Implicações Jurídicas do direito à vida e à saúde diante do estatuto da criança e do adolescênte

Implicações Jurídicas do direito à vida e à saúde diante do estatuto da criança e do adolescênte

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IMPLICAÇÕES JURÍDICAS DO DIREITO À VIDA E À SAÚDE
DIANTE DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
Luiz Antonio Miguel Ferreira1

  1. INTRODUÇÃO.
    A vida e a saúde, garantidas com o nascimento da pessoa e seu posterior
    desenvolvimento, encontraram, no Direito, um instrumento importante para a
    sua efetivação.
    Houve necessidade de uma intervenção legal em face de tais direitos,
    vez que as relações que se firmaram, principalmente com a criança e o
    adolescente, não se apresentavam de forma protetiva e saudável. Na verdade,
    nem sempre se a considerou como pessoa humana, possuidora de direitos
    fundamentais a serem preservados e garantidos. Em outros termos, o direito à
    vida e à saúde das crianças precisou de ser garantido por lei, diante do
    flagrante desrespeito instaurado.
    A título de exemplo, são inúmeros os relatos de investigações
    científicas na área biológica e médica envolvendo crianças, com evidente
    ofensa à sua condição de pessoa humana em desenvolvimento. Não se garantia
    o direito ao respeito, à dignidade, à saúde e até mesmo à vida das crianças.

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Promotor de Justiça da Infância e da Juventude e da Pessoa Portadora de Deficiência do Ministério Público
do Estado de São Paulo. Mestrando em Educação pela Universidade Estadual Paulista – UNESP. Home
page: www.pjpp.sp.gov.br . Palestra proferida no Congresso de Medicina da UNOESTE – SP. outubro/2003.
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GOLDIM (2002) esclarece que o teste da vacina contra varíola humana,
realizado por Edward Jenner, em 1768, foi efetuado em uma criança. A mesma
situação ocorreu em 1885, com Louis Pasteur, ao testar a sua vacina antirábica. Em 1891, Carl Janson, da Suécia, informou que suas pesquisas sobre a
varíola estavam sendo realizadas em 14 crianças órfãs, apesar do modelo ideal
serem bezerros.
Somente com o passar dos anos é que ocorreu o reconhecimento das
crianças e dos adolescentes como possuidores de direitos, como a vida e a
saúde, proporcionando-lhes, paulatinamente, uma proteção legal.
No Brasil, o direito à vida e à saúde está formalmente garantido na
Constituição Federal e em leis ordinárias editadas posteriormente.
Neste contexto, encontra-se o Estatuto da Criança e do Adolescente
(Lei n. 8.069, de 13/07/1990) que especificou, em capítulo próprio, como se
efetiva a garantia de tais direitos a esta parcela da comunidade. Revela este
estatuto que é mediante a aplicação de políticas sociais públicas que permitam
o nascimento e desenvolvimento sadio e harmonioso em condições dignas de
existência das crianças e adolescentes que se estarão garantindo a vida e a
saúde.
É certo que, para garantia efetiva do direito à vida e à saúde das
crianças e dos adolescentes, outras leis foram editadas, como a Lei Orgânica
da Saúde – nº. 8.080, de 19 de Setembro de 1990, que dispõe sobre as
condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e
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o funcionamento dos serviços correspondentes e das outras providências e as
leis municipais que tratam dos Conselhos Municipais de Saúde.
Estas leis buscam dar efetividade ao comando Constitucional, adotando
princípios como a universalidade, eqüidade e integralidade e visam à
promoção2
, à proteção3
e à recuperação4
da saúde.
Mas, é certo que o Estatuto da Criança e do Adolescente, por ser uma
lei que trata especificamente deste segmento da comunidade, assume especial
relevância, vez que traz, em seu bojo, a preocupação com o nascimento e
desenvolvimento da criança e o reconhecimento desta como pessoa humana,
com direito à dignidade e ao respeito, apontando ações para a promoção,
proteção e recuperação da saúde deste segmento social.
Análise mais minuciosa desta legislação mostra-se pertinente para a
melhor compreensão dos reflexos da lei na área da saúde.

  1. CRIANÇA E ADOLESCENTE COMO SUJEITOS DE DIREITOS.
    Como já afirmado, a criança e o adolescente não eram considerados
    sujeitos de direitos. As legislações específicas que trataram das crianças e
    dos adolescentes (Lei de Mello e Matos – Decreto n. 17.943-A de 12 de
    outubro de 1927 e Código de Menores – Lei n. 6.697 de 10 de outubro de 1979)

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Entendendo como promoção a educação em saúde, bons padrões de alimentação e nutrição, adoção de
estilos de vida saudáveis, uso adequado e desenvolvimento de aptidões e capacidades, aconselhamentos
específicos, como os de cunho genético e sexual.
3 Como proteção a vigilância epidemiológica, vacinações, saneamento básico, vigilância sanitária, exames
médicos e odontológicos periódicos, entre outros.
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Recuperação da saúde abrange: diagnóstico e tratamento de doenças, acidentes e danos de toda natureza, a
limitação da invalidez e a reabilitação.
