei (art. 88, V do ECA). Ademais, tais varas deveriam ser dotadas
    de equipe especializada (assistentes sociais e psicólogas), o que também não se verifica.
    Em síntese, o sistema judicial infanto-juvenil é falho, mas pior será o direcionamento do
    adolescente infrator para a esfera criminal, sem o devido aparelhamento, formação e
    capacitação.
  6. O QUE IMPLICA A REDUÇÃO DA MENORIDADE PENAL – locais de internação.
    Eventual legislação que reduza a idade para a responsabilização penal traz como
    consequência direta, a necessidade de meios para o cumprimento do determinado
    judicialmente, ou seja, mais cadeias, penitenciárias, casas de internação, ou algo similar.
    Sabe-se que o atual sistema prisional não atende de maneira satisfatória a população
    carcerária existente. Logo, não há como negar que a simples alteração legislativa não
    encontra respaldo necessário para a sua efetividade. Ademais, várias regiões do País
    manifestaram-se contrária a existência de mais penitenciárias ou instituições de
    adolescentes infratores, como se o problema não fosse dela, fazendo com que muitos
    sejam levados a cumprirem a medida em locais distantes de sua residência, dificultando
    ou impedindo a sua ressocialização e convivência familiar.
  7. A PENA COMO FORMA DE REDUÇÃO DA CRIMINALIDADE.
    Conforme esclarece Márcia Milhomens S. Corrêa3
    a ideia de redução da
    maioridade penal “encontra-se inserida em um contexto mais amplo de intensificação da
    reação punitiva como forma de redução da criminalidade, alicerçado no entendimento da
    pena como instrumento de prevenção ao crime. Entretanto, a crise de legitimação pela
    qual atravessa o sistema penal, bem como a ineficácia do sistema punitivo no controle da

3
Caráter Fundamental da Inimputabilidade na Constituição. Rio Grande do Sul: Sérgio Fabris editor,1998, p.
249.
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criminalidade, demonstra que a redução da maioridade penal não se prestaria aos fins
que seus defensores pretendem atingir, ou seja, diminuir os níveis crescentes da
criminalidade”. Ademais, as medidas socioeducativas e as instituições destinadas a sua
execução tem recebido maior investimento na qualificação e profissionalização.

  1. MEIOS ALTERNATIVOS DE TRATAR DA VIOLÊNCIA – justiça restaurativa.
    A aplicação da justiça restaurativa apresenta-se como alternativa válida para
    reduzir a violência praticada por crianças e adolescentes. Trata-se de reunião envolvendo
    a pessoa que causou um dano e aquela que o sofreu, com a participação ou não de outras
    pessoas afetadas, mediata ou imediatamente, por esta conduta causadora de dano (ato
    infracional). O objetivo desta reunião restaurativa é resolver conflitos, impedir que se
    repitam ou venham a tomar maior dimensão, tornando-se mais graves e desgovernados.
    Também visa transformar conflitos em cooperação, capacitando os atores a suportar o
    ônus de decidir o que fazer em circunstâncias difíceis. Esta modalidade de enfrentamento
    da violência está em fase embrionária, sendo que poucos são os locais onde se aplica.
    Mas, sabe-se que é o caminho mais adequado para resolver conflitos envolvendo
    adolescentes, pois oportuniza a restauração do conflito ao invés da simples punição do
    infrator. É o contraponto da justiça punitiva.
  2. RESILIÊNCIA.
    A violência é um fenômeno que envolve diversos fatores, apresentando algumas
    situações que contribuem para a sua ocorrência. Os fatores de riscos universais, como a
    pobreza e a exclusão social, são muitas vezes determinantes da violência que envolve o
    adolescente. Nessa situação, importante a ocorrência da resiliência que se constitui num
    processo final de “proteção, que não eliminam os riscos, mas encorajam os indivíduos a
    enfrentar o risco, as adversidades, de forma satisfatória”. Para tanto, é necessário a
    presença de “redes de apoio social (disponibilidade de recursos externos de apoio, que
    proporcione reforços às estratégias de enfrentamento das situações difíceis da vida) e
    redes de apoio afetivo (desenvolvimento em um ambiente coeso e ausência de conflito
    em ambiente familiar); além da melhoria da qualidade da interação do indivíduoambiente (relação interpessoal entre membros da família, entre grupo de pares etc.)”. Em
    12
    síntese, é através de políticas publicas efetiva que se pode criar ambientes menos
    violento.
  3. A QUESTÃO PSICOLÓGICA NA REDUÇÃO DA IDADE PENAL PARA CRIANÇA E
    ADOLESCENTE (BRASILIA: UNICEF, 2007).
     A adolescência é uma das fases do desenvolvimento dos indivíduos e, por ser um
    período de grandes transformações, deve ser pensada pela perspectiva educativa.
