Conferência municipal da juventude

Conferência municipal da juventude

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CONFERÊNCIA MUNICIPAL DA JUVENTUDE
Juventude, Desenvolvimento e Efetivação de Direitos –

  • Conquistar direitos, desenvolver o Brasil –
    Luiz Antonio Miguel Ferreira1
  1. APRESENTAÇÃO.
    Abordar a juventude, especificamente na questão da efetivação
    de direitos e desenvolvimento, se apresenta como um grande desafio
    em face das peculiaridades que cercam o tema.
    Os jovens são projetados para um futuro muitas vezes incertos
    e para uma realidade desconhecida, mas, juntos, podemos construir
    diretrizes e buscar a concretização de direitos. Este é o espírito que
    deve nortear a presente conferência. Juntos, pais, responsáveis por
    políticas públicas, autoridades e a própria juventude, devemos
    discutir os temas que refletem diretamente este futuro próximo, não
    nos limitando apenas a lançar esses jovens a uma nova realidade.
    Temas que envolvem não somente o aspecto legal dos direitos já
    consagrados, mas outros tantos que se relacionam com a juventude,
    como a questão da educação como base, da educação profissional e
    da empregabilidade, vulnerabilidade e violência, e do mundo da
    informação de seus reflexos nessa idade.
    Pois bem. É sabido que o Estado brasileiro inaugurou uma
    reflexão quanto à juventude ao estabelecer, em 2003, a Política
    Nacional da Juventude e, em 2005, a criação da Secretaria Nacional
    da Juventude, do Conselho Nacional da Juventude e do Projovem.
    Estas iniciativas reforçam a necessidade de se garantir políticas
    públicas para a juventude de forma organizada e planejada. A

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Promotor de Justiça, Coordenador da Área de Educação do Centro de Apoio Operacional Cível e de
Tutela Coletiva do Ministério Público do Estado de São Paulo. Agosto/2011.
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‘conferência municipal’ é um instrumento valioso para estes
encaminhamentos e é nesse sentido que se buscará refletir sobre
alguns desses temas para alcançarmos direcionamentos viáveis para
a efetivação dos direitos.

  1. JUVENTUDE: PRIORIDADE ABSOLUTA?
    A reflexão inicial parte exatamente da questão legal. Sabe-se
    que foi através da Emenda Constitucional n° 65 que a juventude
    passou a ser contemplada no âmbito legal. Diz a emenda:
    Art. 1°. O Capítulo VII do Título VIII da Constituição Federal
    passa a denominar-se “Da Família, da Criança, do Adolescente, do
    Jovem e do Idoso”.
    Art. 2°. O art. 227 da Constituição Federal passa a vigorar com
    a seguinte redação:
    “Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à
    criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o
    direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
    profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e
    à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de
    toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência,
    crueldade e opressão.
    §1°. O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde
    da criança, do adolescente e do jovem, admitida a participação de
    entidades não governamentais, mediante políticas específicas e
    obedecendo aos seguintes preceitos:
    ………………………………………………………………………………
    II – criação de programas de prevenção e atendimento especializado
    para as pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou
    mental, bem como de integração social do adolescente e do jovem
    portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a
    convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos,
    com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e de todas as formas
    de discriminação.
    ………………………………………………………………………………
    § 3°.
    ………………………………………………………………………………
    III – garantia de acesso do trabalhador adolescente e jovem à
    escola;
    ………………………………………………………………………………
    VII – programas de prevenção e atendimento especializado à
    criança, ao adolescente e ao jovem dependente de entorpecentes e
    drogas afins.
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    ………………………………………………………………………………
    § 8°. A lei estabelecerá:
    I – o estatuto da juventude, destinado a regular os direitos dos
    jovens;
    II – o plano nacional de juventude, de duração decenal, visando à
    articulação das várias esferas do poder público para a execução de
    políticas públicas. (NR)
    Desta emenda extrai-se que o jovem foi incluído na
    Constituição, no capítulo destinado à criança e ao adolescente. Não
    ocorreu uma adequação necessária, mas, pura e simplesmente,
    apenas uma inclusão.
    Deste contexto, verifica-se que a PRIORIDADE ABSOLUTA, que
    foi o princípio norteador das ações para as crianças e adolescentes e
    que deu origem ao Estatuto, em 1990, acabou sendo incorporada em
    relação ao JOVEM, bem como por outros segmentos, como o IDOSO
    (previsto no Artigo 2° do Estatuto do Idoso). Quando se tem todos
    como prioridade, é bem possível que nenhum o sejam. Como atender
    de forma prioritária à CRIANÇA, ao ADOLESCENTE, ao JOVEM e ao
    IDOSO? O que não é prioridade? A pessoa que não esteja
    contemplada entre 29 e 60 anos, e desde que não seja pessoa com
    deficiência ou gestante. Enfim, o legislador criou um leque de
    prioridades que acabam prejudicando as ações a serem
    desenvolvidas.
    Tanto é verdade que a emenda mencionada, que é de 13 de
    julho de 2010, apesar de contemplar o jovem como prioridade, não
    seduziu nosso legislador ordinário a garantir tal prioridade com a
    efetivação do Estatuto da Juventude, destinado a regular os direitos
    dos jovens. Parte deles (15 a 18 anos) é usufrutuária dos direitos
    garantidos no Estatuto da Criança e do Adolescente. O restante ainda
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    se encontra órfão de legislação pertinente, ou seja, a prioridade
    estabelecida não está sendo efetivada.
    Ademais, não basta garantir a prioridade no aspecto legal, se a
    mesma não se materializa em ações e políticas públicas. Resta uma
    retórica que pouco seduz e que modificação alguma produz na vida
    da criança, do adolescente, do jovem ou do idoso.
    Assim, tendo a conferência como um dos temas a efetivação de
    direitos, deve nortear suas ações para que o Estatuto da Juventude
    se materialize e ofereça instrumental legal que dê suporte às políticas
    públicas sociais, principalmente às relacionadas com saúde,
    educação, trabalho, esporte, lazer, cultura, dignidade, respeito e
    liberdade. Que não seja um adendo ou cópia do Estatuto da Criança e
    do Adolescente (como foi o Estatuto do Idoso), mas que contemple as
    políticas públicas imprescindíveis para a nossa juventude.
    Que a prioridade absoluta não fique somente no papel, mas se
    converta em ações efetivas de concretização legal e política. Este é o
    primeiro desafio lançado.
  2. A EDUCAÇÃO COMO BASE2
    .
    A educação apresenta-se como a base para que a nossa
    juventude venha a garantir o seu desenvolvimento e conquistar os
    seus direitos. Logo, a educação “com seus efeitos multiplicativos,
    permite o acesso a outros direitos e, do ponto de vista econômico,

