Judicializaçãio da educação infantil, o trabalho dos professores e a qualidade da educação: Relações possíveis

Judicializaçãio da educação infantil, o trabalho dos professores e a qualidade da educação: Relações possíveis

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JUDICIALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO INFANTIL,
O TRABALHO DOS PROFESSORES E A QUALIDADE DA EDUCAÇÃO:
RELAÇÕES POSSÍVEIS.
Carlos Roberto Jamil Cury1
Luiz Antonio Miguel Ferreira2

  1. Introdução. 02. Judicialização da educação. 03.
    Relações firmadas entre a judicialização e a educação
    infantil. 04. Considerações finais. 05. Referências
    bibliográficas.
    Resumo: O presente artigo tem como objetivo discutir a
    judicialização da educação infantil e os reflexos que
    proporcionam nas condições de trabalho do profissional
    da educação. Tendo como foco o direito à educação e à
    discussão judicial de temas relacionados com as creches,
    busca traçar as consequências que as decisões judiciais
    acarretam para os professores, em especial no que diz
    respeito à falta de vagas e recesso ou férias. Proporciona,
    também, uma reflexão sobre a questão da qualidade da
    educação infantil e as consequências das decisões judiciais
    a respeito do tema.
  2. INTRODUÇÃO.
    Num passado não muito remoto, a primeira etapa da educação infantil –
    creche – tinha um caráter assistencial que objetivava garantir o trabalho para as
    mães, ou seja, era considerado um direito da mãe trabalhadora, a ponto da
    legislação trabalhista estabelecer a necessidade de creche em estabelecimentos
    em que trabalhassem trinta (30) ou mais mulheres de acordo com a redação

1
Professor Titular da UFMG (aposentado); Professor Adjunto da PUC Minas.
2
Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo. Integrante do Grupo de
Atuação Especial em Educação – GEDUC REGIÃO DE PRES. PRUDENTE. Mestre em Educação pela
Unesp. novembro/2016.
2
original do art. 389 da Consolidação das Leis do Trabalho, Decreto-Lei nº
5.452/1943.
Assim, as creches constituíam-se num modelo assistencial às crianças, mas
tendo como foco a genitora. Por outro lado, a legislação educacional fazia
breves e genéricas referências a escolas maternais ou jardins de infância em geral
sob a rubrica de pré-primário como é o caso dos artigos 23 e 24 da Lei nº 4.024/61
e não o consignando como direito. Com o advento da Constituição Federal de
1988, ficou expressamente estabelecido que a educação infantil é um direito
relativo à educação a que faz jus a criança de até 05 anos de idade, mediante o
dever do Estado. Assinale-se que a educação infantil se distingue em creche (0 a
3 anos) e pré-escola (4 a 5 anos).
Nesse sentido, pontua a Constituição Federal:
Art. 208. O DEVER DO ESTADO com a educação será efetivado
mediante a garantia de:
…..
IV – Educação infantil, em CRECHE e pré-escola, às crianças até 5
anos de idade.
VII – atendimento ao educando, em todas as etapas da educação
básica, por meio de programas suplementares de material
didáticoescolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.
Verifica-se que a lei maior não apenas estabeleceu como dever do Estado a
garantia da creche, como também do atendimento mediante programas
suplementares de material didáticoescolar, transporte, alimentação e assistência.
Porém, não obstante esta norma, o efetivo reconhecimento deste direito
somente ocorreu quando do julgamento do RE 467255, em 22 de fevereiro de
2006, pelo Supremo Tribunal Federal, onde ficou decidido:
CRIANÇA DE ATÉ SEIS ANOS DE IDADE. ATENDIMENTO EM
CRECHE E EM PRÉ-ESCOLA. EDUCAÇÃO INFANTIL. DIREITO
ASSEGURADO PELO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL (CF,
ART. 208, IV). COMPREENSÃO GLOBAL DO DIREITO
CONSTITUCIONAL À EDUCAÇÃO. DEVER JURÍDICO CUJA
EXECUÇÃO SE IMPÕE AO PODER PÚBLICO, NOTADAMENTE AO
MUNICÍPIO (CF, ART. 211, § 2º). RECURSO EXTRAORDINÁRIO
CONHECIDO E PROVIDO.
3
Consta expressamente da decisão:
A educação infantil representa prerrogativa constitucional
indisponível que, deferida às crianças, a estas assegura, para
efeito de seu desenvolvimento integral, e como primeira etapa
do processo de educação básica, o atendimento em creche e o
acesso à pré-escola (CF, art. 208, IV). Essa prerrogativa jurídica,
em consequência, impõe, ao Estado, por efeito da alta
significação social de que se reveste a educação infantil, a
obrigação constitucional de criar condições objetivas que
possibilitem, de maneira concreta, em favor das “crianças de
zero a seis anos de idade” (CF, art. 208, IV)3
, o efetivo acesso e
atendimento em creches e unidades de pré-escola, sob pena de
configurar-se inaceitável omissão governamental, apta a
frustrar, injustamente, por inércia, o integral adimplemento,
pelo Poder Público, de prestação estatal que lhe impôs o
próprio texto da Constituição Federal.