    Buscar o desenvolvimento adequado tanto do ponto de vista emocional e social
    quanto físico;
     É urgente garantir o tempo social de infância e juventude, com escola de
    qualidade, visando condições aos jovens para o exercício e vivência de cidadania,
    que permitirão a construção dos papéis sociais para a constituição da própria
    sociedade;
     A adolescência é momento de passagem da infância para a vida adulta. A inserção
    do jovem no mundo adulto prevê, em nossa sociedade, ações que assegurem este
    ingresso, de modo a oferecer–lhe as condições sociais e legais, bem como as
    capacidades educacionais e emocionais necessárias. É preciso garantir essas
    condições para todos os adolescentes;
     A adolescência é momento importante na construção de um projeto de vida
    adulta. Toda atuação da sociedade voltada para esta fase deve ser guiada pela
    perspectiva de orientação. Um projeto de vida não se constrói com segregação e,
    sim, pela orientação escolar e profissional ao longo da vida no sistema de
    educação e trabalho;
     O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) propõe responsabilização do
    adolescente que comete ato infracional com aplicação de medidas
    socioeducativas. O ECA não propõe impunidade. É adequado, do ponto de vista da
    Psicologia, uma sociedade buscar corrigir a conduta dos seus cidadãos a partir de
    uma perspectiva educacional, principalmente em se tratando de adolescentes;
     O critério de fixação da maioridade penal é social, cultural e político, sendo
    expressão da forma como uma sociedade lida com os conflitos e questões que
    caracterizam a juventude; implica a eleição de uma lógica que pode ser repressiva
    13
    ou educativa. Os psicólogos sabem que a repressão não é uma forma adequada de
    conduta para a constituição de sujeitos sadios. Reduzir a idade penal reduz a
    igualdade social e não a violência – ameaça, não previne, e punição não corrige;
     As decisões da sociedade, em todos os âmbitos, não devem jamais desviar a
    atenção, daqueles que nela vivem, das causas reais de seus problemas. Uma das
    causas da violência está na imensa desigualdade social e, consequentemente, nas
    péssimas condições de vida a que estão submetidos alguns cidadãos. O debate
    sobre a redução da maioridade penal é um recorte dos problemas sociais
    brasileiros que reduz e simplifica a questão;
     A violência não é solucionada pela culpabilização e pela punição, antes pela ação
    nas instâncias psíquicas, sociais, políticas e econômicas que a produzem. Agir
    punindo e sem se preocupar em revelar os mecanismos produtores e
    mantenedores de violência tem como um de seus efeitos principais aumentar a
    violência;
     Reduzir a maioridade penal é tratar o efeito, não a causa. É encarcerar mais cedo a
    população pobre jovem, apostando que ela não tem outro destino ou
    possibilidade;
     Reduzir a maioridade penal isenta o Estado do compromisso com a construção de
    políticas educativas e de atenção para com a juventude. Nossa posição é de
    reforço a políticas públicas que tenham uma adolescência sadia como meta.
    Destaca-se ainda que o sentimento de tempo de um adolescente é mais intenso
    que de um adulto e é a fase mais importante de sua formação.
  4. DROGA E VIOLÊNCIA.
    Hoje, grande parte da nossa juventude tem envolvimento com a droga. Esta por
    sua vez, acaba por desencadear ações de natureza violenta. Assim, a redução da violência
    passa, necessariamente, por uma política pública que contemple o infrator usuário ou
    traficante de droga, posto que muitos delitos são praticados em nome da droga: seja para
    garantir o consumo ou realizados sob o efeito da mesma.
    14
  5. MAIOR PUNIÇÃO AO MAIOR QUE SE ASSOCIA A UM ADOLESCENTE.
    Sabe-se que um dos problemas da atualidade envolve a utilização de crianças e
    adolescentes por pessoa maior de idade ou facção criminosa na prática de atos
    infracionais. Eventual redução da idade penal não afetará tal problema, pois outras
    pessoas, ainda menores de idade, serão recrutadas para a prática de infrações. Assim,
    reduzindo para 16 anos de idade a imputabilidade penal, consequentemente os
    adolescentes de 13, 14 e 15 serão arregimentados.
    Maior punição à pessoa maior de idade ou facção criminosa que se utiliza de
    crianças e adolescentes no cometimento de delitos é uma alternativa que se impõe, para
    salvaguardar a nossa juventude e diminuir o envolvimento dos mesmos em atos ilícitos.
