Educação e cidadania: e o professor?
Luiz Antonio Miguel Ferreira*
Segundo a atual Constituição Federal (art.205), a educação, como dever do
Estado e da família, exercida em parceria com a sociedade, deve visar (a) ao pleno
desenvolvimento da pessoa; (b) o seu preparo para o exercício da cidadania; e (c) a
sua qualificação para o trabalho. Esta diretriz é seguida pelo Estatuto da Criança e do
Adolescente (art.53- Lei n.º. 8069, de 13/7/90) e pela Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (art. 2 – Lei nº. 9.393, de 20/12/96).
As Constituições anteriores não fizeram referência ao tema educação e
cidadania. Algumas, como a de 1946 e 1967, falavam em educação calcada nos
princípios “de liberdade e nos ideais de solidariedade humana”; contudo,
especificamente, em relação ao termo cidadania, somente a atual faz referência.
Justifica-se tal situação pelo fato de ser a primeira Constituição, pós-governo militar,
alicerçada nos ideais de liberdade, dignidade da pessoa humana e cidadania (Cf., art.
1º.). Verifica-se, desta forma, uma ligação legal entre educação e cidadania.
A Constituição, bem como o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei de
diretrizes e Bases da Educação, também indicam aqueles que são os responsáveis
pelo preparo ao exercício da cidadania, apontando para o Estado e para a família, em
colaboração com a sociedade. Descrevem tal ação como um dever, mas que, na
verdade, se caracteriza como uma verdadeira função, que deve ser desenvolvida
coletivamente, num processo de descoberta e construção de princípios e valores.
Entre os responsáveis apontados, não há como negar que o Estado exerce papel
fundamental, posto ser o detentor de mecanismos e instrumentos, possuindo uma
rede organizada e estruturada para desempenhar esse mister. E, neste caso, a
ESCOLA é o centro de referência da questão, assumindo o PROFESSOR papel de
extrema relevância dentro deste contexto.
Não se trata de se recorrer a uma disciplina específica para ensinar cidadania,
como se isso fosse possível e suficiente por si mesmo. Envolve um projeto maior, um
programa completo e complexo, em que o Professor é o principal referencial. Nesse
sentido, vale lembrar Selma Garrido Pimenta (Formação de professores: identidade e
saberes da docência. In: Saberes pedagógicos e atividade docente. 2ª. ed. São Paulo:
Cortez, 2000, 23): “(a educação) enquanto prática social é realizada por todas as
instituições da sociedade. Enquanto processo sistemático e intencional, ocorre em
algumas, dentre as quais se destaca a escola. A educação escolar, por sua vez, está
assentada fundamentalmente no trabalho dos professores e dos alunos, cuja
finalidade é contribuir com o processo de humanização de ambos pelo trabalho
coletivo e interdisciplinar destes com o conhecimento, numa perspectiva de inserção
social crítica e transformadora”.
A educação proporcionada pelo Estado não se constitui, por si só, suficiente
para a constituição da cidadania dos alunos, mas a mesma oferece elementos
necessários para o seu exercício.
Recaindo sobre a educação este papel de formar o cidadão e, sendo os
professores os executores do mandamento legal, podem-se fazer as seguintes
indagações: (a) Os professores estão preparados para essa tarefa? (b) O sistema
atual permite afirmar que os professores preparam seus alunos para exercerem a
cidadania? Transmitem exemplos de cidadania?
Estas questões sugerem uma reflexão maior sobre o tema. Contudo,
apresentam, de plano, a necessidade de se voltar para a formação desses
profissionais em face dos objetivos colocados na educação.
Num país como o Brasil, que instituiu o serviço militar obrigatório antes mesmo
de estabelecer a obrigatoriedade da educação básica, e que experimentou regimes
políticos que tolhiam os direitos dos cidadãos, fica difícil pensar em educação como
preparo para o exercício da cidadania.
Mais difícil ainda seria negar este relevante papel da educação, e do professor
em particular, como agente de transformação social. Trata-se de um processo que se
iniciou há pouco tempo e que se encontra em fase de construção, mas que implica a
efetivação de políticas públicas e na adequada formação do professor.
Pois de nada adiantam preceitos legais, que vinculem educação e cidadania, se
os responsáveis pela efetivação da educação não estiverem comprometidos e
preparados para essa finalidade. Como lembra BOBBIO (A era do Direito. 11ª ed. Rio
de Janeiro: Campus, 1992), de pouca valia será a lei que aponta um bom caminho, se
os caminhantes “enxergam com clareza, mas têm os pés presos, ou poderiam ter os
pés livres, mas têm os olhos vendados”.
Nesse sentido, quando se fala em educação e cidadania, é necessário voltar os
olhos para os professores, em especial para a sua formação inicial e continuada, para
que também se sintam cidadãos, a fim de cumprirem o que diz a lei.
*Luiz Antonio Miguel Ferreira, Promotor de Justiça do Ministério Público do estado
de São Paulo, é mestre em educação pela Unesp. Maio-2008