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VIOLÊNCIA + ADOLESCENTE INFRATOR = MAIORIDADE PENAL ?
Luiz Antonio Miguel Ferreira1
Resumo: Em face da ocorrência de crimes bárbaros praticados por
adolescentes, o tema do rebaixamento da idade para responsabilidade
penal entra em discussão. Esta situação, muitas vezes, não é bem
compreendida pela sociedade que acaba defendendo uma ou outra
posição, sem conhecimento mais aprofundado da questão e seus reflexos.
Diante desta situação o presente artigo busca discutir tal tema com uma
visão abrangente que aponta, não somente argumentos jurídicos, como
também sociológicos para uma tomada de posição. A metodologia utilizada
para a pesquisa concentrou-se numa revisão legal e doutrinária do tema,
apontando reflexões para a formação crítica do assunto, sem se deixar
levar pelo modismo ou pelas afirmações equivocadas que muitas vezes são
apresentadas para se combater o fenômeno da violência.
Palavras–chave: Maioridade penal; Adolescente infrator; Violência;
rebaixamento da responsabilidade penal; controle social da violência;
internação de adolescente.
A. INTRODUÇÃO
A responsabilização penal do adolescente, com o rebaixamento da idade do
infrator, é um tema que, de forma recorrente, vem a público e provoca apaixonantes
debates. Com o objetivo de sistematizar algumas questões tratadas nessa contenda, o
presente trabalho busca apontar reflexões que são necessárias para a correta
interpretação do problema, de forma a subsidiar e fornecer elementos para formação da
convicção pessoal a respeito do assunto, sem paixões e emoções. Reflete a experiência de
quem trabalha diariamente com o problema e vive as angústias das vítimas, infratores e
seus respectivos familiares.
Neste debate, é extremamente importante partir de três nortes para a reflexão:
Onde queremos chegar com a responsabilização do adolescente?
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Promotor de Justiça da Infância e da Juventude do Ministério Público do Estado de São Paulo. Mestre em
Educação. Membro do Conselho Consultivo da Fundação Abrinq. Maio/2013.
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Quais indicadores de avaliação serão levados em conta?
Quais contrapartidas serão oferecidas para o cuidado com essa população?
Diante da realidade posta, podem-se questionar os motivos pelo quais se
pretende ou não o rebaixamento da idade penal.
B. POR QUE REBAIXAR A IDADE
- A TODO ATO INFRACIONAL VIOLENTO PRATICADO POR ADOLESCENTE, O TEMA
REBAIXAMENTO DA IDADE PARA A RESPONSABILIDADE PENAL ENTRA NA
PAUTA DE DISCUSSÃO.
Pretendem os defensores do rebaixamento da idade penal, legislar pela
oportunidade, pela emoção ou paixão. Este tema pode e deve ser sempre debatido, mas
não pode ter como fundamento um fato concreto, posto que o mesmo não é universal,
mas certo e determinado. A lei deve ser elaborada visando a coletividade e não uma
vítima ou familiares específicos. Qualquer legislação elaborada nesse sentido acaba por
comprometer todo um sistema legal, em face de seu caráter emocional. Como afirmou
Gilberto Dimenstein (Cuidado com a lei do menor esforço – 13/02/2007 – Brasília:
UNICEF), o debate sobre aumento das punições a criminosos juvenis, como a proposta de
redução da maioridade penal, sofre de um grave problema – o da lei do menor esforço.
Esta lei atinge, em cheio, os políticos, prontos para oferecer soluções fáceis e rápidas
diante do clamor popular. É mais fácil mandar quebrar o termômetro do que falar em
enfrentar com seriedade a infecção que gera a febre. - APRESENTAM-SE COMO REFERÊNCIA PARA A IDADE PENAL, A FAIXA ETÁRIA
FIXADA POR PAÍSES EUROPEUS QUE ESTENDE A RESPONSABILIDADE A PARTIR
DE 12 ANOS DE IDADE.