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não tinham a preocupação de garantir a efetividade de seus direitos
fundamentais, entre eles o direito à vida e à saúde, posto que adotavam outros
princípios, cujo foco principal era apenas as crianças e os adolescentes que se
encontravam em determinada situação de risco em vez de sua totalidade. Tais
leis tinham como público alvo as crianças e os adolescentes marginalizados,
abandonados, ou em situação irregular.
Somente com o advento da CONSTITUIÇÃO FEDERAL de 1988 esta
situação começou a se alterar. Logo no artigo 1º. da referida Constituição,
consigna-se que, entre os fundamentos da República Federativa do Brasil,
encontram-se a cidadania e a dignidade da pessoa humana. Para a efetividade
destes fundamentos, tratou o legislador constituinte de consignar capítulo
específico, referente aos direitos e garantias fundamentais da pessoa humana,
essenciais à manutenção da vida em sociedade. Em seguida, no artigo 5º.,
tratou de prescrever o direito à igualdade: todos são iguais perante a Lei.
Com a Constituição, as crianças e os adolescentes passaram a usufruir
todos os direitos constitucionalmente consagrados, aplicáveis às pessoas
maiores de 18 anos. Passaram da situação de menor para a condição de criança
cidadã e adolescente cidadão.
Dentre esses direitos, garantiu-se o direito à saúde. A Constituição
Federal expressamente estabelece:
Art. 196 – A saúde é direito de todos e dever do Estado,
garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução
de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações
e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
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A seguir, ao tratar especificamente da criança e do adolescente,
estabeleceu:
Art. 227 – É dever da família, da sociedade e do Estado,
assegurar à criança e ao adolescente, com ABSOLUTA PRIORIDADE, O
DIREITO À VIDA, À SAÚDE, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda
forma de negligência, exploração, violência, crueldade e opressão.
Em razão desta nova sistemática legal, editou-se o ESTATUTO
DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE – Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990,
calcado na concepção de criança e adolescente como sujeitos de direitos, e na
sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. Esta nova lei afastou os
conceitos ideológicos e anticientíficos de situação irregular e menor, quer
abandonado quer delinqüente, rompendo com as designações discriminatórias
das legislações passadas.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, cumprindo o papel para o qual
foi instituído, buscou regulamentar a efetividade dos direitos fundamentais
destinados à criança e à adolescência, garantindo meios legais para a sua
realização, pormenorizando as ações judiciais necessárias para sua
concretização.
Dessa forma, verifica-se que o Estatuto não criou nenhum direito novo
em benefício da criança e do adolescente, apenas os reconheceu como sujeitos
de direitos, regulamentando o que já havia sido especificado pelo legislador
Constituinte (CF., art. 227). Assim, esta lei visa a garantir a cidadania das
crianças e dos adolescentes, mediante ações que venham a concretizar o
direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à
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profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária. Visa a garantir os direitos sociais, civis e
políticos.
A responsabilidade para a concretização destas ações, em especial da
vida e saúde das crianças e dos adolescentes, é de todos, ou seja, da família,
da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público (CF., art. 196 e 227 e
ECA., art. 4º.).
Com esta concepção de criança e adolescente como sujeitos de direitos,
as relações que se firmam com este segmento ganham outro significado,
obrigando os profissionais da área da saúde a estarem atentos a esta nova
ordem, sob pena de incorrerem em situações antijurídicas, com evidente
prejuízo para todos. De tal modo, a primeira e principal implicação do Estatuto
da Criança e do Adolescente, em relação à vida e à saúde, refere-se ao
reconhecimento das crianças e dos adolescentes como sujeitos de direitos.

  1. O ECA E O DIREITO À VIDA E À SAÚDE.
    A Lei menorista tratou do direito à vida e à saúde em capítulo próprio,
    estabelecendo diretrizes para a sua concretização. Porém, em outros capítulos
    e artigos, deixa consignada a relação que se firma com este tema, ressaltando
    a importância de sua análise.
    3.a. NORMAS DE CARÁTER GERAL.
    Ao estabelecer que criança e adolescente devem ser prioridade
    absoluta, o Estatuto deixa evidente que esta prioridade também merece ser
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    conferida na área da saúde, com ações que venham materializar este comando.
    Nesse sentido, diz a lei:
    Art. 4º – É dever da família, da comunidade, da sociedade em
    geral e do Poder Público assegurar com absoluta prioridade, a
    efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde ….
    Parágrafo único: A garantia da prioridade compreende:
    a) primazia em receber proteção e socorro em quaisquer
    circunstâncias;
    b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de
    relevância pública.
    Verifica-se que os profissionais que atuam na área da saúde devem
    garantir, à criança e ao adolescente, a prioridade absoluta quanto ao
    recebimento de proteção, socorro e atendimento.
    Este atendimento deve ser balizado pelo que estabelece o artigo
    seguinte da legislação em comento, que diz:
    Art. 5º – Nenhuma criança ou adolescente será objeto de
    qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência,
    crueldade e opressão, punindo na forma da lei qualquer atentado, por
    ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.
