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O DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR:
AÇÕES PREVENTIVAS E REMEDIATIVAS
Luiz Antonio Miguel Ferreira1
- INTRODUÇÃO.
Ao tratar do tema referente ao direito à convivência familiar, duas premissas se
apresentam como elementares para a correta compreensão da questão:
a) Que o “ser humano não sobrevive isolado do contexto social e familiar, tendo
como característica básica à vivência em grupo” (CLEMENTE e SILVA. 2000,
p. 115).
b) Que a família apresenta-se como o local fundamental para o desenvolvimento
sadio da criança ou do adolescente.
Nas referidas premissas encontra-se, atualmente, a origem do direito à convivência
familiar. Isto porque, a relação que se estabelece entre o ser humano que necessita viver
em grupo e a família como lócus privilegiado para o desenvolvimento da criança e do
adolescente, apresenta sua origem no nascimento. A ligação neste caso é física, orgânica,
pois um cordão umbilical une a mãe ao filho. Mesmo com o rompimento deste cordão, a
ligação permanece diante da existência de outros vínculos que se aperfeiçoam e
desenvolvem, como os vínculos afetivo, psicológico e social. É, pois, na família que o ser
humano encontra o seu primeiro grupo social.
Decorre desta relação à importância da família e do direito da criança e do
adolescente nela conviver e integrar para o seu completo desenvolvimento. Nesse sentido,
os autores são unânimes.
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Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo. e-mail: lamfer@stetnet.com.br – Agosto
2003
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“É no seio da família que se reproduz uma ideologia, que se
transmitem às normas, os valores dominantes, que constituem o suporte das
relações sociais, numa dada sociedade”. E mais: “A família constitui, como
bem precisam os sociólogos, o primeiro lugar de aprendizagem dos valores
e dos papéis mais fundamentais como as noções de troca, de
companheirismo, de respeito mútuo, de ordem, o sistema de penalizações,
de responsabilidade, de disciplina, a relação homem-mulher e a relação
mãe e criança”. (LEITE, 1994, p. 79 e 80).
Na visão antropológica, o tema é assim explicado:
“A antropologia diz que o homem se reúne em família não só por
causa das necessidades instintivas, mas também por algo de ordem
simbólica, no sentido de estar no mundo, isto é, a necessidade de
comunicação. Portanto, o que faz o homem viver em família é sua natureza
social. É o movimento em direção ao outro que o faz associar-se
permanentemente”. (SARTI, 1999, p. 45).
Na Declaração Mundial sobre a sobrevivência, a proteção e o desenvolvimento da
criança nos anos 90, ficou expressamente consignado:
“A família é a principal responsável pela alimentação e pela
proteção da criança, da infância à adolescência. A iniciação das crianças
na cultura, nos valores e nas normas de uma sociedade começa na família.
Para um desenvolvimento completo e harmonioso de sua personalidade, a
criança deve crescer num ambiente familiar, numa atmosfera de felicidade,
amor e compreensão”. (KALOUSTIAN, 2002, p.7).
Diante das premissas apresentadas, que ressaltam a importância da família no
desenvolvimento das crianças e dos adolescentes, duas conseqüências se apresentam:
a) Que o Poder Público, as instituições, a sociedade e a comunidade em geral devem
respeitar e apoiar os esforços dos pais no desenvolvimento da criança num
ambiente familiar adequado. Centram-se estas ações em políticas sociais públicas e
programas (ou projetos) que visam garantir o direito à convivência familiar.
b) A lei, reconhecendo tal importância lhe garante normatividade.
Nesse sentido, estabelece a legislação:
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Constituição Federal:
Artigo 226 – A família, a base da sociedade, tem especial proteção
do Estado.
Estatuto da Criança e do Adolescente:
Artigo 19 – Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e
educado no seio da família e, excepcionalmente, em família substituta,
assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da
presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes.
No entanto, se hoje há esta unanimidade em torno da família e do direito à
convivência familiar, no passado, esta questão não se apresentava da mesma maneira. A
rejeição a criança e ao adolescente por parte da própria família era a regra e não encontrava
qualquer resistência por parte do Estado, da sociedade e das leis.
- DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E A REJEIÇÃO DA CRIANÇA E
DO ADOLESCENTE.
Na verdade, a criança foi tida como estranha até o século XVIII e era desprezada
por seus próprios pais naturais que as tinham como estorvo. A ordem era se livrar das
crianças sem qualquer sentimento de culpa. Esta situação somente foi desaparecendo com
o surgimento da família burguesa, quando então as crianças são incorporadas no grupo e se
desenvolve o amor materno. No entanto, o aparecimento da família burguesa mudou em
parte este cenário, pois se antes dela todas as crianças, ricas ou pobres estavam sujeitas ao
abandono, com o seu surgimento, passam a ser exposto o diferente, o pobre e o
marginalizado.
Numa retrospectiva histórica, é possível constatar este sentimento de abandono em
relação à criança e a sua privação da convivência familiar. SANTOS (2002), relata que a
idéia da infância data do século XVIII e que antes disso não havia a preocupação
especifica com essa faixa etária. Infância, cuja etimologia significa in fans (ou o sem fala)
era vista como um estágio monstruoso, quase animalesco, de seres não dotados de razão,
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impotentes, frutos do pecado, estando sujeitos a morte, espancamentos e abandono, posto
que as idéias de amor maternal e amor familiar inexistiam.
Como exemplo desta situação, apresenta alguns pensamentos:
a) Platão – século V a.C.
Considera que: A criança é de todos os animais o mais intratável, o mais ardiloso, o
mais hábil e o mais atrevido de todos os bichos.
b) Aristóteles – século IV a.C.
A criança é um ser imperfeito porque inacabado devendo ser submetido à
autoridade do homem adulto até ficar pronto.
c) Santo Agostinho – século IV
Logo que nasce, a criança é símbolo da força do mal, um ser imperfeito esmagado
pelo peso do pecado original (…) a infância é o mais forte testemunho de uma condenação
lançada contra a totalidade dos homens, pois ela evidencia como a natureza humana
corrompida se precipita para o mal…
Santo Agostinho justificava de antemão todas as ameaças, as varas e palmatórias
para educar um ser de natureza tão desajustada.
d) Século XVI
Os pedagogos recomendavam aos pais friezas no trato dos filhos, lembrando-se
sempre de sua malignidade natural. Condenavam a doçura no trato das crianças.
No aspecto da convivência familiar, SANTOS (2002) transcrevendo os
ensinamentos de ELIZABETH BADINTER (“Um amor conquistado. O mito do amor
materno”) relata a questão das amas de leite (as primeiras famílias substitutas – guardiãs
de fato das crianças). Considera que desde o século XIII havia a prática da contratação de
amas de lei para o cuidado dos bebês, que logo que nasciam eram entregues às essas
profissionais, distanciando-as da casa dos pais. Relata que:
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a) Os casais mais humildes recolhiam as crianças alheias para amamentá-las,
abandonando suas próprias ou as nutrindo de maneira indevida.
b) As crianças eram enviadas para amas de leite distantes da casa dos pais (quanto
mais pobres, para mais longe iam). Muitas morriam ou voltavam mutiladas da
casa das amas miseráveis que recolhiam muitas crianças para ganhar mais (já
que recebiam por criança) e não cuidavam delas.
c) As mortes das crianças eram aceitas sem sofrimento. Quando um pai sofria pela
morte de um filho, esse sentimento era visto com curiosidade e precisava ser
justificado.
d) As mulheres não estavam dispostas a sacrificar seu lugar e posto na corte, ou
simplesmente sua vida social e mundana, para criar os filhos. O primeiro ato de
rejeição era a recusa do aleitamento materno.
A ausência da convivência familiar era caracterizada da seguinte forma: 1) primeiro
colocava-se a criança na casa de uma ama de leite; 2) após o retorno ao lar, com o seu
desenvolvimento era encaminhada para um convento ou internato. O lapso de tempo em
que convivia com a família era extremamente pequeno.