A realidade desses países é bem diversa do Brasil. Educação, saúde, convivência
familiar e profissionalização são temas que já estão sedimentados em tais países, razão
pela qual podem pensar na aplicação da lei com idade inferior. Porém, na América Latina,
por conta de outra perspectiva de garantia de direitos fundamentais, a idade penal é mais
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elevada do que na Europa, não podendo a mesma servir de parâmetro. Ademais, quando
entrou em vigor o Estatuto da Criança e do Adolescente, uma das críticas que recebeu era
a de que seria uma lei para o primeiro mundo. Os defensores do ECA sustentavam
exatamente o contrário, ou seja, de que era uma lei para a nossa realidade, pois nos
países de primeiro mundo não precisava estabelecer os direitos fundamentais e sua
proteção legal, já que são ofertados regularmente à população. Agora, no rebaixamento
da idade penal, volta-se à questão dos países de primeiro mundo, esquecendo-se de que
a nossa realidade é outra. - ESPERA-SE COMBATER A VIOLÊNCIA E A CRIMINALIDADE COM A REDUÇÃO DA
MAIORIDADE PENAL.
A violência não se enfrenta, de maneira simplista, com a redução da idade para
responsabilização penal. O controle da violência passa, primeiramente, pela família,
escola, sociedade, igreja, sindicatos, e instituições públicas e privadas. Somente no
fracasso da prevenção primária é que se pode conceber a aplicação da lei, de forma
secundária e residual. E esta, tem que ter a sua limitação, sob pena de se estabelecer uma
sociedade policialesca e arbitrária. Assim, há necessidade de se investir em políticas
públicas garantidoras dos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal. - SUSTENTA-SE QUE O FATO DO INFRATOR SER MENOR DE 18 ANOS, QUE O
MESMO ESTÁ IMPUNE DAS CONSEQUÊNCIAS DE SEU ATO.
O fato de o adolescente ser menor de 18 anos e cometer um ato infracional (crime
ou contravenção) não o isenta de responsabilidade. As medidas estão previstas no
Estatuto da Criança e do Adolescente, figurando a internação como uma das medidas
socioeducativas. A privação da liberdade do adolescente é algo previsto na lei. No
entanto, a utilização da internação, com a consequente privação de liberdade, deve ser
aplicada com as cautelas previstas na lei em face das consequências que produz na
sociedade, sem contar com o processo estigmatizador do cidadão, como um exintegrante do sistema punitivo infanto-juvenil.
4 - O PRAZO PARA A INTERNAÇÃO: A LEI ESTABELECE ATÉ 03 ANOS PARA O
PERÍODO DE INTERNAÇÃO. TRATA-SE DE UM PRAZO EXÍGUO?
O ECA estabelece o prazo de até 03 anos para o adolescente cumprir uma medida
socioeducativa de internação. Este prazo refere-se ao regime fechado, com privação total
da liberdade. Estabelecendo um paralelo com uma pessoa maior de idade, para que ele
cumpra, em regime fechado, 06 meses, 1 ano, 2 anos e 3 anos de internação, equivaleria
ter sido condenado por crime comum a 03, 06, 12 e 18 anos de reclusão. Assim, um
adolescente que fica internado por 1 ano equivale a uma condenação da pessoa maior de
idade a 06 anos. Logo, este prazo não é exíguo, posto que se refere exclusivamente ao
período correspondente a privação de liberdade.
A tabela abaixo traça um paralelo entre o tempo de internação do adolescente
infrator e o período pelo qual um adulto teria que ser condenado para cumprir em regime
fechado o mesmo prazo.
PARA PERMANECER
NO REGIME
FECHADO
(adolescente)
Semiaberto
CRIME COMUM
1/6
Semiaberto.
CRIME DE NATUREZA
HEDIONDA
2/5 (PRIMÁRIO)
06 MESES 03 anos 1 ano e 03 meses
01 ANO 06 anos 02 anos e seis meses
1 ANO E 06 MESES 09 anos 3 anos e 09 meses
DOIS ANOS 12 anos 5 anos
DOIS ANOS E MEIO 15 anos 6 anos e 03 meses
TRÊS ANOS 18 anos 7 anos e 06 meses - EXISTEM ADOLESCENTES QUE SÃO VIOLENTOS, COMETEM CRIMES HEDIONDOS
E ESTÃO VINCULADOS A FACÇÃO CRIMINOSA. O REBAIXAMENTO DA IDADE DE
RESPONSABILIZAÇÃO PENAL É UMA SOLUÇÃO PARA OS MESMOS, POIS HAVERIA
MAIOR RIGOR NA PENALIZAÇÃO.