Apontou o Supremo Tribunal Federal que a oferta de creche não se
qualifica como um ato discricionário da Administração Pública e “nem se
subordina às razões de puro pragmatismo governamental”. Os municípios “não
poderão demitir-se do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que
lhes foi outorgado pelo artigo 208, IV da Lei Fundamental da República, que
representa fator de limitação da discricionariedade político-administrativa”.
Posteriormente, com o advento da emenda constitucional nº 53/09 e da
pressão de muitos educadores, a educação infantil foi contemplada com um
porcentual do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e
de Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB, cuja regulamentação se
deu pela Lei nº 11.494/2007, no artigo 36.
Após esta decisão do STF e da Lei nº 11.494/2007, os reflexos foram sentidos
por todos os interessados, ou seja, dos tribunais às prefeituras, isto porque, se a
justiça anteriormente não reconhecia expressamente este direito4
, com a decisão

3 Vale ressaltar que a redação original do artigo 208, IV, estabelecia o direito às crianças de zero a
seis anos de idade. Porém, com a Emenda Constitucional nº 53, de 2006, tal direito ficou
assegurado às crianças de zero a cinco anos de idade.
4 Antes desta decisão, havia posicionamentos judiciais contrários ao direito da creche,
fundamentando-se no sentido de que a creche não se enquadraria como direito público subjetivo,
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do Supremo Tribunal Federal passou a dar efetividade a tal comando, obrigando
os municípios a ofertarem a creche a toda criança, desde que o pai ou
responsável manifestasse interesse. Isto porque o pai não tem a obrigação de
matricular o filho na creche, mas, sim, na educação básica obrigatória e gratuita
dos 04 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade (Art. 208, I da CF e Lei nº
13.005/2014). No entanto, a partir do momento que manifesta o desejo de
colocar a criança na creche, surge, em contrapartida, a obrigação do Poder
Público (município) de oferecê-la em quantidade e qualidade suficientes.
Ademais, o município passou a receber um valor do Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da
Educação – FUNDEB, para garantir este direito. Em síntese: reconheceu
expressamente o direito à creche e garantiu-lhe o financiamento.
Pois bem. Tendo a lei consagrado o direito à creche como um direito da
criança de até 03 anos de idade, impondo a obrigação de sua oferta pelo
Município, é óbvio que esta mudança de paradigma proporcionou discussão no
âmbito judicial, não somente em relação à oferta de vagas, mas também no
tocante a outros temas como financiamento adequado, férias, qualidade da
educação, alimentação, transporte e outros, proporcionando uma verdadeira
judicialização da educação infantil.
O problema é que esta judicialização realizada no âmbito do poder
judiciário acarreta consequências reais e imediatas não só em relação ao poder
público (gestor), como também ao processo pedagógico, envolvendo todos os
servidores (com especial atenção ao professor – executor), crianças, pais e
responsáveis.
Tendo como parâmetro tal situação, o presente artigo busca analisar as
consequências da judicialização da educação infantil em relação ao professor,
abordando alguns temas específicos e sugerindo uma reflexão sobre o problema
que atinge grande número de municípios brasileiros, tendo como foco a questão
da qualidade da educação.

posto que não é considerada obrigatória e que o PJ não poderia interferir na esfera da decisão
discricionária do Poder Executivo, em face do princípio constitucional da separação dos poderes.
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  1. JUDICIALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO.
    É certo que o reconhecimento legal do direito à educação infantil – creche –
    por si só não traria tanta discussão no âmbito do Poder Judiciário, se não fosse a
    legitimação conferida pela lei ao Ministério Público e Defensoria Pública para
    buscar a garantia e efetividade do direito através de ações judiciais individuais e
    coletivas. Assim, além dos pais ou responsáveis, o Ministério Público e a
    Defensoria Pública também passaram a atuar para fazer valer os direitos
    previstos na Constituição Federal no que diz respeito à educação, e em especial,
    com a educação infantil.
    Com isso, como já afirmamos, “o Poder Judiciário passou a ter funções mais
    significativas na efetivação desse direito. Inaugurou-se no Poder Judiciário uma
    nova relação com a educação, que se materializou através de ações judiciais
    visando a sua garantia e efetividade. Pode-se designar este fenômeno como a
    JUDICIALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO, que significa a intervenção do Poder Judiciário
    nas questões educacionais em vista da proteção desse direito até mesmo para se
    cumprir as funções constitucionais do Ministério Público e outras instituições
    legitimadas” (FERREIRA, L. A.M., CURY, C.R.J. A Judicialização da Educação,
    2010).
    No mesmo sentido, Álvaro Chrispino e Raquel Chrispino apontam “a
    judicialização das relações escolares como aquela ação da Justiça no universo da
    escola e das relações escolares, resultando em condenações das mais variadas”
    (A Judicialização das relações escolares e a responsabilidade civil dos
    educadores, 2008).