    Ainda em relação às normas de caráter geral que abrangem o direito à
    vida e à saúde das crianças e dos adolescentes, merece registro o direito ao
    respeito com que devem ser tratados e que consiste na inviolabilidade da
    integridade física, psíquica e moral (art. 17). Também digno de nota, o direito à
    dignidade revela-se pela obrigação de colocar as crianças e os adolescentes a
    salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou
    constrangedor (art.18).
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    Visando, ainda, a uma proteção mais específica em relação à saúde do
    adolescente trabalhador, o Estatuto da Criança e do Adolescente veda a
    realização de atividades em locais perigosos, insalubre, ou realizado em locais
    prejudiciais ao seu desenvolvimento físico e psíquico (art.67).
    Quando o legislador tratou da política de atendimento às crianças e ao
    adolescente, estabeleceu a necessidade de implantação de “serviços especiais
    de prevenção e atendimento médico e psicossocial às vítimas de negligência,
    maus-tratos, exploração, abuso, crueldade e opressão” (Art. 87, III).
    Verifica-se, por esta análise, que o direito à vida e à saúde foi muito
    acentuado na lei menorista, não só em relação à política de atendimento, como
    também nas ações dos profissionais que atuam no setor. Também apresenta
    reflexos em relação aos pais ou responsáveis e da própria criança e
    adolescente.
    Com efeito, ao tratar das medidas que se aplicam às crianças,
    adolescentes e aos pais ou responsáveis, o Estatuto faz expressa referência à
    questão da saúde.
    Quanto às medidas de proteção que se aplicam às crianças e aos
    adolescentes, previstas no artigo 101 do ECA, constata-se, nos incisos a seguir
    descritos, esta relação.
    Art. 101 – Verificada qualquer das hipóteses previstas no artigo
    98, a autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as
    seguintes medidas:
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    V – requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico,
    em regime hospitalar ou ambulatorial;
    VI – inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio,
    orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos.
    Pertinente aos pais ou responsáveis, o Estatuto deixou assentado:
    Art. 129 – São medidas aplicáveis aos pais ou responsáveis:
    III – encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico;
    VI – obrigação de encaminhar a criança ou adolescente a
    tratamento especializado.
    Por fim, a Lei Infanto-Juvenil, ao tratar da proteção judicial dos
    interesses individuais, difusos e coletivos, garantiu a possibilidade de se
    ingressar com ação judicial para fazer valer os direitos previstos, em especial
    aqueles relacionados à saúde. Assim determinou:
    Art. 208 – Regem-se pelas disposições desta Lei as ações de
    responsabilidade por ofensa aos direitos assegurados à criança e ao
    adolescente, referentes ao não oferecimento ou oferta irregular:
    VII – de acesso às ações e serviços de saúde.
    Além desta relação firmada entre a lei menorista e o direito à vida e à
    saúde, contemplou o legislador um capítulo específico a respeito do tema.
    3.b. CAPÍTULO ESPECÍFICO DO DIREITO À SAÚDE.
    O Estatuto tratou do direito à vida e à saúde nos Capítulo I – artigos 07
    a 14. Começa afirmando que a criança e o adolescente têm direito à proteção
    à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que
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    permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições
    dignas de existência.
    A primeira conclusão que se extrai da análise deste direito é que o meio
    ou a forma pelo qual se garante o direito à vida e à saúde resume-se a políticas
    sociais públicas e o objetivo destas políticas é garantir o nascimento e o
    desenvolvimento sadio das crianças e adolescentes, ou seja, o Estatuto não se
    satisfaz, apenas, com a garantia do nascimento da criança, mas objetiva
    propiciar meios para que ela cresça e se desenvolva.
    Políticas públicas na área da saúde referem-se a diretrizes e ações,
    aquelas de caráter preventivo inclusive, desenvolvidas pelo município, que
    visam a garantir o nascimento e posterior desenvolvimento da criança. Tratase de uma ação ampla, que abrange coordenação e fiscalização, envolvendo o
    setor público e privado, o que os diferencia do simples serviço público
    realizado nesta área. Tais políticas podem refletir a preocupação do município
    com a violência doméstica, maus tratos, aleitamento materno, gravidez na
    adolescência, prevenção de deficiências, mortalidade infantil, entre outros
    temas ligados à vida e à saúde.
    O Estatuto da Criança e do Adolescente apresenta, de maneira separada
    e didática, as situações que implicam a garantia do nascimento da criança e as
    ações que se devem executar para o seu desenvolvimento. De tal modo, as
    normas estampadas nos artigos 8º., 9º. e 10º. do Estatuto dão especial atenção
    ao nascimento, apresentando e garantindo ações direcionadas à gestante, para
    possibilitar-lhes um parto com dignidade; regulamenta o atendimento pré e
    perinatal, apoio alimentar, aleitamento materno, registro dos prontuários e
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    identificação do recém nascido, prevenção de anormalidades metabólicas e
    alojamento conjunto do neonato e a mãe.
    Essas regras, apesar de aparentemente estamparem direitos relativos à
    gestante, na verdade buscam garantir o direito do nascituro (nascimento sadio
    e harmonioso), daí porque inseridas no Estatuto da Criança e do Adolescente.