Não há dúvida que existem adolescentes com este perfil. O problema é que não há
elementos suficientes para apontar que o rebaixamento da idade penal será a solução.
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Pois, se a idade de responsabilização for para 17 anos, também haverá adolescentes
violentos e vinculados à facção criminosa com 16 e até 15 anos. O corte etário, por si só,
não garante que serão contemplados os adolescentes com este perfil e que, por esta
razão, haverá a redução da violência. - O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE SOMENTE OPORTUNIZA A AÇÃO
DOS INFRATORES ADOLESCENTES.
O Estatuto da Criança e do Adolescente é uma lei que contempla toda a população
infanto-juvenil. É uma lei feita para toda criança e adolescente do país, garantidora dos
direitos fundamentais previstos na Constituição Federal (art. 227), como direito à vida,
saúde, alimentação, educação, lazer, cultura, profissionalização, convivência familiar,
liberdade e dignidade. Não foi elaborada somente para os infratores. Estes estão
contemplados e há medidas específicas a serem aplicadas aos mesmos – medidas
socioeducativas. Diferente do Código Mello e Matos e do Código de Menores, o ECA tem
uma aplicação universalizada e, se oportuniza a ação dos adolescentes infratores,
também garante ações para que os mesmos não se tornem infratores, tanto no caráter
punitivo como garantidor do direito fundamental. - O ADOLESCENTE A PARTIR DOS 16 ANOS DE IDADE PODE VOTAR. ASSIM,
TAMBÉM DEVE SER RESPONSABILIZADO CRIMINALMENTE.
A lei brasileira estabelece o critério etário, com fixação de idades para várias
situações, como as que seguem:
16 anos, para votar (art. 14, § 1º, II, “c” da CF). É facultativo para o maior de 16
anos e menor de 18; 18 anos, obrigatoriedade de votar (art. 14, § 1º, I da CF);
35 anos para candidatos aos cargos de presidente, vice-presidente e senador (art.
14, § 3º, VI, “a” da CF);
30 anos para os cargos de governador, vice-governador de estado e do Distrito
Federal (art. 14, § 3º, VI, “b” da CF);
21 anos para deputado federal, deputado estadual ou distrital, prefeito, viceprefeito e juiz de paz (art. 14, § 3º, VI, “c” da CF).
18 anos para vereador (art. 14, § 3º, VI, “d” da CF);
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18 anos para ser responsabilizado penalmente (art. 228 da CF);
18 anos para atingir a capacidade civil (art. 5º do Código Civil);
18 anos de idade para adotar (art. 1618 do Código Civil).
Constata-se, pelos exemplos citados, que várias são as idades fixadas pela legislação
para determinados atos da vida civil. Especificamente em relação ao direito de voto, fixou
a idade de 16 anos para votar, mas esclareceu que se trata de uma faculdade e não uma
obrigação.
O voto, nesta idade é facultativo. Assim, utilizar este parâmetro para justificar
eventual redução da idade para responsabilização penal é um rematado desconchavo.
Pois, se ele pode votar, também teria o direito de se candidatar para qualquer cargo
político, independente da idade. Também deveríamos tratá-lo como adulto, “autorizando
a venda e ingestão de bebidas e venda de cigarros ou a habilitação para dirigir”, pois a
redução da maioridade penal não transformará o adolescente em adulto. A pessoa
continuará sendo adolescente.
C. POR QUE NÃO REBAIXAR A IDADE - A IDADE PARA RESPONSABILIZAÇÃO PENAL É CLÁUSULA PÉTREA.
“Cláusula pétrea” e limites materiais do poder de revisão de uma Constituição
“têm por objetivo constituir mecanismos de garantia da Constituição ou, melhor
explicitando, dos princípios basilares que conferem unidade de sentido e identidade a
determinada Constituição”
2
.