  6. CRIANÇA E ADOLESCENTE FAZENDO VÍTIMAS.
    Criança e adolescentes, dentro do processo social, são muito mais vítimas da
    exploração do que réus no cometimento de delitos. Nenhuma criança já nasce violenta. A
    violência praticada por crianças e adolescentes restringe-se à prática do ato infracional
    (crime e contravenção penal). Essa atitude antissocial, que pode gerar violência
    representa, muitas vezes, uma forma de protesto, de contestação à sociedade que o
    sujeitou a um tipo de existência subumana a que foi condenado. Não são eles que
    definem políticas social, educacional, de saúde, convivência familiar, etc. São os
    destinatários finais das mesmas, sendo que a violência, traduzida em atos antissociais,
    representa uma forma de contestação relativa à negação de tais direitos. “Assim como
    ele se vinga, amplos setores da sociedade querem se vingar nele. Um círculo vicioso,
    enquanto o verdadeiro culpado –o Estado– continua impune. As causas se mantêm
    intocadas” (Brasília: UNICEF, 2007). É possível verificar que a violência (ou os atos
    antissociais) por eles praticada é inferior à violência da qual são vítimas diariamente.
    15.NOVO PARADIGMA EM RELAÇÃO AO ADOLESCENTE INFRATOR.
    Há necessidade de analisarmos e assumirmos outros paradigmas em relação ao
    adolescente infrator. Pode-se, a título exemplificativo traçar um paralelo entre velhos e
    novos paradigmas em relação ao adolescente infrator.
    15
    VELHO PARADIGMA NOVO PARADIGMA
  7. Adolescente infrator objeto de direito. 1. Adolescente infrator sujeito de
    direitos.
  8. Adolescente infrator: problema
    estatal.
  9. Adolescente infrator: problema de
    todos.
  10. Adolescente infrator: solução via
    contenção de liberdade.
  11. Adolescente infrator: solução via
    oferecimento de oportunidades e
    garantia dos direitos fundamentais.
  12. Adolescente Infrator: preconceito e
    marginalização. Isolamento social.
  13. Adolescente infrator: integração e
    inclusão social sem rotulação.
  14. Adolescente infrator: internação como
    solução. Quanto mais longe do meio em
    que vive melhor.
  15. Adolescente infrator: internação como
    exceção. Adolescente que deve
    permanecer em seu meio social e
    familiar.
  16. ALTERAÇÕES DO ECA –
    Uma lei, quando editada, tem seus preceitos com validade para o futuro, de modo
    a serem cumpridos pela sociedade. Esta lei pode consolidar situações existentes e que
    necessitam de uma regulamentação (ex. legislação sobre internet), como também pode
    criar situações novas até então não regulamentadas, apesar de presentes na sociedade
    (ex. Estatuto da Criança e do Adolescente). O certo, porém, é que tais normas tenham
    uma relação direta com a sociedade que as edita. E “toda sociedade humana é dotada de
    mobilidade” (Eduardo Novoa Monreal.). A sociedade está sujeita a mudanças de natureza
    muito variada que, no dizer do citado autor, se “assemelha a um organismo vivo”. Assim
    sendo, é natural que situações anteriormente não previstas na legislação, passem a
    16
    integrar o sistema legal pátrio ou que outras não contempladas integrem a legislação já
    editada.
    A realidade social imperante, que marca o tema da criança e do adolescente,
    acaba por refletir na realidade jurídica, com a edição de leis específicas. O que se
    questiona é se a realidade jurídica que se pretende não é demais para a situação social
    reinante. Assim, não se nega que o ECA pode e deve sofrer alterações para adequá-lo a
    realidade social. O que se contrapõe e a redução da idade, com alteração legislativa, para
    se combater a violência imperante na sociedade.
    D. CONSIDERAÇÕES FINAIS.
    Como se constata, o tema é extremamente complexo e provocador. No entanto,
    há necessidade de informações para que seja analisado de forma adequada, dentro de
    um sistema jurídico.
    Legislar em face de trágicos delitos em que: um rapaz invade uma escola e mata
    várias crianças; em razão da morte de diversas pessoas em uma boate que incendiou; de
    um goleiro de futebol que mata e esconde o corpo de sua ex-companheira; de outra que
    esquarteja o marido, grande empresário, e leva-o numa mala para ocultação do cadáver;
    ou de um adolescente que incendeia uma dentista que não lhe atende satisfatoriamente
    diante de sua ganância material; ou de outro adolescente que mata sua vítima após
    apoderar-se de um celular e uma mochila; é legislar em razão das consequências e não
    das causas que levaram a prática de tais infrações. E como já afirmado: tais fatos
    continuarão a se repetir…
    Agora, quando se busca uma proteção integral para criança e adolescente, infrator
    ou não, está se buscando dar efetividade ao princípio da dignidade humana e da
    igualdade, posto que se “trata de maneira desigual os materialmente desiguais”.
    Dispensa-se uma “proteção especial, em face das peculiaridades do indivíduo ainda em
    desenvolvimento que, por estar em condição de hipossuficiência, demanda uma tutela
    diferenciada por parte, não apenas do Estado, como também da sociedade como um
    todo”4
    .

4
CORRÊA, Márcia Milhomens S. Obra citada, p. 250.