    A seguir, após assegurar o nascimento, tratou o legislador menorista de
    garantir o desenvolvimento dessa criança. As regras dos artigos 11º, 12º, 13º e
    14º referem-se ao atendimento médico da criança e do adolescente por meio
    do SUS; o atendimento especializado aos portadores de deficiência, com o
    fornecimento de próteses e medicamentos inclusive; garantia de condições
    para que, em caso de internação, permaneça na companhia constante de um dos
    pais ou responsáveis, e que os casos de suspeita ou confirmação de maus
    tratos sejam obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar. Por fim,
    traçou normas sobre a prevenção médica e odontológica e de vacinação
    obrigatória.
    3.c. INFRAÇÕES PENAIS E ADMINISTRATIVAS.
    A aplicabilidade da lei, no que diz respeito a estes direitos, requer a
    possibilidade de impor uma sanção ao infrator no caso de descumprimento.
    Assim, para a efetividade de tais dispositivos, estabeleceu o Estatuto a
    ocorrência de crime e infração administrativa para algumas situações.
    Os crimes previstos referem-se aos encarregados de serviço ou
    dirigente de Hospitais que não cumprirem as obrigações impostas no ECA.
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    quanto à manutenção de registro de suas atividades, fornecimento da
    declaração de nascimento (Art. 10). A infração penal está assim prevista:
    Art. 228 – Deixar o encarregado de serviço ou o dirigente de
    estabelecimento de atenção à saúde da gestante de manter registro
    das atividades desenvolvidas, na forma e prazo referidos no artigo 10
    desta Lei, bem como de fornecer à parturiente ou a seu responsável,
    por ocasião da alta médica, declaração de nascimento, onde constem as
    intercorrências do parto e do desenvolvimento do neonato.
    Pena – detenção de 6 meses a 2 anos.
    Por outro lado, o médico, enfermeiro ou dirigente de estabelecimento de
    atenção à gestante que não identificar corretamente o neonato e a parturiente
    na ocasião do parto, ou não realizar os exames, visando ao diagnóstico de
    anormalidades no metabolismo também se responsabilizarão criminalmente. A
    infração é a seguinte:
    Art. 229 – Deixar o médico, enfermeiro ou dirigente de
    estabelecimento de atenção à saúde de gestante de identificar
    corretamente o neonato e a parturiente, por ocasião do parto, bem
    como de proceder aos exames referidos no artigo 10 desta lei.
    Pena – detenção de 6 meses e 2 anos.
    Como infração administrativa, o Estatuto estabelece a obrigatoriedade
    de o médico, ou responsável por estabelecimento de atenção à saúde, entre
    outros, de comunicar, à Autoridade competente, os casos envolvendo suspeita
    ou confirmação de maus tratos. Observa-se, do citado dispositivo, que, diante
    da preocupação com a integridade física da criança e do adolescente, até os
    casos de suspeita de maus tratos obrigam a comunicação. Assim está previsto:
    Art. 245 – Deixar o médico, professor ou responsável por
    estabelecimento de atenção à saúde e de ensino fundamental, pré-
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    escola ou creche, de comunicar à autoridade competente os casos de
    que tenha conhecimento, envolvendo suspeita ou confirmação de maustratos contra criança ou adolescente.
    Pena – multa de 3 a 20 salários referência, aplicando-se o dobre
    em caso de reincidência.
    Quando a lei se refere à comunicação dos casos de suspeita ou
    confirmação de maus tratos, está tratando da questão da violência doméstica,
    que se manifesta sob as modalidades de agressões físicas, sexuais,
    psicológicas ou em razão da negligência. Esta violência apresenta-se como um
    fenômeno democrático, abrangendo todas as classes sociais, sem distinção, e
    de forma intensa, e é resultado do abuso do poder disciplinador ou do poder
    parental.
    Vale registrar que esta violência apresenta-se de forma encoberta,
    posto que os casos notificados não correspondem ao que realmente ocorre.
    Existe uma verdadeira cifra negra, ou seja, o fenômeno ocorre de modo mais
    intenso do que se apresenta, sendo que os casos que efetivamente chegam ao
    conhecimento dos interessados representam a ponta de um iceberg. Nesse
    caso, o conhecimento dos trâmites legais para a efetivação da denúncia
    mostra-se pertinente ao profissional da área da saúde, para que se possa
    garantir o direito à vida e à saúde da criança vitimizada.
  2. OUTRAS RELAÇÕES DO ECA E O DIREITO À VIDA E À SAÚDE.
    Além destes casos específicos, envolvendo o direito à vida e à saúde das
    crianças e dos adolescentes, existem outros temas que guardam estreita
    relação com a matéria em análise e que também merecem um estudo mais
    minucioso e profundo.
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    4.a. MORTALIDADE INFANTIL.
    Como o Estatuto da Criança e do Adolescente está preocupado com o
    nascimento e o desenvolvimento da criança e do adolescente, não há como
    negar que a questão da mortalidade infantil extrapola a área específica da
    saúde para ganhar contornos jurídicos em algumas situações.
    Políticas públicas que venham a contemplar a questão dos exames de
    pré-natal, o problema do apoio alimentar à gestante, o aleitamento materno, o
    atendimento integral da família (PSF) caracterizam-se por ações que buscam
    dar efetividade ao comando legal.