O artigo 5º, §§ 1º e 2º da Constituição Federal estabelecem os direitos
fundamentais, sua aplicação imediata e a não exclusão de outros direitos nela previstos,
ou em tratados internacionais, posto que o rol apresentado não é exaustivo. Esses
direitos não podem sofrer alteração, conforme prevê o artigo 60, § 4º, IV da CF, uma vez
que representam a sustentação do Estado Democrático de Direito. O artigo 228 da
Constituição Federal reza que “são penalmente inimputáveis os menores de 18 anos de
idade, sujeitos às normas da legislação especial”. Trata-se, pois, de um direito individual
2
CORRÊA, Márcia Milhomens S. Caráter Fundamental da Inimputabilidade na Constituição. Rio Grande do
Sul: Sérgio Fabris editor, 1998, p.106.
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que não pode ser objeto de emenda constitucional, até porque está em consonância com
os princípios da prioridade absoluta e proteção integral, adotados constitucionalmente
em relação à criança e ao adolescente (art. 227).
- O ADOLESCENTE NÃO PODE SER PUNIDO COM MAIS SEVERIDADE QUE O
ADULTO.
A Lei do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), 12.594/12,
art. 35, I, estabeleceu que, em hipótese alguma, o adolescente poderá receber
tratamento mais gravoso do que o conferido ao adulto. Contudo, como pretendem alguns
projetos em tramitação no Congresso Nacional, poderá ocorrer tal situação. O adulto, ao
ser penalizado, tem sua sanção devidamente especificada na sentença judicial (1 ano, 2
anos, etc.). O adolescente não é penalizado com uma medida de privação de liberdade
por tempo certo. A internação que se pretende mais longa do que 3 anos, será cumprida
com avaliação semestral, para verificar uma eventual progressão. Neste caso, poderá
ocorrer que o adolescente permaneça internado por mais tempo que um maior que
cometeu o mesmo delito. - A INTERNAÇÃO DEVE OBEDECER AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA
EXCEPCIONALIDADE E BREVIDADE.
A internação de adolescente infrator deve observar os princípios da brevidade,
excepcionalidade e respeito à condição peculiar da pessoa em desenvolvimento. Este
regramento esta previsto na:
a) CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA – UNICEF –
(Aprovada pelo Decreto Legislativo nº 28, de 14 de setembro de 1990 e
Promulgada pelo Decreto 99.710 de 21 de novembro de 1990) Adotada pela
Assembleia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1989 .
ARTIGO 37 – Os Estados Partes zelarão para que:
a) nenhuma criança seja submetida à tortura nem a outros tratamentos ou penas
cruéis, desumanos ou degradantes . Não será imposta a pena de morte nem a
prisão perpétua sem possibilidade de livramento por delitos cometidos por
menores de dezoito anos de idade;
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b) nenhuma criança seja privada de sua liberdade de forma ilegal ou arbitrária. A
detenção, a reclusão ou a prisão de uma criança serão efetuadas em
conformidade com a lei e apenas como último recurso, e durante o mais breve
período de tempo que for apropriado;
b) REGRAS MÍNIMAS DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA,
DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE (REGRAS DE BEIJING). (Recomendadas no 7.º
Congresso das Nações Unidas sobre prevenção de delito e tratamento do
delinquente, realizado em Milão em 26.08 a 06.09.85 e adotada pela Assembleia
Geral em 29.11.85).
19) Caráter excepcional da institucionalização:
19.1. A internação de um jovem em uma instituição será sempre uma medida de
último recurso e pelo mais breve período possível.
TRATAMENTO INSTITUCIONAL
26) Objetivos do tratamento institucional:
…
26.3. Os jovens institucionalizados serão mantidos separados dos adultos e serão
detidos em estabelecimentos separados ou em partes separadas de um
estabelecimento em que estejam detidos adultos.
c) CONSTITUIÇÃO FEDERAL
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao
adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a
salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência,
crueldade e opressão.
…..
3º – O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos:
…..
V – obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à
condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de
qualquer medida privativa da liberdade;
“Os direitos enunciados em tratados e documentos internacionais de proteção aos
direitos humanos de crianças e adolescentes somam-se aos direitos nacionais, reforçando
a imperatividade jurídica dos comandos constitucionais já mencionados e que se referem
à adoção de legislação e jurisdição especializada para os casos que envolvem pessoas
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abaixo dos dezoito anos autores de infrações penais” (Porque dizer não a redução da
idade penal – Brasília: UNICEF, 2007). - A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA DESIGUALDADE.
A ausência da primeira etapa da educação escolar – creches – aponta para o início
de uma história que envolve a repetência, o fracasso escola, o abandono e culmina com o
desemprego e violência. A violência apresenta-se como o contraponto da educação. Não
obstante, apesar do elevado índice de crianças sem acesso a creches e pré-escola, esta
questão não entra na pauta da reinvindicação nacional dos mesmos atores que buscam o
rebaixamento da idade penal. A educação deve ser vista como um todo: boas creches
proporcionam melhoria no ensino pré-escolar, fundamental e médio, que por sua vez
garante alunos melhores preparados para a universidade, que formará bons professores
que também trabalharão nas creches. Este circulo é que faz a diferença. Agora, se já na
primeira etapa ocorre à falha, com a falta de creches, o que esperar da evolução do
sistema? Ao invés de discutir a construção de novas unidades prisionais para receber o
infrator que terá a sua idade penal rebaixada, seria mais adequado discutir
nacionalmente, como garantir a educação para todos. - A REVOLTA DA POPULAÇÃO COM O ADOLESCENTE INFRATOR.
É interessante notar como a população e os meios de comunicação se revoltam
contra o adolescente autor de ato infracional, solicitando urgentes providências legais e
legislativas. A mesma performance não se verifica quando, por exemplo, o Brasil foi
rebaixado no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da ONU ou quando as escolas
não atingem a média do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Estes dois
fatores, com certeza, influem na mesma violência que se pretende combater com o
rebaixamento da idade penal. No entanto, é mais fácil e cômodo buscar esta última
solução, colocando no infrator adolescente toda a responsabilidade social pela violência. - FALTA DE VARAS ESPECIALIZADAS NA INFÂNCIA E JUVENTUDE.
O Brasil é desprovido da universalização das varas especializadas da infância e
juventude nas comarcas. Juízes, Promotores de Justiça, Defensores Públicos e Delegados
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de Policia que atuam na área criminal acabam por realizar este trabalho, que é
diferenciado, posto que, num primeiro momento, o olhar é mais educativo do que
punitivo, por conta da formação da criança e do adolescente, com respeito a pessoa em
desenvolvimento. No entanto, este trabalho deveria ocorrer com a integração
operacional de todo o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente,
conforme determina a Lei (art. 88, V do ECA). Ademais, tais varas deveriam ser dotadas
de equipe especializada (assistentes sociais e psicólogas), o que também não se verifica.
Em síntese, o sistema judicial infanto-juvenil é falho, mas pior será o direcionamento do
adolescente infrator para a esfera criminal, sem o devido aparelhamento, formação e
capacitação. - O QUE IMPLICA A REDUÇÃO DA MENORIDADE PENAL – locais de internação.
Eventual legislação que reduza a idade para a responsabilização penal traz como
consequência direta, a necessidade de meios para o cumprimento do determinado
judicialmente, ou seja, mais cadeias, penitenciárias, casas de internação, ou algo similar.
Sabe-se que o atual sistema prisional não atende de maneira satisfatória a população
carcerária existente. Logo, não há como negar que a simples alteração legislativa não
encontra respaldo necessário para a sua efetividade. Ademais, várias regiões do País
manifestaram-se contrária a existência de mais penitenciárias ou instituições de
adolescentes infratores, como se o problema não fosse dela, fazendo com que muitos
sejam levados a cumprirem a medida em locais distantes de sua residência, dificultando
ou impedindo a sua ressocialização e convivência familiar. - A PENA COMO FORMA DE REDUÇÃO DA CRIMINALIDADE.