Com o advento do século XVIII o cuidado com as crianças nas famílias passou a
existir, dando origem a uma convivência familiar diferente da experimentada
anteriormente. Segundo BADINTER (SANTOS, 2002) é no último terço do referido
século que a imagem da mãe, de seu papel e de sua importância modifica-se radicalmente.
O novo imperativo é a sobrevivência das crianças, com uma modificação da postura inicial
das famílias que as abandonavam. Três fatores se apresentaram como decisivos para esta
mudança de concepção: a) um discurso econômico (a importância da população para um
país); b) um discurso médico (é saudável amamentar); c) um discurso filosófico (a família
como sociedade natural, o cuidado com o filho, a felicidade familiar).
Toda esta história de rejeição à criança, com evidente prejuízo à convivência
familiar, acompanhou a própria evolução da família, sendo que foi a partir da família
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nuclear burguesa, calcada na monogamia e no trabalho doméstico da mulher que a criança
passou a ser reconhecida. Seguindo esta evolução, aparece a família patriarcal,
caracterizada por uma hierarquia vertical, centrada no matrimônio.
Hoje, experimenta-se um novo modelo familiar, ou seja, a família nuclear
moderna, caracterizada pelo ingresso da mulher no mercado de trabalho; a igualdade de
direitos entre os cônjuges com divisão de tarefas na vida comum; o casamento não se
apresenta como fonte primária de procriação com liberdade na questão da filiação e as
relações se firmam numa linearidade. A garantia da convivência familiar não é uma
obrigação imposta somente à mulher e passa a ser compartilhada com o homem, quando da
vida comum. Nesse sentido arremata BADINTER:
“… de agora em diante, as mulheres obrigarão os homens a serem
bons pais, a dividirem eqüitativamente não só os prazeres como também os
encargos, as angustias e os sacrifícios da maternidade”
(in: LEITE, 1994, p. 19).
Desta forma, com a gradativa mudança na concepção de criança, contemplando-a
como sujeitos de direitos e diante das transformações ocorridas na organização familiar,
que culminou com a família moderna, é que se verificou uma preocupação com o direito a
convivência familiar, como uma das formas de se alcançar o desenvolvimento sadio e
harmonioso dos filhos. - A NORMATIVIDADE DO DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR.
Conforme foi evoluindo a concepção e o papel da família como lócus privilegiado
para o desenvolvimento da criança, paralelamente foi se construindo toda uma
normatividade que lhe dava garantia e respaldo.
Como uma das primeiras referências à importância da família, apresenta-se a
DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS – ONU – de 10 de
dezembro de 1948, que estabeleceu:
ARTIGO XVI – (1) Homens e mulheres de maior idade, sem qualquer
restrição de raça, nacionalidade ou religião, têm o direito de contrair
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matrimônio e constituir família. Gozam de iguais direitos em relação ao
casamento, sua duração e sua dissolução.
(2) O casamento não será válido senão com o livre e pleno
consentimento dos pretendentes.
(3) A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem
direito à proteção da sociedade e do Estado.
Na DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DA CRIANÇA, aprovada pelas Nações
Unidas em 20 de novembro de 1959, ficou expressamente consignado no Princípio VI:
“A criança necessita de amor e compreensão, para o
desenvolvimento pleno e harmonioso de sua personalidade; sempre que
possível, deverá crescer com o amparo e sob a responsabilidade de seus
pais, mas, em qualquer caso, em um ambiente de afeto e segurança moral
e material; salvo circunstâncias excepcionais, não se deverá separar a
criança de tenra idade de sua mãe. A sociedade e as autoridades públicas
terão a obrigação de cuidar especialmente do menor abandonado ou
daqueles que careçam de meios adequados de subsistência. Convém que se
concedam subsídios governamentais, ou de outra espécie, para a
manutenção dos filhos de famílias numerosas”.