2 O capítulo em questão tem como fundamento o artigo do Prof. Cândido Gomes intitulado “Juventude e
inclusão social: a educação como base” (in: JUVENTUDES: possibilidades e limites. Org. Cândido
Alberto Gomes. Brasília. Unesco: UCB, 2011, p. 17-38).
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provê retornos por meio do trabalho, saúde, renda, cidadania e
outros frutos, à altura das circunstâncias que o Brasil vive e viverá”.
Sabe-se que o Brasil está enveredando para um envelhecimento populacional. Segundo dados da ONU, a população estimada
por grupo etário de 2010/2050, para as pessoas com mais de 60
anos, elevará do patamar de 10,2%, estabelecido em 2010, para
29,3%, no ano de 2050, enquanto a população de 15-24, que em
2010 estava em 17,3%, passará para 10,4%. Em termos práticos,
diante desta situação de acelerada “transição demográfica, indagase: quem sustentará os idosos?”. Sem dúvida alguma esta indagação
nos remete ao jovem de hoje, que para dar “conta do seu papel
histórico, precisa ser cada vez mais bem preparado”. Na verdade, a
fatura final dessa conta recairá sobre os jovens, e todos precisam
“enxergar longe e agir rapidamente, lutando contra a inércia de
estruturas burocráticas piramidais”.
O melhor preparo, que passa pela educação, aponta para um
jovem com “uma vida ativa mais longa, melhor exercício da cidadania
e em inevitáveis termos econômicos – maior produtividade”. Requer
uma formação continuada na educação (escolarização e outros
processos) e na formação profissional para a vida.
Contudo, apresenta-se de maneira “angustiante abordar a
educação e a formação profissional, o futuro papel dos jovens e a
revolução demográfica, enquanto o mundo do hoje e do agora
enfrenta paradoxos transnacionais”. “A juventude precisa ser bem
preparada, todavia, o desemprego juvenil é uma praga em países
desenvolvidos e em desenvolvimento”. Os países “buscam manter os
jovens estudando pelo maior tempo possível, porque as ondas das
gerações anteriores ainda não chegaram à praia, ao passo que os
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contingentes cada vez menores de jovens se veem cada vez mais
distantes do trabalho”.
“Com isso, acirra-se a corrida pela educação, novas etapas lhe
são acrescentadas e, como efeito, a abundância relativa de
certificados e diplomas que, como no caso da moeda, leva à sua
desvalorização”. “Daí porque é preciso estudar cada vez mais, num
processo de inflação educacional para conseguir colocações
profissionais muitas vezes abaixo das expectativas”.
Mas a questão não se restringe a este problema. Enquanto
alguns jovens estudam cada vez mais para conseguir colocações
profissionais, outros estão deixando de lado o crédito a ser dado à
educação e enveredam para o trabalho precoce e, muitas vezes, em
condições precárias e atentatórias à dignidade humana. Isto se
comprova quando se analisam as estatísticas que apontam que quase
dois milhões de jovens estão fora da escola e cerca de três milhões
ainda se encontravam no ensino fundamental regular. Quando se
avalia a matrícula no ensino médio e educação de jovens e adultos,
constata-se que está ocorrendo um declínio do total de matrículas,
sendo […] em 2007, 10.637.666, e em 2008, 10.001.345 (fonte:
MEC/INEP). A necessidade do trabalho e o desinteresse em retornar
aos estudos foram a justificativas apresentadas para estes números
(Pesquisas Nacionais por Amostra Domiciliar – PNAD de 2007 e
2008).
Existe ainda outra realidade que é a dos jovens que não