    Em síntese, a judicialização da educação está diretamente relacionada com
    o disposto no artigo 208 da Constituição Federal. Com efeito, estabelece o citado
    artigo:
    Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado
    mediante a garantia de:
    I – educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17
    (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta
    gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade
    própria;
    II – progressiva universalização do ensino médio gratuito;
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    III – atendimento educacional especializado aos portadores de
    deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;
    IV – educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5
    (cinco) anos de idade;
    V – acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da
    criação artística, segundo a capacidade de cada um;
    VI – oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do
    educando;
    VII – atendimento ao educando, em todas as etapas da educação
    básica, por meio de programas suplementares de material
    didáticoescolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.
    § 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público
    subjetivo.
    § 2º O não oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder
    Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da
    autoridade competente.
    § 3º Compete ao Poder Público recensear os educandos no
    ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais
    ou responsáveis, pela frequência à escola. (grifos nossos)
    Verifica-se que a Constituição Federal, impondo algumas obrigações para o
    Estado, o seu não cumprimento pode ensejar ações judiciais para garantir a sua
    concretização. É isso que vem ocorrendo com a educação. Cada vez mais, a
    Justiça está sendo acionada para discutir temas relacionados à educação,
    abrangendo uma variedade imensa de assuntos.
    Por um lado, tem sido positiva esta judicialização, uma vez que os direitos
    consagrados constitucionalmente, em relação à educação, estão entrando na
    pauta de discussão dos poderes públicos e sendo garantidos, independente da
    vontade do órgão executor. Isso é relevante e apresenta-se como a efetivação
    do estado de direito. Na verdade, o Poder Judiciário está sendo levado a formular
    e implementar políticas públicas na área educacional para que não reste
    vulnerado o direito fundamental previsto constitucionalmente. Ademais, verificase, em âmbito nacional, uma procura pela especialização da matéria por aqueles
    que estão diretamente envolvidos, como Juízes, Promotores de Justiça,
    Defensores Públicos e Advogados, dado o caráter complexo da legislação
    educacional. É crescente o número de Promotorias de Justiça que vêm se
    especializando em educação.
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    No entanto, a judicialização traz consigo outra faceta, não muito positiva.
    Nas citadas carreiras jurídicas, existem profissionais que desconhecem os
    meandros da educação proporcionando equívocos judiciais com reflexos
    educacionais com suas ações ou decisões, embora com fundamentação jurídica
    legítima. E, muitas vezes, as consequências atingem diretamente a criança ou o
    adolescente, e, em outras ocasiões, os próprios professores. Esta realidade
    requer uma análise mais ampla a fim de possibilitar a perfeita fusão do
    pedagógico com o jurídico, de modo a se cumprir a lei, sem prejuízo da questão
    educacional. É o que se passa a analisar, especificamente, no que diz respeito à
    educação infantil.
  2. RELAÇÕES FIRMADAS ENTRE A JUDICIALIZAÇÃO E A EDUCAÇÃO
    INFANTIL.
    A judicialização da educação infantil tem abrangido vários aspectos, como:
    a) falta de vaga; b) férias escolares; c) período integral e parcial; d) merenda
    escolar; e) transporte escolar; f) material didático-pedagógico; g) inclusão do
    aluno com deficiência; h) adequação do prédio escolar; i) matrícula escolar; j)
    financiamento, entre outros.
    Constata-se que todos estes temas têm um reflexo direto para o professor,
    podendo atingir sua atuação docente. Por outro lado, guardam relação imediata
    com a qualidade da educação infantil que, muitas vezes, é desconsiderada
    quando da judicialização. Vejamos, de forma exemplificativa, algumas situações
    que ocorrem na prática.
    a) Vagas nas creches:
    Esta questão está pacificada na justiça, no sentido de que a vaga na creche
    se trata de um direito indisponível e público subjetivo (quando ocorre a procura
    pelo pai ou responsável, de vez que esta etapa da educação infantil não é
    obrigatória) que não pode ficar a critério da conveniência ou oportunidade do
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    município em oferecê-la. Existem até Súmulas dos Tribunais a respeito5
    . Desta
    forma, o ingresso de uma ação judicial para obtenção de vaga em creche
    encontra respaldo no Poder Judiciário que confere efetividade ao que estabelece
    a Constituição Federal.
    Por outro lado, este direito responde a uma situação sócio-antropológica
    muito real e nossas cidades, especialmente aquelas pautadas por uma
    metropolização complexa. As famílias, quaisquer que sejam seus desenhos,
    buscam a recomposição da renda. Neste sentido, os pais se veem obrigados a
    buscar nichos no mercado de trabalho. A escola vem sendo o lugar por
    excelência para deixarem seus filhos aos cuidados de educadores, pois ela é um
    locus permanente, sistemático e aberto a todos com apoio do Estado. Por outro
    lado, as famílias diminuíram seu tamanho, os vizinhos enfrentam situações
    similares e a rua tornou-se lugar de preocupação e mesmo de violência. Daí que a
    educação infantil tenha se tornado uma necessidade nascida das transformações
    pelas quais passam tanto as cidades como as famílias. O direito à educação
    infantil e o dever do Estado respondem a este contexto maior.