Na CONVENÇÃO NAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE OS DIREITOS DA
CRIANÇA, de 20 de novembro de 1989, a questão foi mais detalhada e específica, ficando
consignado:
Preâmbulo
“Os Estados Partes declaram-se convencidos de que a família, como
elemento básico da sociedade e meio natural para o crescimento e o bemestar de todos os seus membros, e em particular das crianças, deve receber
proteção e assistência necessárias para poder assumir plenamente suas
responsabilidades na comunidade”
Preâmbulo
“.. a criança, para o pleno e harmonioso desenvolvimento de sua
personalidade, deve crescer no seio da família, em um ambiente de
felicidade, amor e compreensão.
Artigo 09.
“Os Estados Partes velarão para que a criança não seja separada
de seus pais contra a vontade desses, exceto quando, de acordo com decisão
judicial, as autoridades competentes determinem, de acordo com a Lei os
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procedimentos aplicáveis que tal separação é necessária ao interesse
superior da criança”.
Esta normatividade internacional influenciou diretamente a legislação pátria que
reconheceu a importância da família (natural e substituta) e garantiu o direito a
convivência familiar. É o que estabelece a Constituição Federal (art. 226) e o Estatuto da
Criança e do Adolescente (art. 19). Estas legislações trataram de especificar o que
entendem por família natural (a comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e seus
descendentes – art. 226, § 4º da CF. e art. 25 do ECA) e família substituta (nas
modalidades de guarda, tutela e adoção – art. 28 do ECA).
Hoje, a legislação nacional é suficiente para garantir o direito à convivência
familiar, sendo que a efetivação do mesmo se deve mais a uma questão política do que
legislativa. Há necessidade de ações que busquem promover a família para a garantia do
direito a convivência familiar. - MEDIDAS PARA SE TORNAR EFETIVO O DIREITO À CONVIVÊNCIA
FAMILIAR – ações preventivas e remediativas
Nesse sentido, as ações que visam garantir o direito à convivência familiar devem
ter três focos distintos:
a) Em primeiro lugar e de forma privilegiada, devem ser desenvolvidas ações para
a manutenção dos vínculos com a família natural;
b) Num segundo plano, não menos importante, as ações devem direcionar-se para
a colocação em família substituta.
c) Por fim, os abrigos onde muitas crianças encontram-se aguardando a
concretização do direito à convivência familiar (quer na família natural ou
substituta).
GOMES DA COSTA (1993, p. 45) aponta que a estratégia de atenção à família
(natural ou substituta) deve ser apoiada nos seguintes eixos:
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Promoção da família: que deve preservar a manutenção do vínculo familiar,
para que nenhuma criança seja separada de seus pais por motivo de pobreza.
Formação da vida familiar: busca formar os pais, transmitindo conhecimentos
básicos como a importância do diálogo, qualidade de convivência entre as
gerações, educação sexual, preparação dos jovens para o mundo do trabalho,
gravidez precoce, uso de drogas, violência familiar, relações da família com a
escola, impacto dos meios de comunicação sobre a família, entre outros temas.
Orientação e proteção às famílias: neste caso, há necessidade de uma estrutura,
de um serviço próprio e pode ir desde o fornecimento de informações acerca do
acesso a serviços ou de mecanismos legais, até o aconselhamento para
enfrentamento e solução de problemas humanos mais complexos vividos no
interior da família, como, por exemplo, violência, drogadição, prostituição,
delinqüência. Este trabalho requer pessoal especializado como assistentes
sociais, psicólogos, advogados, educadores, etc.
BECHER (2002, p. 74/75) arrola, de forma exemplificativa, algumas medidas
concretas para a garantia do vínculo, com relação à família natural e substituta. Esclarece a
autora:
Apoio ao vínculo familiar:
Promover programas de assistência social especialmente destinados a
complementar a renda das famílias empobrecidas, para que possam criar e
educar seus filhos.
Disseminar a criação de equipamentos sociais e educacionais para o cuidado
das crianças durante o período de trabalho de seus pais (creches, centros de
convivência, etc.).