estudam e nem trabalham. São “chamados de “geração ni-ni” (nos
países de língua espanhola, ni trabajan ni estudian) que têm sofrido a
desilusão tanto com o elevado desemprego juvenil, por isso deixando
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de procurar trabalho, quanto com as possibilidades de a educação
lhes abrir oportunidades, em particular, pela inflação de diplomas”.
Estas situações de evasão, abandono e descrédito do jovem
com relação à educação e às dificuldades de empregabilidade
proporcionarão reflexos negativos futuros, mas que já estão sendo
constatadas na realidade com o precoce ingresso no mundo da
criminalidade, em especial no que diz respeito à comercialização de
substâncias entorpecentes.
Como a educação se apresenta de maneira unânime como o
caminho a ser trilhado para o desenvolvimento da pessoa, preparo
para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho (objetivos
previstos no artigo 205 da Constituição Federal) e se mostra como
alternativa para o processo de desenvolvimento do país, em face dos
problemas relatados, há necessidade de se buscar alternativas
rápidas para a adequação dos rumos e objetivos. Nesse ponto, o
amoldamento curricular a esta realidade apresenta-se como um
requisito importante. Precisamos de currículos menos “artificiosos,
isolados da vida vivida, orientados por exames, executados
predominantemente por meio de aulas expositivas, e por isso, caros e
de escassos benefícios para o indivíduo e a coletividade”.
Nesse particular, o jovem deve ser o protagonista e, do mesmo
modo que crianças e adolescentes, menos objeto e mais sujeitos.
Precisa ser “coator da sua educação e decisor da sua vida”. Uma
escola mais atraente, com certeza, possibilitará uma maior aderência
e vínculo com o jovem aluno.
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  1. O MUNDO DA INFORMAÇÃO3
    .
    Esta reflexão nos leva a pensar o que é ser jovem num mundo
    tecnológico, conectado, interligado. Segundo Novaes, a primeira
    relação importante a registrar é que estamos lidando com “a primeira
    geração de filhos que podem ensinar coisas a pais escolarizados”.
    Isso cria uma situação importante em termos de relações
    intergeracionais, também. “Tem-se então um elemento novo na
    sociabilidade, nas relações inclusive internas das famílias”.
    Outro ponto de reflexão refere-se à questão da “exclusão
    digital” e qual o seu impacto em termos de política pública. Um dado
    significativo apresentado por Novaes, em pesquisa realizada na
    América do Sul, constatou-se que no Brasil, Chile e Argentina, os
    jovens estão duas vezes mais conectados que os adultos; na Bolívia e
    Uruguai, três vezes mais e no Paraguai, quatro vezes mais. Ou seja,
    a geração atual em relação à geração anterior está mais conectada.
    Porém, o país que mais tem exclusão social é onde os jovens estão
    mais conectados, em comparação com os adultos. Em conclusão: a
    pobreza não explica a não conexão com a internet. Em um país
    pobre, o jovem pode conectar-se via cyber café, lan house, ou
    qualquer outro meio, mas tem a mesma linguagem que chega a
    todas classes sociais.
    A citada autora também apresenta outro termo a ser analisado
    e que foi deflagrado pelo sociólogo Manuel Castells que “é a
    TECNOSSOCIABILIDADE que mostra que a internet, os meios de
    comunicação têm um papel muito importante na sociabilidade,
    principalmente do jovem, em todos os países. Isso cria outra maneira