    O problema é que não se pode analisar esta questão relacionando-a apenas
    ao direito individual ou coletivo. Há necessidade de se seguir parâmetros de
    qualidade, sob pena de transformar as creches em depósitos de crianças. Com
    efeito. As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil – Resolução
    CNE/CEB n° 01, de 07/04/99, a revisão do Parecer nº 20/09, a Resolução nº 5, de
    17/02/09 do CNE e Resolução nº 4, de 13/ 07/10 – definem as diretrizes curriculares
    nacionais gerais para a Educação Básica e estabelecem o número máximo de
    crianças por professor. Consta expressamente do Parecer nº 20/09 do CNE,

5 No Estado de São Paulo, o Tribunal de Justiça formulou duas súmulas a respeito da vaga em
creches.
Súmula 63: É indeclinável a obrigação do município de providenciar imediata vaga em unidade
educacional à criança ou adolescente que reside em seu território.
Súmula 65: Não violam os princípios constitucionais da separação e independência dos poderes,
da isonomia, da discricionariedade administrativa e da anualidade orçamentária as decisões
judiciais que determinam às pessoas jurídicas da administração direta a disponibilização de vagas
em unidades educacionais ou o fornecimento de medicamentos, insumos, suplementos e
transportes a crianças ou adolescentes.
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devidamente homologado em 09/12/09 que a proporção a ser seguida é a
seguinte:
“O número de crianças por professor deve possibilitar atenção,
responsabilidade e interação com as crianças e suas famílias.
Levando em consideração as características do espaço físico e
das crianças, no caso de agrupamentos com criança de mesma
faixa de idade, recomenda-se a proporção de 6 a 8 crianças por
professor (no caso de crianças de zero e um ano), 15 crianças
por professor (no caso de criança de dois e três anos) e 20
crianças por professor (nos agrupamentos de crianças de
quatro e cinco anos)”.
Em síntese, a proporção é a seguinte:
 Um professor para cada 6 a 8 crianças de 0 a 1 anos de idade.
 Um professor para cada 15 crianças de 2 e 3 anos de idade.
 Um professor para cada 20 crianças de 4 a 5 anos de idade.
A decisão judicial que determina a colocação de uma criança na creche ou
pré-escola, na maioria das vezes, não leva em consideração essa questão que
acaba refletindo diretamente no professor e no processo pedagógico. E nem
sempre considera que há uma inscrição das famílias na expectativa de serem
atendidas pelo aumento planejado de vagas. Assim, da mesma forma que a vaga
é um direito da criança, a educação de qualidade também é um direito
consagrado, que deverá ser observado. Com efeito. Estabelece a Constituição
Federal:
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes
princípios:
……..
VII – garantia de padrão de qualidade.
……..
Art. 211. A União Federal e os Municípios organizarão em regime
de colaboração seus sistemas de ensino.
§ 1º – A União organizará o sistema federal de ensino e o dos
Territórios, financiará as instituições de ensino públicas federais
e exercerá, em matéria educacional, função redistributiva e
supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades
educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino
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mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao
Distrito Federal e aos Municípios. (grifos nossos)
Idêntica determinação consta dos artigos 3º, IV e 4º, IX da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional, Lei nº 9394/1996. Aliás, o termo qualidade da
educação é citado em inúmeros outros artigos e leis esparsas, reforçando a ideia
de que não basta garantir vaga a uma criança na creche, tornando-se necessário
garantir a qualidade do serviço ofertado. Porém, quando não há este
questionamento no âmbito judicial, muitas vezes tornando a demanda na busca
de vaga apenas um acesso, as consequências são sentidas pelos professores que
são obrigados a suportar uma carga de alunos maior do que foi estabelecido para
a garantia da qualidade da educação. Essa questão representa um exemplo claro
de como a judicialização interfere no trabalho docente e, consequentemente, na
educação das próprias crianças atendidas.
Desta forma, reputa-se necessário não somente garantir a vaga, mas saber
e acompanhar como a criança será inserida na escola. Na impossibilidade de
pronto atendimento, por falta de professores em números suficientes, há
necessidade de se aguardar a regularização desta situação. Esta solução
apresenta-se pedagogicamente consequente ao ciclo da existência da criança em
oposição ao acúmulo de crianças para um único professor em total prejuízo ao
seu desenvolvimento. Trata-se de uma avaliação que deve ser feita para garantir
a vaga e a qualidade da creche. A decisão judicial que garante a vaga deveria,
como consequência lógica, garantir a qualidade da educação, com o
acompanhamento do cumprimento da decisão no sentido de saber onde a
criança foi matriculada e se há o respeito às Diretrizes Curriculares Nacionais para
a Educação Infantil com relação ao número de alunos por professores.
Ademais, há que se considerar a responsabilidade dos Municípios em
relação à educação obrigatória, ora estendida para as crianças desde os 04 anos
e o orçamento disponível. Neste sentido, cumpre trazer à questão dois pontos
importantes. O primeiro se refere às responsabilidades dos entes federativos no
apoio à educação infantil. Elas não são exclusivas dos Municípios. De acordo com
o artigo 23 e artigo 30 da Constituição Federal, essa responsabilidade deve ser
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compartilhada com os Estados e a União. É o que é reforçado pela Lei nº
13.005/2014 na primeira estratégia da meta 1:
1.1) definir, em regime de colaboração entre a União, os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios, metas de expansão
das respectivas redes públicas de educação infantil segundo
padrão nacional de qualidade, considerando as peculiaridades
locais.