Organizar programas de assistência e orientação psicossocial a famílias em
situação de crise e àquelas mais vulneráveis, como as uniparentais;
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Estimular as entidades e as agências de cooperação internacional, no campo
da proteção à infância, a operar preferencialmente com programas que
preservem os vínculos familiares e culturais da população atingida.
Colocação em família substituta:
Dar preferência, nos casos de crianças necessariamente afastadas de seus
pais biológicos, a soluções dentro da família extensa (avós, tios, etc.) ou da
comunidade onde ela vive;
Nos casos em que a adoção for à medida mais adequada, privilegiar os
candidatos nacionais;
Criar preferencialmente junto aos juizados da infância e da juventude,
serviços especializados que procedam à seleção de famílias adotivas, com
critérios que contemplem as condições afetivas e a motivação para o
exercício da maternidade e paternidade, e o acompanhamento e orientação
do processo de integração da criança à nova família;
Evitar todas as formas de “adoção independente”, em que os futuros pais
adotivos tomam a si o encargo de “selecionar” crianças a serem adotadas;
Nos casos excepcionalíssimos em que uma adoção internacional for
considerada a única forma de proteger o direito da criança ou adolescente à
convivência familiar, vedar, de todos os modos, a adoção independente;
respeitar o que estabelece a legislação quanto à habilitação e o processo
judicial de adoção.
Abrigos
Quanto aos abrigos, as medidas a devem se direcionar:
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No aspecto judicial: acelerar o andamento dos procedimentos instaurados
em relação à criança ou ao adolescente, com o objetivo de possibilitar
julgamento e posterior encaminhamento à família (natural ou substituta).
No aspecto familiar: desenvolver ações junto às famílias naturais ou
substitutas para definição da situação da criança ou do adolescente.
Na verdade, todas estas ações estão contempladas no Estatuto da Criança e do
Adolescente como medidas de proteção ou medidas aplicáveis aos pais, necessitando
apenas a sua efetiva implantação. E nesse particular, o Poder Judiciário, o Ministério
Público, os Conselhos Municipais de Direitos e o Tutelar assumem relevância especial
posto que responsáveis, junto com o Poder Executivo, da efetivação de políticas públicas e
programas que venham contemplar a garantia do direito à convivência familiar.
Ações judiciais de natureza social que contemplam o direito à convivência familiar
passaram a integrar a rotina dos julgamentos de nossos Tribunais, com a “análise de
questões que nunca haviam sido enfrentadas”. Esta nova sistemática foi denominada por
Fábio Konder Comparado como a “judicialização das políticas públicas que leva os
membros do Judiciário a não só dizer o direito tido como justo, mas também a preencher
determinados conceitos a partir da interpretação constitucional” (FRISCHEISEN, 2000, p.
18).
Contempla-se, com estas ações, uma evolução do direito à convivência familiar,
pois se antes o mesmo era garantido por meio de uma rede de solidariedade (comunitária
ou religiosa) agora a questão diz respeito à própria cidadania da criança, o que implica em:
a) Capacitação, competência técnica e compromisso ético das pessoas que
lidam com esta questão. Não se pode mais contar apenas com a boa
vontade ou solidariedade para enfrentar os problemas oriundos da relação
pais e filhos;
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b) Atendimento à criança e ao adolescente como um direito fundamental e
não como uma ação assistencialista ou paternalista, caracterizada pela
submissão, de quem se vê recebendo um favor.
Com esta visão de direito à convivência familiar ligada à própria cidadania da
criança e do adolescente, torna-se mais fácil compreender o espírito da lei quanto ao tema. - FORMAS DE SE GARANTIR O DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR.
Várias são as formas de se garantir o direito à convivência familiar, sendo que os
projetos e programas recebem designações das mais diversas como: apadrinhamento
afetivo, grupos de apoio, famílias de apoio, família solidária, pastorais, grupos de autoajuda, etc.