    Nesse sentido, a criação dos Comitês de Mortalidade Infantil
    apresenta-se como um exemplo desta política voltada à garantia do nascimento
    e desenvolvimento da criança. O objetivo dos Comitês é analisar os óbitos
    infantis ocorridos, propondo medidas para a efetiva redução do índice de
    mortalidade infantil. A análise dos casos engloba o ciclo grávido-puerperal que
    se inicia com a gravidez e termina ao final do primeiro ano de vida.
    Este exemplo reflete como a Lei interfere na área da saúde, para
    garantir o direito à vida e à saúde das crianças. Aliás, a própria composição
    dos Comitês revela esta ligação, posto que se fazem presentes, não só
    representantes da área médica, como também da jurídica.
    4.b. ALTA A PEDIDO.
    Outro problema que acaba por desaguar na esfera jurídica diz respeito
    à denominada “alta a pedido”. Como já se disse alhures, a família, a
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    comunidade, a sociedade em geral e o Estado têm o dever de assegurar, com
    absoluta prioridade, a efetivação dos direitos fundamentais das crianças e
    adolescentes relativos à vida e à saúde.
    Os pais identificam-se como os primeiros responsáveis pela garantia do
    direito à vida e à saúde das crianças e dos adolescentes. A seguir, por
    determinação legal, assumem tal responsabilidade a sociedade e o Poder
    Público. A responsabilidade dos pais decorre do poder familiar (ECA., art. 22).
    Entretanto, este poder não é absoluto, apresentando certas restrições, todas
    as vezes que a ação ou omissão dele venha a colocar a criança ou o adolescente
    em situação de risco social e pessoal (ECA, art. 98, I). Nessa hipótese,
    assumem a responsabilidade pelo referido direito os demais atores apontados
    na lei, ou seja, a sociedade, a comunidade em geral e o Poder Público.
    Assim, quando os pais não cumprem o seu papel, justifica-se a
    intervenção na família, como forma de garantir o direito à vida e à saúde da
    criança. O pai que deixa a criança em abandono pratica atos violentos contra
    ela, como maus tratos ou abuso sexual; não atende às determinações do Juízo;
    deixa de prestar assistência à saúde do filho, ou não atende às orientações
    médicas referentes à saúde da criança, colocando-a em situação de risco,
    justificando a citada intervenção na família.
    No entanto, sob o manto do efetivo exercício do poder familiar, os
    hospitais e médicos têm vivenciado uma prática comum e que é apontada como
    uma das causas de ocorrência de óbitos evitáveis, referente à denominada
    “alta a pedido”, que se caracteriza pelo fato de os pais retirarem a criança do
    hospital, com a assinatura de um “termo de responsabilidade”, solicitando sua
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    alta médica, independente de tal ação representar, ou não, o melhor
    encaminhamento à criança.
    Diante desta situação, como deve agir o médico responsável pelo
    atendimento da referida criança, ou o diretor do hospital frente à atuação dos
    pais ou responsáveis, no lídimo exercício do poder familiar? Como agir para
    garantir o direito à vida e à saúde da criança previstos na Constituição e no
    Estatuto da Criança e do Adolescente?
    O alvo de toda atenção do médico é a saúde e a vida do ser humano, em
    benefício do qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua
    capacidade profissional (Código de Ética Médica, art. 2º.), empregando todos
    os meios necessários em favor do paciente (Código de Ética Médica, art. 57).
    Este dever apresenta uma limitação prevista no próprio Código de Ética
    Médica, já que o médico deve respeitar o direito do paciente de decidir
    livremente sobre sua pessoa ou seu bem-estar e sobre a execução de práticas
    diagnósticas ou terapêuticas, salvo no caso de iminente perigo. É o que
    estabelecem os artigos 48 e 56 do Código de Ética Médica.
    No caso do paciente ser criança ou adolescente, seus responsáveis
    legais (pais, tutores ou guardiões) é que devem manifestar-se quanto ao
    tratamento realizado.
    Quando o paciente estiver em iminente perigo, a autoridade do médico é
    indiscutível, dando o Código de Ética Médica suporte legal para tal atuação.
    Neste caso, o médico não está obrigado a seguir a vontade do paciente, ou de
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    seu responsável, devendo dar continuidade ao tratamento dispensado à criança
    ou o adolescente que se encontra nessa situação, pois sua conduta impõe-lhe a
    responsabilidade de garantir a vida deles.
    Nas demais hipóteses, ou seja, quando a criança ou o adolescente não
    estiver em “iminente perigo de vida”, à vontade dos responsáveis quanto à “alta
    a pedido” também deve ser analisada com cautela, já que o poder familiar não
    garante o direito absoluto quanto à vida ou à saúde da criança. Nessas
    hipóteses, deve-se analisar o grau de responsabilidade dos pais ou
    responsáveis e se a conduta deles não coloca em risco a vida da criança. Caso
    se vislumbre a ocorrência de risco, por menor que seja, deve-se negar a alta e
    comunicar o fato, imediatamente, ao Conselho Tutelar, ou ao Juízo da Infância
    e da Juventude, se o município não possuir o referido Conselho, para as
    providências pertinentes.