O segundo se reporta ao alinhamento estabelecido pelo Plano Municipal de
Educação em relação à meta 01 e suas respectivas estratégias postas no Plano
Nacional de Educação (Lei nº 13.005/2014).
E tem ainda como derradeiro, a questão do financiamento da creche que
deve obedecer aos critérios estabelecidos no FUNDEB, não se concretizando o
repasse de dinheiro de forma imediata com a matrícula da criança.
Em síntese, verifica-se que a garantia de uma vaga na creche envolve
muitas outras questões que devem ser observadas, sob pena de prejudicar o
desenvolvimento da criança e uma sobrecarga ao professor. A garantia de uma
vaga reflete em muitas outras crianças e afeta o trabalho docente, circunstâncias
que não podem ser desconsideradas.
b) Férias escolares:
A Constituição Federal é clara no sentido de tratar a creche como educação.
Nesse sentido estabelece:
Art. 208 – O dever do Estado com a educação será efetivado
mediante a garantia de:
…..
IV – Educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5
(cinco) anos de idade;
No mesmo sentido detalha a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(Lei nº 9394/96) o dever do Estado, bem como os níveis e composição da
Educação, inserindo as creches na educação infantil, uma das modalidades da
Educação Básica.
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Diz a lei:
Art. 30. A educação infantil será oferecida em:
I – creches, ou entidades equivalentes, para crianças de até três
anos de idade;
II – pré-escolas, para as crianças de 4 (quatro) a 5 (cinco) anos de
idade.
Diante da legislação supracitada só há uma conclusão: creche é educação.
Nessa circunstância, sujeita-se às regras específicas da legislação educacional
quanto aos dias de trabalho. Nesse sentido, pontua a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (Lei nº 9394/96):
Art. 31. A educação infantil será organizada de acordo com as
seguintes regras comuns:
I – avaliação mediante acompanhamento e registro do
desenvolvimento das crianças, sem o objetivo de promoção,
mesmo para o acesso ao ensino fundamental;
II – carga horária mínima anual de 800 (oitocentas) horas,
distribuída por um mínimo de 200 (duzentos) dias de trabalho
educacional;
III – atendimento à criança de, no mínimo, 4 (quatro) horas
diárias para o turno parcial e de 7 (sete) horas para a jornada
integral;
IV – controle de frequência pela instituição de educação préescolar, exigida a frequência mínima de 60% (sessenta por
cento) do total de horas;
V – expedição de documentação que permita atestar os
processos de desenvolvimento e aprendizagem da
criança (grifo nosso).
Logo, as creches devem ter o recesso ou férias escolares por imposição
legal, pois integrando o calendário anual, a sua proposta de trabalho educacional
inclui o recesso. O objetivo é claro: a) de um lado, garantir à criança o direito à
convivência familiar e comunitária prevista no Estatuto da Criança e do
Adolescente (art. 19 do ECA: Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado
e educado no seio de sua família); b) proporcionar aos profissionais que
trabalham na creche – professores – o tempo necessário para a o descanso e
planejamento da operacionalização do projeto político pedagógico da escola.
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Não é por outra razão que a Câmara de Educação Básica aprovou o voto da
Conselheira Relatora Malvina Tânia Tuttman (Parecer nº 23/2012 – Processo nº

  1. 000049/2011-19, devidamente homologado pelo Ministro da Educação
    conforme publicação no DOU de 19/03/2013) assim estabeleceu:
  2. As creches e pré-escolas constituem-se em estabelecimentos
    educacionais públicos ou privados que educam e cuidam de
    crianças de 0 (zero) a 5 (cinco) anos de idade, por meio de
    profissionais com a formação específica legalmente
    determinada, a habilitação para o magistério superior ou médio,
    refutando assim funções de caráter meramente assistencialista,
    embora mantenha a obrigação de assistir às necessidades
    básicas de todas as crianças.
  3. Nas creches e pré-escolas mostra-se adequada uma estrutura
    curricular que se fundamente no planejamento de atividades
    durante um período, sendo normal e plenamente aceitável a
    existência de intervalo (férias ou recesso), como acontece, aliás,
    na organização das atividades de todos os níveis, etapas e
    modalidades educacionais. Tal padrão de organização de tempo
    de operacionalização do projeto político-pedagógico, com
    inclusão de intervalos, não constitui obstáculo ou empecilho
    para a consecução dos objetivos educacionais, ao tempo em
    que contribui para o atendimento de necessidades básicas de
    desenvolvimento das crianças relacionadas à convivência
    intensiva com suas famílias e a vivências de outras experiências
    e rotinas distintas daquelas organizadas pelas instituições de
    educação.
    Não obstante toda esta sistemática legal, o Poder Judiciário tem se
    posicionado no sentido da não interrupção do atendimento na creche, ou seja,
    da impossibilidade de férias ou recesso, sendo que, em determinados julgados,
    ainda se manifesta pelo caráter assistencial da creche. Esta lição pode ser
    extraída da decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo na
    Apelação nº 022152290.2009.8.26.0000, em que figura como apelante o
    Município de São Paulo e apelada a Defensoria Pública do Estado de São Paulo.