Conforme esclarece Márcia Milhomens S. Corrêa3
a ideia de redução da
maioridade penal “encontra-se inserida em um contexto mais amplo de intensificação da
reação punitiva como forma de redução da criminalidade, alicerçado no entendimento da
pena como instrumento de prevenção ao crime. Entretanto, a crise de legitimação pela
qual atravessa o sistema penal, bem como a ineficácia do sistema punitivo no controle da
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Caráter Fundamental da Inimputabilidade na Constituição. Rio Grande do Sul: Sérgio Fabris editor,1998, p.
249.
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criminalidade, demonstra que a redução da maioridade penal não se prestaria aos fins
que seus defensores pretendem atingir, ou seja, diminuir os níveis crescentes da
criminalidade”. Ademais, as medidas socioeducativas e as instituições destinadas a sua
execução tem recebido maior investimento na qualificação e profissionalização.
- MEIOS ALTERNATIVOS DE TRATAR DA VIOLÊNCIA – justiça restaurativa.
A aplicação da justiça restaurativa apresenta-se como alternativa válida para
reduzir a violência praticada por crianças e adolescentes. Trata-se de reunião envolvendo
a pessoa que causou um dano e aquela que o sofreu, com a participação ou não de outras
pessoas afetadas, mediata ou imediatamente, por esta conduta causadora de dano (ato
infracional). O objetivo desta reunião restaurativa é resolver conflitos, impedir que se
repitam ou venham a tomar maior dimensão, tornando-se mais graves e desgovernados.
Também visa transformar conflitos em cooperação, capacitando os atores a suportar o
ônus de decidir o que fazer em circunstâncias difíceis. Esta modalidade de enfrentamento
da violência está em fase embrionária, sendo que poucos são os locais onde se aplica.
Mas, sabe-se que é o caminho mais adequado para resolver conflitos envolvendo
adolescentes, pois oportuniza a restauração do conflito ao invés da simples punição do
infrator. É o contraponto da justiça punitiva. - RESILIÊNCIA.
A violência é um fenômeno que envolve diversos fatores, apresentando algumas
situações que contribuem para a sua ocorrência. Os fatores de riscos universais, como a
pobreza e a exclusão social, são muitas vezes determinantes da violência que envolve o
adolescente. Nessa situação, importante a ocorrência da resiliência que se constitui num
processo final de “proteção, que não eliminam os riscos, mas encorajam os indivíduos a
enfrentar o risco, as adversidades, de forma satisfatória”. Para tanto, é necessário a
presença de “redes de apoio social (disponibilidade de recursos externos de apoio, que
proporcione reforços às estratégias de enfrentamento das situações difíceis da vida) e
redes de apoio afetivo (desenvolvimento em um ambiente coeso e ausência de conflito
em ambiente familiar); além da melhoria da qualidade da interação do indivíduoambiente (relação interpessoal entre membros da família, entre grupo de pares etc.)”. Em
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síntese, é através de políticas publicas efetiva que se pode criar ambientes menos
violento. - A QUESTÃO PSICOLÓGICA NA REDUÇÃO DA IDADE PENAL PARA CRIANÇA E
ADOLESCENTE (BRASILIA: UNICEF, 2007).
A adolescência é uma das fases do desenvolvimento dos indivíduos e, por ser um
período de grandes transformações, deve ser pensada pela perspectiva educativa.