    A alta a pedido pode ser aceita em casos especiais desde que:
    a) Para encaminhamento a outro centro médico ou outro médico. No
    caso de não haver concordância com o tratamento proposto ou,
    achando o médico tratar-se de conduta inadequada por falta de
    recursos, é seu direito abrir mão do caso, passando, formalmente,
    a responsabilidade para outro profissional disposto a assumi-lo.
    b) Quando a criança ou o adolescente esteja fora da situação de
    risco, caso em que o profissional tem a convicção, segundo seu
    prognóstico, de que o paciente já se encontra fora de qualquer
    perigo.
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    Em conclusão, a alta a pedido dependerá, sempre, da situação do
    paciente, sendo que somente o médico tem competência e condições de avaliar
    as conseqüências dela advindas, pois referido pedido “pode gerar danos à vida
    e à saúde do paciente, no instante que ele interrompe o processo de
    tratamento”.
    “Dessa maneira, se, após refletir sobre o estado de saúde do recémnascido, o profissional concluir que, efetivamente, a alta agravará a sua
    situação, ele deverá recusá-la”. “Vale dizer que, se a saúde do paciente
    agravar-se em conseqüência da alta a pedido, o profissional que a autorizou
    poderá ser responsabilizado pela prática de seu ato, no caso, por omissão de
    socorro, imprudência ou negligência”. (Consulta n. 26.574/92 do CREMESP
    aprovada na 1.586ª RP em 29/03/94).
    Merece registrar que, diante desta situação, de pouca ou nenhuma valia
    se apresenta o denominado “termo de responsabilidade”, assinado pelo pai ou
    responsável, como forma de se buscar a isenção de qualquer conseqüência do
    ato, em face de uma alta a pedido.
    Tal conduta afronta o que estabelece o Estatuto da Criança e do
    Adolescente, pois o profissional da área da saúde, em especial o médico,
    também é responsável pela vida e saúde do paciente, no caso, criança ou
    adolescente, não podendo esquivar-se de sua responsabilidade, diante de um
    pedido dos pais ou responsáveis.
    19
    Nesse sentido, o relator Conselheiro Pedro Paulo Roque Monteleone do
    parecer n. 26.574/92 do CREMESP, aprovado em 29/03/94, do Conselho
    Regional de Medicina do Estado de São Paulo esclarece:
    … se restarem infrutíferas as tentativas do médico, com o atual
    Estatuto da Criança e do Adolescente, em face das dúvidas quanto ao
    tratamento ministrado pela equipe médica e da recusa em fornecer a
    alta a pedido, a Vara da Infância e da Juventude deverá ser acionada
    para a resolução do conflito.
    Mais adiante, ao tratar do termo de responsabilidade, afirma:
    O termo de responsabilidade só teria valor naqueles casos em
    que a retirada do recém-nascido do hospital não colocasse em risco a
    saúde do mesmo. Como a questão foi colocada, tal documento não isenta
    a equipe médica da responsabilidade; as eventuais complicações que a
    criança vier a apresentar serão de responsabilidade do profissional que
    autorizou a alta a pedido. Vale ressaltar, mais uma vez, que o
    profissional poderá responder por omissão de socorro, negligência e por
    imprudência, mesmo se lavrado o termo de responsabilidade.
    Nessa mesma linha apresenta-se a Consulta n. 1.665-13/86 do CREMESP
    cuja relatora Conselheira Maria Cacilda Câmara Lima assim se manifestou:
    “… a validade do “termo de responsabilidade” assinado pelos
    responsáveis pelos pacientes, nos casos de alta, tem sua eficácia
    condicionada ao estado de saúde do paciente, e essencialmente aos
    riscos que a alta possa vir a lhe causar, não isentando de
    responsabilidades, igualmente, os profissionais que atenderam o
    paciente até a efetiva data da alta”.
    Diante do exposto, verificada a impossibilidade da alta a pedido, o
    médico ou hospital deve encaminhar o caso ao Conselho Tutelar, que poderá
    tomar providências tanto em relação à criança ou adolescente como aos pais.
    20
    Esta é mais uma relação que se firma entre a Lei (Estatuto da Criança e
    do Adolescente) e a conduta médica para a garantia do direito à vida e à saúde
    da criança.
    4.c. GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA.
    A gravidez na adolescência tem tomado a forma de epidemia, devido ao
    início da atividade sexual precoce. Esta situação enfrentada por muitos
    profissionais da área da saúde também apresenta reflexos na esfera jurídica,
    merecendo, desta forma, uma atenção especial.