    Consta do acórdão:
    Caráter pedagógico e assistencial da educação infantil, que, ao
    proporcionar aos pais meios para obter o sustento da família,
    contribui para a realização dos fundamentos da República
    Brasileira consubstanciados na dignidade humana e nos valores
    14
    sociais do trabalho e da livre iniciativa (artigo 1º, III, IV da
    Constituição Federal). Serviço público essencial, que deve ser
    prestado continuamente sem a possibilidade de restrição de
    caráter infraconstitucional, inviabilizando, também, a adoção do
    sistema de plantão ou a limitação aos estabelecimentos da rede
    direta de ensino.
    Em decisão mais recente, referido Tribunal reiterou a impossibilidade de
    férias ou recesso nas creches:
    COMINATÓRIA – Obrigação de fazer – Propositura em face do
    Município de Salto/SP – Dever do Poder Público de fornecer
    educação básica, obrigatória e gratuita a criança em unidade
    de educação infantil próxima à sua residência, no período
    integral, observado o período de recesso – Pedido procedente –
    Serviço essencial que deve ser prestado ininterruptamente, até
    nos recessos de férias – Possibilidade, entretanto, do Poder
    Público promover eventual redirecionamento das crianças que
    utilizarão creche neste período, com a garantia de atendimento
    de toda a demanda, providenciando o necessário transporte em
    caso de transferência para local distante a mais de dois
    quilômetros da residência da criança – Recurso do Município
    parcialmente provido para este fim. Salto – Câmara Especial –
    Relator Pinheiro Franco (Pres. Seção de Direito – 05/10/2015 –
    Votação: Unânime – Voto nº 29702).
    Com isso a questão das férias ou do recesso da educação infantil – creche –
    quando judicializada não encontra respaldo legal, refletindo diretamente no
    profissional da educação que se encontra tolhido de tal direito. O professor da
    creche é tão professor como o da pré-escola. Muitas vezes, ocupam o mesmo
    prédio. Porém, quando do recesso escolar, um goza das férias e o outro não.
    Cabe ressaltar que o trabalho do professor da creche, às vezes, é mais cansativo
    que o de outras modalidades de ensino, em face da idade das crianças.
    A justiça nesses casos, a pretexto de contribuir com os pais ou responsáveis
    para garantir o sustento da família (sendo que os pais trabalhadores têm direito a
    férias) sobrecarrega o professor. Questiona-se nesta situação, não apenas o
    direito do professor trabalhador, mas também a qualidade do ensino. Aliás, este
    ponto tem o mesmo fundamento da questão da vaga. A pretexto de se garantir
    um serviço de forma ininterrupta compromete-se a sua qualidade. E as crianças
    15
    que seriam as beneficiadas pelo serviço contínuo acabam sendo prejudicadas
    pelo ensino ministrado.
    Esta situação revela apenas que há necessidade de se pensar a creche
    como educação dando-lhe o tratamento jurídico que lhe é reservado pela
    Constituição Federal.
    O recesso, como apontado no parecer do Conselho Nacional de Educação,
    não impede a utilização do prédio por outras secretarias municipais para o
    desenvolvimento de atividades extracurriculares. Trata-se de uma questão de
    política intersetorial para a infância e não educacional6
    . Consta expressamente
    do parecer:
    Considera-se que muitas famílias necessitam de atendimento
    para suas crianças em períodos e horários que não coincidem
    com os de funcionamento regular dessas instituições
    educacionais, como o horário noturno, finais de semana e em
    períodos de férias e recesso. Contudo, esse tipo de
    atendimento, que responde a uma demanda legítima da
    população, enquadra-se no âmbito de “Políticas para a
    Infância”, devendo ser financiado, orientado e supervisionado
    por outras áreas, como assistência social, saúde, cultura,
    esportes e proteção social. O sistema de ensino define e
    orienta, com base em critérios pedagógicos, o calendário, os
    horários e as demais condições para o funcionamento das
    creches e pré-escolas, o que não elimina o estabelecimento de
    mecanismos para a necessária articulação que deve haver entre
    a educação e outras áreas, como a saúde e a assistência, a fim
    de que se cumpra, do ponto de vista da organização dos
    serviços nessas instituições, o atendimento às demandas das
    crianças. Dessa forma, instalações, equipamentos, materiais e
    outros recursos, sejam das creches e pré-escolas, sejam dos
    outros serviços, podem e devem ser mobilizados e articulados
    para o oferecimento de cuidados e atividades às crianças que

6 Afora a legislação educacional propriamente dita, pode-se verificar esta intersetorialidade na
CLT, art. 389 § 2o. Nada impede que esta intersetorialidade, também prevista no ECA, seja
expandida à luz da LDB. O recente Decreto nº 8.869, de 05 de outubro de 2016, que instituiu o
Programa Criança Feliz, que tem entre os seus objetivos a promoção e o desenvolvimento
humano a partir do apoio e do acompanhamento do desenvolvimento infantil integral na
primeira infância, estabeleceu que a sua implantação ocorrerá “a partir da articulação entre as
políticas de assistência social, saúde, educação, cultura, direitos humanos, direitos das crianças e
dos adolescentes, entre outros (art. 5º), reforçando assim a necessidade da colaboração
recíproca, não somente entre os poderes, mas também no âmbito administrativo.