Estes programas e projetos são desenvolvidos pelo Poder Público, Judiciário,
(através dos técnicos), Ministério Público, abrigos, ONGS, Agências internacionais e a
comunidade em geral e tem como principal objetivo garantir o desenvolvimento sadio e
harmonioso da criança, inicialmente no próprio lar e de forma alternativa, no lar substituto,
sob a modalidade de guarda, tutela e adoção.
Como exemplo prático destes projetos, são apresentados dois que contemplam
ações preventivas e remediativas, com intervenção junto à criança, o adolescente e a
família.
a) ASSESSORAMENTO JURÍDICO JUNTO AOS ABRIGOS: tem por objetivo
agilizar os procedimentos em trâmite junto à Vara da Infância e da Juventude,
com o objetivo de solucionar de forma mais rápida e eficaz a situação da
criança ou do adolescente, com vista ao retorno à família natural ou colocação
em família substituta. Em Santos (SP) este trabalho é realizado pela
“Associação Comunidade Mãos Dadas” através de convênio com a Faculdade
de Direito e os Abrigos. Em Pres. Prudente (SP) este trabalho está sendo
desenvolvido pelos estagiários do Ministério Público.
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b) GRUPOS DE APOIO ÀS PESSOAS QUE JÁ ADOTARAM: trata-se de um
acompanhamento realizado após a adoção, para superar as dificuldades dos
“pais que não tiveram a oportunidade de gestar o filho por nove meses” e
integrar a criança à família de forma absoluta. Esta intervenção tem a finalidade
de evitar que ocorram adoções, que de alguma maneira poderiam estar fadadas
ao insucesso, com evidente violação ao direito à convivência familiar.
A intervenção prévia da equipe técnica, não representa a garantia de
uma adoção com sucesso. Não raras vezes, os encaminhamentos preliminares
da adoção não surtem os efeitos desejados, aparecendo problemas posteriores
decorrentes na nova relação estabelecida. Por outro lado, muitas situações
podem ser camufladas durante o processo de adoção, uma vez que, até a sua
finalização “os pais adotivos sentem que eles e a criança estão sendo avaliados,
sentem-se inseguros quanto aos resultados desta avaliação, o que por sua vez
dificulta à condução do estado de intimidade” (MOTTA, 2000, p. 125) e das
relações a serem estabelecidas pela nova família. Questões anteriormente
tratadas, como a revelação e preconceito, passam a fazer parte do cotidiano
desta nova família, necessitando os pais adotivos de auxílio direto “para
detectar e solucionar as ameaças que imaginam envolvidas na adoção com
medo de não conseguir competir com a memória real ou fantasiada dos pais
naturais, sentimentos de incapacidade para exercer a função de pais,
etc.”(MOTTA, 2000, p. 127).
O certo é que, uma vez deferida a adoção, a mesma é irrevogável, com a
elaboração de nova certidão de nascimento que possibilita até a alteração do
nome do menor. Porém, esta nova situação jurídica da criança ou do
adolescente adotado não altera a situação pessoal e emocional pela qual passou.
Assim, se juridicamente é possível estabelecer uma nova família, apagando-se
inclusive os registros anteriores, emocionalmente o problema é mais delicado.
Deflui-se desta situação, que o acompanhamento posterior à concretização da
adoção, é extremamente útil, para que o ciclo adotivo se complete
satisfatoriamente, com a efetiva garantia do direito à convivência familiar.
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Como ponto de reflexão sobre o tema, merece uma análise final a questão das
CRECHES.
A Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional trataram da creche como a primeira etapa da
educação infantil, destinadas as crianças de até três anos de idade. O objetivo do legislador
foi dar inequívoco caráter educacional a este sistema, apontando-o como um direito da
criança, procurando afastar a vinculação tradicionalmente feita com a assistência social.
No entanto, não obstante esta legislação, a realidade ainda contempla creche com
este caráter assistencial, sendo que famílias ainda as vêem como alternativa para criação e
educação de seus filhos.