Buscar o desenvolvimento adequado tanto do ponto de vista emocional e social
quanto físico;
É urgente garantir o tempo social de infância e juventude, com escola de
qualidade, visando condições aos jovens para o exercício e vivência de cidadania,
que permitirão a construção dos papéis sociais para a constituição da própria
sociedade;
A adolescência é momento de passagem da infância para a vida adulta. A inserção
do jovem no mundo adulto prevê, em nossa sociedade, ações que assegurem este
ingresso, de modo a oferecer–lhe as condições sociais e legais, bem como as
capacidades educacionais e emocionais necessárias. É preciso garantir essas
condições para todos os adolescentes;
A adolescência é momento importante na construção de um projeto de vida
adulta. Toda atuação da sociedade voltada para esta fase deve ser guiada pela
perspectiva de orientação. Um projeto de vida não se constrói com segregação e,
sim, pela orientação escolar e profissional ao longo da vida no sistema de
educação e trabalho;
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) propõe responsabilização do
adolescente que comete ato infracional com aplicação de medidas
socioeducativas. O ECA não propõe impunidade. É adequado, do ponto de vista da
Psicologia, uma sociedade buscar corrigir a conduta dos seus cidadãos a partir de
uma perspectiva educacional, principalmente em se tratando de adolescentes;
O critério de fixação da maioridade penal é social, cultural e político, sendo
expressão da forma como uma sociedade lida com os conflitos e questões que
caracterizam a juventude; implica a eleição de uma lógica que pode ser repressiva
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ou educativa. Os psicólogos sabem que a repressão não é uma forma adequada de
conduta para a constituição de sujeitos sadios. Reduzir a idade penal reduz a
igualdade social e não a violência – ameaça, não previne, e punição não corrige;
As decisões da sociedade, em todos os âmbitos, não devem jamais desviar a
atenção, daqueles que nela vivem, das causas reais de seus problemas. Uma das
causas da violência está na imensa desigualdade social e, consequentemente, nas
péssimas condições de vida a que estão submetidos alguns cidadãos. O debate
sobre a redução da maioridade penal é um recorte dos problemas sociais
brasileiros que reduz e simplifica a questão;
A violência não é solucionada pela culpabilização e pela punição, antes pela ação
nas instâncias psíquicas, sociais, políticas e econômicas que a produzem. Agir
punindo e sem se preocupar em revelar os mecanismos produtores e
mantenedores de violência tem como um de seus efeitos principais aumentar a
violência;
Reduzir a maioridade penal é tratar o efeito, não a causa. É encarcerar mais cedo a
população pobre jovem, apostando que ela não tem outro destino ou
possibilidade;
Reduzir a maioridade penal isenta o Estado do compromisso com a construção de
políticas educativas e de atenção para com a juventude. Nossa posição é de
reforço a políticas públicas que tenham uma adolescência sadia como meta.
Destaca-se ainda que o sentimento de tempo de um adolescente é mais intenso
que de um adulto e é a fase mais importante de sua formação. - DROGA E VIOLÊNCIA.
Hoje, grande parte da nossa juventude tem envolvimento com a droga. Esta por
sua vez, acaba por desencadear ações de natureza violenta. Assim, a redução da violência
passa, necessariamente, por uma política pública que contemple o infrator usuário ou
traficante de droga, posto que muitos delitos são praticados em nome da droga: seja para
garantir o consumo ou realizados sob o efeito da mesma.
14 - MAIOR PUNIÇÃO AO MAIOR QUE SE ASSOCIA A UM ADOLESCENTE.
Sabe-se que um dos problemas da atualidade envolve a utilização de crianças e
adolescentes por pessoa maior de idade ou facção criminosa na prática de atos
infracionais. Eventual redução da idade penal não afetará tal problema, pois outras
pessoas, ainda menores de idade, serão recrutadas para a prática de infrações. Assim,
reduzindo para 16 anos de idade a imputabilidade penal, consequentemente os
adolescentes de 13, 14 e 15 serão arregimentados.
Maior punição à pessoa maior de idade ou facção criminosa que se utiliza de
crianças e adolescentes no cometimento de delitos é uma alternativa que se impõe, para
salvaguardar a nossa juventude e diminuir o envolvimento dos mesmos em atos ilícitos. - CRIANÇA E ADOLESCENTE FAZENDO VÍTIMAS.
Criança e adolescentes, dentro do processo social, são muito mais vítimas da
exploração do que réus no cometimento de delitos. Nenhuma criança já nasce violenta. A
violência praticada por crianças e adolescentes restringe-se à prática do ato infracional
(crime e contravenção penal). Essa atitude antissocial, que pode gerar violência
representa, muitas vezes, uma forma de protesto, de contestação à sociedade que o
sujeitou a um tipo de existência subumana a que foi condenado. Não são eles que
definem políticas social, educacional, de saúde, convivência familiar, etc. São os
destinatários finais das mesmas, sendo que a violência, traduzida em atos antissociais,
representa uma forma de contestação relativa à negação de tais direitos. “Assim como
ele se vinga, amplos setores da sociedade querem se vingar nele. Um círculo vicioso,
enquanto o verdadeiro culpado –o Estado– continua impune. As causas se mantêm
intocadas” (Brasília: UNICEF, 2007). É possível verificar que a violência (ou os atos
antissociais) por eles praticada é inferior à violência da qual são vítimas diariamente.