    É sabido que a gravidez na adolescência apresenta-se como um
    fenômeno multicausal, envolvendo fatores:
    a) Biológicos: precocidade da menarca (primeira menstruação) e aumento
    do número de adolescentes na população. Estudos apontam para a ocorrência
    da menarca nos limites de 11 a 15 anos. Assim, quanto mais precocemente
    ocorrer este fator biológico, mais expostas estarão as adolescentes à
    gravidez.
    b) Familiares: o contexto familiar tem relação direta com a época em
    que se inicia a atividade sexual. Adolescentes que iniciam vida sexual
    precocemente, ou engravidam, vêm de famílias cujas mães também iniciaram
    vida sexual muito cedo, ou engravidaram na adolescência.
    c) Sociais: as atividades dos indivíduos condicionam-se tanto pela
    família quanto pela sociedade. A sociedade, assim como a família, está
    mudando, admitindo a sexualidade de maneira mais aberta, com sexo antes do
    21
    casamento e a gravidez na adolescência. Com isso, diminuem-se os estigmas e
    os tabus, aumentando a atividade sexual e, por conseqüência, a gravidez.
    d) Fatores psicológicos e contracepção: a utilização de métodos
    contraceptivos não ocorre de modo eficaz na adolescência, e isso vincula-se a
    fatores psicológicos inerentes ao período, pois, a adolescente nega a
    possibilidade de engravidar e essa negação é tanto maior quanto menor a faixa
    etária. Acreditam que encontros ocasionais não justificam o uso rotineiro de
    contraceptivos e não assumem, perante a família, a sua sexualidade e posse de
    contraceptivos. Aqui tem pertinência: a) pensamento mágico de que não vai se
    engravidar; ou b) pensamento da Cinderela sonhadora de ter encontrado o
    príncipe, utilizando o bebê como instrumento da união.
    Com a gravidez, as repercussões proporcionadas atingirão a mãe e o pai
    adolescentes e também a criança gerada, resultando, desta questão, a
    preocupação jurídica em relação ao tema.
    Quanto à mãe adolescente, estudos apontam que ela pode sofrer:
     Complicações obstétricas;
     Anemia, ganho de peso insuficiente, hipertensão, infecção urinária;
     Morte da mãe decorrente de complicações da gravidez, parto e
    puerpério – estudo mostra que esta é a sexta causa de morte de
    adolescentes;
     Na questão da educação: interrupção, temporária ou definitiva – dos
    estudos.
    22
     Repercussões nutricionais: o crescimento materno pode sofrer
    interferências porque há uma demanda extra requisitada peara o
    crescimento fetal;
     Complicações psicológicas para adaptar-se à nova condição de mãe
    adolescente;
     As taxas de suicídios nas adolescentes grávidas são mais elevadas em
    relação às não grávidas.
    Quanto ao pai adolescente, de um modo geral, costuma ser dois a três
    anos mais velho que a mãe adolescente. A paternidade precoce se associa a:
     Abandono dos estudos;
     Sujeição a trabalhos aquém da sua qualificação;
     Maior incidência de separações e divórcios.
    Finalmente, em relação à criança:
     Sujeição de riscos maior – tanto físico como psicossociais;
     Abandono do filho – com colocação em adoção;
     Sujeição aos maus tratos;
    Diante do que foi exposto, é fácil constatar que, na esfera jurídica, a
    gravidez na adolescência acarretará:
    a) Problemas familiares – necessidade da intervenção do Conselho
    Tutelar e da Justiça da Infância e da Juventude – não aceitação da
    gravidez pelos pais, expulsão da adolescente do lar, maus tratos,
    etc..
    b) Problema escolar – evasão escolar em razão da gravidez;
    c) Trabalho precoce do casal de adolescentes, com abandono escolar;
    23
    d) Tentativas de aborto;
    e) Colocação da criança para adoção;
    f) Alimentos;
    g) Separações judiciais e divórcios;
    Diante desta situação, verifica-se a necessidade de política pública
    direcionada para esta questão, com a finalidade de se garantir o
    desenvolvimento adequado dos adolescentes. Os reflexos da gravidez na
    adolescência extrapolam a área da saúde, abrangendo outras áreas como a
    educacional ou trabalhista. Contudo, é na área da saúde que se encontrará
    resposta mais eficaz para o problema.
    4.d. A IDADE MÁXIMA PARA SER PACIENTE DE PEDIATRIA.
    Esta questão revela a interface do Estatuto da Criança e do
    Adolescente em relação a outros temas envolvendo o aspecto legal (ECA) e
    médico (saúde). Foi objeto de consulta realizada junto ao Conselho Regional de
    Medicina do Estado de São Paulo5
    a questão relativa à idade do paciente, a fim
    de saber qual o limite máximo para se considerar paciente de Pediatria para
    regulamentação do Serviço de Pronto Atendimento e estatística.
    Após parecer da Sociedade Brasileira de Pediatria e com base na
    legislação em vigor, aprovou-se a seguinte ementa:
    … cumprindo as diretrizes emanadas do Estatuto da Criança e do
    Adolescente comunica aos pediatras, às Instituições Públicas e Privadas
    que prestem atendimento médico às empresas de convênio de medicina

5 Consulta n. 11.288/95 – Conselheiro Relator Clovis Francisco Constantino – 27/10/95.
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de grupo, seguradoras, estatais e as cooperativas de serviços médicos
que a área de atuação do pediatra compreende o atendimento médico ao
paciente de faixa etária que vai do nascimento até aos 18 (dezoito)
anos.”