16
delas necessitarem durante o período de férias e recesso das
instituições educacionais. (grifo nosso)
Desta forma, seria muito mais adequado planejar de modo intersetorial
junto ao município programas alternativos para as crianças de modo a atendê-las
em férias escolares. Até porque, a prioridade que se deve dar à criança e ao
adolescente engloba a precedência na formulação e na execução das políticas
sociais públicas, conforme expressamente previsto no artigo 4º, parágrafo único,
“c” do Estatuto da Criança e do Adolescente. Nos moldes da “escola da família”
seria interessante a criação de programa social “escola em férias” que não
abrangeria apenas as crianças em idade para creche, mas com outras idades e
cujos pais também precisam trabalhar. Com isso, cumprir-se-ia a lei e não
sobrecarregaria o professor. E a qualidade da educação estaria garantida.

  1. CONSIDERAÇÕES FINAIS.
    Em face destas considerações, pode-se afirmar em relação à questão da
    ausência de vagas e do recesso ou férias escolares na educação infantil que as
    ações judiciais ingressadas têm por fundamento o disposto no artigo 208, III do
    ECA, que trata da proteção judicial dos interesses individuais, difusos e coletivos,
    que estabelece:
    Art. 208. Regem-se pelas disposições desta Lei as ações de
    responsabilidade por ofensa aos direitos assegurados à criança
    e ao adolescente, referentes ao não oferecimento ou oferta
    irregular (grifo nosso):
    I – …
    II – ….
    III – de atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero
    a cinco anos de idade;
    Assim, quando se almeja a vaga em creche é porque o serviço não está
    sendo oferecido a todos. Quando se busca o trabalho continuo do professor de
    creche, mesmo no recesso ou férias escolares, a ação está fundamentada
    também na ausência de oferecimento do serviço durante este período.
    17
    Contudo, o que se propõe a refletir neste estudo é que garantir a matrícula
    da criança, sem levar em consideração o número aluno por professor ou a
    ausência de férias ou recesso das creches, caracteriza uma oferta irregular do
    serviço público, também passível de questionamento judicial. No fundo, o que se
    busca é a garantia do ensino de qualidade que passa por estes problemas. A lei
    deve ser interpretada em sua integralidade, ou seja, analisando o não
    oferecimento ou a oferta irregular. O problema é que a análise judicial destas
    questões tem se centrado apenas na questão do não oferecimento. É hora de
    mudar o foco e garantir a vaga na creche com qualidade e o recesso ou férias
    escolares também como fundamento da qualidade do ensino ministrado.
    Ressalta-se que estes dois problemas decorrentes da judicialização da
    educação infantil tem uma ligação direta com o professor e sua atividade
    docente. Mas, outros efeitos também são sentidos pela administração de um
    modo geral em face dessa judicialização e que merecem análise. Trata-se da
    questão referente à data da matrícula da criança em creche e a sua consequente
    judicialização. Nesse caso, dois problemas são levantados:
    a) Pode-se estabelecer data de corte etário para o ingresso na creche? A
    Lei fala em creche e educação infantil às crianças até 05 anos de idade7
    . Logo, a
    criança ao nascer já tem direito à creche e deve o município ofertar a vaga.
    Porém, a Constituição Federal estabelece no artigo 6º, como direito social “a
    proteção à maternidade e à infância”. Também garante no artigo 227, o direito da
    criança à convivência familiar. A Lei nº 13.257/2016 que estabelece as políticas
    públicas para a primeira infância destaca a convivência da criança com os pais
    como forma de favorecer a criação de vínculos afetivos e de estimular o
    desenvolvimento integral da criança. Para a mãe trabalhadora é garantida a
    licença gestante (CF. art. 7º, XVIII – licença à gestante, sem prejuízo do emprego e
    do salário, com a duração de cento e vinte dias). Como a justificativa judicial para
    a garantia da vaga na creche é a questão do trabalho dos pais ou responsáveis,
    apresenta-se razoável, diante da legislação citada, a possibilidade de se

7 Diferente da redação original do artigo 208, IV da CF, que citava o “atendimento em creche e
pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade”.