15.NOVO PARADIGMA EM RELAÇÃO AO ADOLESCENTE INFRATOR.
Há necessidade de analisarmos e assumirmos outros paradigmas em relação ao
adolescente infrator. Pode-se, a título exemplificativo traçar um paralelo entre velhos e
novos paradigmas em relação ao adolescente infrator.
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VELHO PARADIGMA NOVO PARADIGMA - Adolescente infrator objeto de direito. 1. Adolescente infrator sujeito de
direitos. - Adolescente infrator: problema
estatal. - Adolescente infrator: problema de
todos. - Adolescente infrator: solução via
contenção de liberdade. - Adolescente infrator: solução via
oferecimento de oportunidades e
garantia dos direitos fundamentais. - Adolescente Infrator: preconceito e
marginalização. Isolamento social. - Adolescente infrator: integração e
inclusão social sem rotulação. - Adolescente infrator: internação como
solução. Quanto mais longe do meio em
que vive melhor. - Adolescente infrator: internação como
exceção. Adolescente que deve
permanecer em seu meio social e
familiar. - ALTERAÇÕES DO ECA –
Uma lei, quando editada, tem seus preceitos com validade para o futuro, de modo
a serem cumpridos pela sociedade. Esta lei pode consolidar situações existentes e que
necessitam de uma regulamentação (ex. legislação sobre internet), como também pode
criar situações novas até então não regulamentadas, apesar de presentes na sociedade
(ex. Estatuto da Criança e do Adolescente). O certo, porém, é que tais normas tenham
uma relação direta com a sociedade que as edita. E “toda sociedade humana é dotada de
mobilidade” (Eduardo Novoa Monreal.). A sociedade está sujeita a mudanças de natureza
muito variada que, no dizer do citado autor, se “assemelha a um organismo vivo”. Assim
sendo, é natural que situações anteriormente não previstas na legislação, passem a
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integrar o sistema legal pátrio ou que outras não contempladas integrem a legislação já
editada.
A realidade social imperante, que marca o tema da criança e do adolescente,
acaba por refletir na realidade jurídica, com a edição de leis específicas. O que se
questiona é se a realidade jurídica que se pretende não é demais para a situação social
reinante. Assim, não se nega que o ECA pode e deve sofrer alterações para adequá-lo a
realidade social. O que se contrapõe e a redução da idade, com alteração legislativa, para
se combater a violência imperante na sociedade.
D. CONSIDERAÇÕES FINAIS.
Como se constata, o tema é extremamente complexo e provocador. No entanto,
há necessidade de informações para que seja analisado de forma adequada, dentro de
um sistema jurídico.
Legislar em face de trágicos delitos em que: um rapaz invade uma escola e mata
várias crianças; em razão da morte de diversas pessoas em uma boate que incendiou; de
um goleiro de futebol que mata e esconde o corpo de sua ex-companheira; de outra que
esquarteja o marido, grande empresário, e leva-o numa mala para ocultação do cadáver;
ou de um adolescente que incendeia uma dentista que não lhe atende satisfatoriamente
diante de sua ganância material; ou de outro adolescente que mata sua vítima após
apoderar-se de um celular e uma mochila; é legislar em razão das consequências e não
das causas que levaram a prática de tais infrações. E como já afirmado: tais fatos
continuarão a se repetir…
Agora, quando se busca uma proteção integral para criança e adolescente, infrator
ou não, está se buscando dar efetividade ao princípio da dignidade humana e da
igualdade, posto que se “trata de maneira desigual os materialmente desiguais”.
Dispensa-se uma “proteção especial, em face das peculiaridades do indivíduo ainda em
desenvolvimento que, por estar em condição de hipossuficiência, demanda uma tutela
diferenciada por parte, não apenas do Estado, como também da sociedade como um
todo”4
.
4
CORRÊA, Márcia Milhomens S. Obra citada, p. 250.