Desse modo, deliberaram em razão do que estabelece o Estatuto da
Criança e do Adolescente, no que diz respeito à idade a ser considerada. Diz a
lei:
Art. 2º. – Considera-se criança para os efeitos desta lei a pessoa
até 12 (doze) anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre 12
(doze) e 18 (dezoito) anos de idade.
Esta questão revela a interface do Estatuto da Criança e do
Adolescente com relação ao tema específico da idade, com reflexos na área da
saúde.
4.e. ATENDIMENTO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES SEM A
PRESENÇA DOS PAIS OU RESPONSÁVEIS.
Outro tema em que o Estatuto da Criança e do Adolescente passou a ser
referência diz respeito ao atendimento de consultas de crianças e
adolescentes sem a presença dos pais ou responsáveis. Como deve agir o
médico diante desta situação? Até aonde vai a autonomia do adolescente e
como se comportar o profissional da área da saúde, para não ser taxado de
omisso?
Algumas premissas são indispensáveis para analisar esta questão:
a) Estatuto da Criança e do Adolescente considera criança a pessoa
até 12 anos de idade incompletos e adolescentes de 12 a 18 anos;
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b) O ECA também garante, à criança e ao adolescente, o direito ao
respeito (art.17) e a dignidade (art.18) e a obrigatoriedade de
colocá-los a salvo de qualquer forma de negligência, exploração,
violência, crueldade e opressão (art.5º.).
c) Código Civil: a pessoa é plenamente capaz a partir dos 18 anos de
idade; Pode ser civilmente emancipada a partir dos 16 anos. No mais,
são considerados relativamente ou plenamente incapazes, sendo os
pais os responsáveis legais.
Diante destas colocações, observa-se que, em algumas situações, a
criança ou o adolescente não é responsável perante a lei, mas a sua dignidade,
respeito, individualidade e a sua autonomia merecem o devido respeito e
proteção.
Portanto, não há uma resposta genérica para a questão colocada. Cada
situação determinará a conduta do médico, que deverá saber as ocasiões, por
exemplo, em que caberá, somente aos pais ou responsáveis legais, o
conhecimento dos fatos, como nas eventualidades de estupro, uso de drogas,
etc.; e em outras conjunturas, em que a notificação deverá ser compulsória,
como DST, HIV, abuso sexual pelos pais, maus tratos, homicídio, tentativa de
suicídio, etc.. Também, deverá se posicionar diretamente com o adolescente
quando este já for emancipado, posto que civilmente capaz para os atos da vida
civil, ou quando o tema somente a ele interessa (ex. informações ginecológicas
de caráter preventivo).
Destarte, durante a consulta, caberá ao médico decidir se a criança, ou
o adolescente (principalmente este último), poderá ser dispensado com as
orientações devidas, ou aguardar a presença de pais ou responsáveis, ou, ainda,
comunicar o Conselho Tutelar em face do que se apurou. Somente após o
26
atendimento prestado é que o médico decidirá se existe, ou não, situação que
mereça a devida notificação aos órgãos competentes. Nesse sentido, não cabe
ao médico tomar decisões no lugar da criança ou do adolescente, mas sim no
interesse dele.
No caso de uma adolescente procurar o médico para aconselhar-se
sobre a forma mais correta de não engravidar, por intermédio de um método
anticoncepcional, não há nenhum impedimento no sentido de que ele assuma
esse compromisso, orientando-a quanto às vantagens do método e, até, para
evitar posições mais constrangedoras no futuro, quanto à eventual gravidez
indesejada.
Este posicionamento, com algumas ressalvas, foi adotado pelo Conselho
Federal de Medicina6
e se mostra compatível como os princípios da legislação
menorista.

  1. CONSIDERAÇÕES FINAIS.
    Do exposto, constata-se que o Estatuto da Criança e do Adolescente, ao
    tratar do direito à vida e à saúde, buscou dar efetividade ao comando
    Constitucional referente à proteção integral da criança e do adolescente,
    agora, reconhecidos como sujeitos de direito.
    A efetividade destes direitos ocorre mediante a aplicação de políticas
    públicas que venham a garantir o nascimento e o desenvolvimento sadio e
    harmonioso, em condições dignas de existência. Por outro lado, apresenta

6 Consulta n. 902/01 – Conselheiro Relator Edevard José de Araújo – 10/01/2002.
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reflexos junto aos profissionais da saúde, vez que direciona, não somente suas
ações, como também tipifica algumas infrações penais ou administrativas.
O conhecimento da lei, nesse sentido, apresenta-se indispensável para
que as ações a serem desenvolvidas encontrem o respaldo necessário dos
órgãos públicos encarregados de zelar pelo efetivo direito da criança e do
adolescente.
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  1. BIBLIOGRAFIA.
    BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil:
    promulgada em 5 de outubro de 1988. 24ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2000.
    (Coleção Saraiva de Legislação).
    BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente: promulgado em 13 de julho de
  2. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. (Coleção Saraiva de Legislação).
    GOLDIM, José Roberto. Pesquisa em crianças e adolescentes. Disponível na
    Internet: www.ufrgs.br/hcpa/gppg/bioética.htm
    Conselho Federal de Medicina. Consultas disponíveis no site:
    http://www.portalmedico.org.br