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estabelecer um corte etário para o ingresso na creche, que coincidiria com os
quatro meses da licença gestante. Contudo, deve-se levar em consideração, à
vista do trabalho informal crescente em que pessoas trabalham sem carteira de
trabalho assinada, que muitos pais carecem dessa proteção direta da legislação
citada. Assim, este tema requer uma análise mais criteriosa pelos operadores do
direito, sob pena de penalizar a criança ao invés de lhe garantir um direito. Voltase à questão da compatibilização do direito ao trabalho dos pais ou responsáveis
com o direito da criança à educação infantil e à convivência familiar.
b) Há período pré-estabelecido a ser obedecido para a matrícula nas
creches? Esta é a outra questão que traz reflexos diretos para a administração e
que merece apreciação. A rede pública de educação como um todo estabelece,
através de resoluções, critérios e procedimentos para a implantação do processo
de atendimento da demanda escolar. Há um calendário a ser obedecido que
serve para orientação dos pais, bem como da própria administração, para efeito
de planejamento. Com as creches esta situação não se verifica, principalmente
quando é judicializado este direito. Isto porque, independente do dia ou mês, a
decisão judicial impõe a matrícula, sem levar em consideração um eventual
planejamento. Este tema acarreta reflexos diretos às crianças, pais e à
administração pública e também requer uma atenção especial. Ressaltem-se, no
caso, as estratégias 1.3 e 1.4 do Plano Nacional de Educação, respectivamente:
1.3) realizar, periodicamente, em regime de colaboração,
levantamento da demanda por creche para a população de até
3 (três) anos, como forma de planejar a oferta e verificar o
atendimento da demanda manifesta;
1.4) estabelecer, no primeiro ano de vigência do PNE, normas,
procedimentos e prazos para definição de mecanismos de
consulta pública da demanda das famílias por creches;
Diante de todas estas observações, constata-se que a judicialização da
educação, e em especial da educação infantil na modalidade de creche, requer
dos operadores do direito uma visão mais alargada, posto que, a pretexto de
cumprir a lei, acabam por estabelecerem situações que mais prejudicam a
19
criança, do que a beneficiam. Também se vislumbra destas considerações a
importância de uma maior especialização dos operadores do direito na seara
educacional, que tem suas peculiaridades e especificidades.
Por fim, resta firmar o posicionamento jurídico e educacional quanto à
qualidade da educação infantil (principalmente quando judicializada). Isto
porque a vaga deve ser garantida na creche, mas sem desmerecer a qualidade.
Tanto que entre as estratégias previstas para a Meta 01 do Plano Nacional de
Educação está a 1.6 que impõe a implantação da “avaliação da educação infantil,
realizada com base em parâmetros nacionais de qualidade, a fim de aferir a
infraestrutura física, o quadro de pessoal, as condições de gestão, os recursos
pedagógicos, a situação de acessibilidade entre outros indicadores relevantes”.
Segundo o estudo Impacto do Desenvolvimento na Primeira Infância sobre a
Aprendizagem, realizado pelo Núcleo Ciência Pela Infância (NCPI)8
, pesquisas
evidenciam que essa qualidade da creche pode ser conferida por uma série de
fatores, dentre eles:
 Profissionais com bom nível de formação, atentos e responsivos às
necessidades das crianças e engajados em promover o
desenvolvimento pleno.
 Turmas pequenas com número reduzido de crianças por educadores.
(grifo nosso)
 Currículo adequado à faixa etária com atividades e programa pedagógico
bem estruturados.
 Ambiente estimulante e voltado para a participação ativa da criança.
 Infraestrutura segura.
 Rotinas de higiene e cuidado pessoal.
 Modelo de atendimento associado a atividades para apoiar e orientar os
pais.

8
Disponível no site: www.ncpi.org.br
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O que se almeja é uma escola de qualidade para todos. Até porque creches
de baixa qualidade impactam de forma negativa o desenvolvimento regular da
criança e os operadores do direito não podem desconsiderar tal questão.
Resta, ainda, a efetiva aplicação do princípio da colaboração recíproca
posto no art. 211 da Constituição Federal, que implica todos os poderes públicos.
Como decorrência deste princípio e o da gestão democrática, a melhor saída,
além dos parâmetros estabelecidos pela Lei nº 13.005/2014 é o estabelecimento
de um diálogo entre os poderes, sem desmerecer a especialização dos
operadores do direito quanto às questões educacionais.
21
5) REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil,
promulgada em 5 de outubro de 1988. 24ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. (Coleção
Saraiva de Legislação).
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  1. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. (Coleção Saraiva de Legislação).
    BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9394 promulgada
    em 20 de dezembro de 1996. São Paulo: Roma Victor ed. 2007;
    Comitê Cientifico do Núcleo Ciência pela primeira infância (2014). Estudo nº 1. O
    impacto do Desenvolvimento na primeira infância sobre a aprendizagem.
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    CHRISPINO, Álvaro e CHRISPINO, Raquel S. P., A Judicialização das relações
    escolares e a responsabilidade civil dos educadores.
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    Públicas emEducação. ISSN 0104-4036:Aval.pol.públ.Educ. vol.16 nº58. Rio de
    Janeiro, jan./mar. 2008 – 10.1590/S0104-40362008000100002.
    CURY, C.R.J e FERREIRA, L.A.M. A judicialização da educação. IN: FERREIRA,
    A.M.F. Temas de Direito à Educação. São Paulo: Imprensa Oficial: Escola Superior
    do Ministério Público, 2010, p. 53-94.
    GOTTI, Alessandra. A Qualidade Social da Educação Brasileira nos Referenciais
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    http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias
    =41851-estudo-processos-judicializacao-temas-tratados-normas-da-ceb-cnepdf&category_slug=maio-2016-pdf&Itemid=30192