3 O capítulo em questão tem como fundamento o artigo da Profa. Regina Novaes, intitulado “A
velocidade da informação e os desafios para a juventude” (in: JUVENTUDES: possibilidades e limites.
Org. Cândido Alberto Gomes. Brasília. Unesco: UCB, 2011, p. 97-117)
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de estar no mundo, outra maneira de conhecer, de aprender, de se
divertir, de fazer amigos, de estabelecer relações. E quem está
preocupado com políticas públicas para a juventude precisa também
perceber como se dá a convivência dessa nova agência de
sociabilização juvenil com as anteriores (família, escola, igreja,
comunidades, etc). Na verdade, a internet chegou a todas as classes
sociais, tem um papel superimportante, abre oportunidades antes
inexistentes, não socialmente inscritas no campo das possibilidades
juvenis. Mas é preciso pensar como essa forma se articula com outras
agências clássicas de socialização já citadas: a família, as igrejas e a
escola”. Para refletir, esclarece a autora que deve haver uma
convergência dos meios de sociabilização e não um processo de
anulação ou exclusão.
Outros temas relativos à questão tecnológica, podem ser
discutidos e analisados, como por exemplo, o problema do espaço
público, ou seja, outro “temor bastante grande é acreditar que a
internet cria individualismo, cria isolamento”. Este ponto tem a ver
com a maneira como as organizações juvenis usam a internet. Como
também os pontos negativos do uso da internet com fotos e
informações em blogs, no Youtube, no Orkut ou Facebook.
Enfim, a questão central é que esta nova tecnologia está ai,
veio para ficar, alterou comportamentos dos jovens e precisamos
discutir, um pouco mais a fundo as suas relações. “Não podemos ter
uma espécie de visão deslumbrada da internet”, como afirmou
Guilherme Canela (JUVENTUDES: possibilidades e limites. Org.
Cândido Alberto Gomes. Brasília. Unesco: UCB, 2011, p. 112) e nem
pensar que ela carrega o mau de todo os problemas que solapam a
juventude.
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  1. CONSIDERANDOS…
    Em face de todas essas considerações, merece destaque o
    alerta feito por NOVAES (2011, p. 99) que “existe não uma
    juventude, mas juventude‘s’ que estão separadas por questões de
    origem social, de classe social, local de moradia, cor, gênero, por
    religião, enfim, que determinam toda uma série de mudanças, de
    diferenciações sociais internas. Mas, embora experimentem
    sentimentos diferenciados, elas têm alguns pontos em comum
    também”. Tais pontos, segundo a citada autora, podem ser assim
    elencados:
    a) O medo de sobrar, ou seja, aquela idéia de que o diploma
    universitário não garante mais o emprego no mesmo nível
    que foi alcançado;
    b) Mercado de trabalho restritivo e mutante: pode-se estar
    empregado hoje e não estar amanhã, porque a tecnologia é
    tão rápida que o ramo estudado não existe mais;
    c) Violência: todas gerações conhecem violência. Mas esta
    geração tem outra relação com a violência, posto que vai
    conhecer o tripé que nenhuma outra conheceu da mesma
    forma: tráfico de drogas; proliferação das armas e o
    despreparo das polícias, das autoridades, do Estado que
    tem o monopólio da força, de lidar com a juventude; Além
    do medo de sobrar, há o medo de morrer de maneira
    precoce e violenta;
    d) Sentimento de estar desconectado com o mundo.
    Tais pontos, que são comuns para toda a juventude, devem
    direcionar as ações políticas para que um novo futuro possa ser
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    sonhado. Isso depende de uma boa semeadura, conforme afirmou
    GOMES (2011, p. 18):
    A juventude hoje se caracteriza pela urgência de boa
    semeadura, para que a colheita atenda às exigências a
    longo prazo. De outro modo, a geração adulta de hoje
    arcará com uma parte significativa dos prejuízos.
    Que, juntos, possamos pensar em ações concretas que alcance
    a efetivação dos direitos constitucionalmente garantidos à juventude
    e que, sem dúvida alguma, reflitam uma boa semeadura.