CAMPOS, ROSEMBERG e FERREIRA (1995, p. 106) afirmam que as creches
devem desempenhar duas funções essenciais:
Educacional – no sentido amplo, que responde às necessidades do
desenvolvimento infantil nos primeiros anos de vida;
Guarda – complementando os cuidados com a criança fornecidos pela família,
atendendo às necessidades dos pais que trabalham foram de casa, entre outras.
Acrescentam ainda, uma função assistencial em relação àquelas faixas mais
empobrecidas da população, para as quais a creche e a pré-escola podem estar
desempenhando também um papel de “salário indireto”, fornecendo alimentação e
cuidados de saúde essenciais à criança.
Na função assistencial que a questão do direito à convivência familiar merece
reflexão. Isto porque, muitas famílias estão se privando da convivência dos filhos para
colocá-los nas creches como forma de sobrevivência. Não se questiona que a creche é um
direito da criança (e não dos pais) e que o Poder Público deve oferecê-la a todos
necessitam. Porém, ciente da dificuldade do Poder Público em atender toda a demanda e
que o direito a convivência familiar deve ser colocada como prioridade, ações devem ser
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desenvolvidas para que as creches não assumam apenas o caráter assistencial, como forma
alternativa de se criar e educar o filho, privando-os da convivência da família. - CONSIDERAÇÕES FINAIS.
O bem estar de uma criança ou adolescente encontra na convivência familiar seu
elemento básico e fundante. Garantir à família (natural ou substituta) apoio, orientação,
formação, promoção e sustentação, através de políticas sociais públicas e programas,
apresenta-se indispensável, constituindo fator decisivo para a garantia dos direitos
fundamentais da criança e do adolescente.
Pois, não obstante a transformações ocorridas na sociedade, no campo social,
econômico, cultural, ético e político, permanece o consenso em torno da família como
espaço privilegiado para o desenvolvimento da criança e do adolescente. Ela é à base de
tudo e uma das formas de se transformar criança em filhos, cidadãos do mundo.
“En síntesis, la familia es la instancia social donde se encuentran el
pasado, el presente y el futuro, y donde se juega el bienestar de las
personas y de la sociedad total” (Mickle, M.M.)
16 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
BECHER, Maria Josefina. A ruptura dos vínculos: quando a tragédia acontece. IN. Família
brasileira: a base de tudo. Sílvio Manoug Kaloustian (organizador). 5ª edição. São Paulo:
Cortez, 2002.
CAMPOS, Maria Malta, ROSEMBERG, Fúlvia e FERREIRA, Isabel M. Creches e préescolas no Brasil. 2ª edição. São Paulo: Cortez Editora; Fundação Carlos Chagas, 1995.
CLEMENTE, Maria Luzia e SILVA, Vilma Regina. A guarda de filhos como suporte para
que os laços da união sejam mantidos. In: Direito de Família e Ciências Humanas. São
Paulo: Editora Jurídica Brasileira, 2000 (Cadernos de estudos n.º 03). Vários autores.
FRISCHEISEN, Luiza Cristina Fonseca. Políticas públicas – A responsabilidade do
administrador e o Ministério Público. São Paulo: Ed. Max Limonad, 2000.
GOMES DA COSTA, Antônio Carlos. É possível mudar. Série: Direitos da Criança. São
Paulo: Malheiros Editores, 1993.
KALOUSTIAN, Manoug (organizador) Família brasileira: a base de tudo. 5ª edição. São
Paulo: Cortez, 2002.
LEITE, Eduardo de Oliveira. Temas de Direito de Família. São Paulo: Ed. RT, 1994.
MOTTA, Maria Antonieta Pisano. Adoção – Algumas contribuições psicanalíticas. IN:
Direito de Família e Ciências Humanas. São Paulo: Editora Jurídica Brasileira, 2000
(Cadernos de Estudos: n.º 01)
SANTOS, Gislene. Aspectos filosóficos da adoção. Mimeo. Palestra proferida na III
Jornada de Adoção de Presidente Prudente. 2002.
SARTI, Cynthia Andersen. Família – Visão Antropológica. In:Direito à Convivência
familiar e Comunitária. São Paulo: Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social,
1999.