Luiz Antonio Miguel Ferreira[1]
Henrique Miuki Koga Fujiki[2]
1. A MUDANÇA LEGISLATIVA.
A recente Lei n. 14.692, de 03 de outubro de 2023, alterou o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90) para possibilitar ao contribuinte, pessoa física ou jurídica, que faz destinação de recursos ao Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente, a indicação de projeto para o recebimento do recurso. A Lei alterou o artigo 260 do ECA, acrescentando os parágrafos 2º – A e B, a saber:
Art. 1º Esta Lei altera o art. 260 da Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), para possibilitar ao doador de recursos aos Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente a indicação da destinação desses recursos.
Art. 2º O art. 260 da Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), passa a vigorar acrescido dos seguintes §§ 2º-A e 2º-B:
“Art. 260. …………………………………………………………………………………..
§ 2º-A. O contribuinte poderá indicar o projeto que receberá a destinação de recursos, entre os projetos aprovados por conselho dos direitos da criança e do adolescente.
§ 2º-B. É facultado aos conselhos chancelar projetos ou banco de projetos, por meio de regulamentação própria, observadas as seguintes regras:I – a chancela deverá ser entendida como a autorização para captação de recursos por meio dos Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente com a finalidade de viabilizar a execução dos projetos aprovados pelos conselhos;
II – os projetos deverão garantir os direitos fundamentais e humanos das crianças e dos adolescentes;
III – a captação de recursos por meio do Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente deverá ser realizada pela instituição proponente para o financiamento do respectivo projeto;
IV – os recursos captados serão repassados para a instituição proponente mediante formalização de instrumento de repasse de recursos, conforme a legislação vigente;
V – os conselhos deverão fixar percentual de retenção dos recursos captados, em cada chancela, que serão destinados ao Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente;
VI – o tempo de duração entre a aprovação do projeto e a captação dos recursos deverá ser de 2 (dois) anos e poderá ser prorrogado por igual período;
VII – a chancela do projeto não deverá obrigar seu financiamento pelo Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente, caso não tenha sido captado valor suficiente.
Esta mudança é bem-vinda. Entretanto, precisa ser mais bem compreendida para poder atingir o seu objetivo de forma adequada e não ser confundida com ações ilegais.
2. A EVOLUÇÃO DA FORMA DE DESTINAÇÃO DE VERBAS PARA OS FUNDOS DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.
É certo que este tema sempre esteve em constante evolução e análise. Inicialmente, quando da promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, a redação do artigo 260 estabelecia o abatimento de cem por cento dos valores doados aos fundos, tendo como limite 10% para pessoa física e 5% para pessoa jurídica.
Posteriormente, nova redação foi dada ao citado artigo, possibilitando a dedução integral do imposto de renda, observando os seguintes limites: 1% (um por cento) do imposto sobre a renda devido apurado pelas pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real; e II – 6% (seis por cento) do imposto sobre a renda apurado pelas pessoas físicas na Declaração de Ajuste Anual (art. 260, I e II do ECA).
Sem dúvida alguma, o ECA foi inovador nesta questão, pois possibilitou a pessoa jurídica e física contribuir para a formação de um fundo destinado especificamente para a criança e adolescente. Até porque, como é de conhecimento geral, qualquer ação em prol desta parcela da comunidade requer investimento. No entanto, a fórmula utilizada pela lei, dificultava um pouco a destinação dos recursos, pois a pessoa física teria que fazer a destinação num ano, para somente no próximo, quando do fechamento de sua declaração de imposto de renda, poder utilizar o valor destinado para abater o seu imposto devido.
Assim, visando facilitar um pouco mais a obtenção de recurso para o Fundo, o Estatuto da Criança e do Adolescente sofreu nova mudança, beneficiando a captação, posto que a destinação poderia ser feita quando do fechamento da declaração do Imposto de Renda. Nesse sentido, a partir do exercício de 2010, ano-calendário de 2009, a pessoa física pode optar pela doação de que trata o inciso II do caput do art. 260 diretamente em sua Declaração de Ajuste Anual, mas destinando 3% (três por cento) do imposto devido a partir do exercício de 2012 (artigo 260-A). Melhorou a forma de captação de recursos, mas diminuiu o percentual a ser destinado.
Especificando este tipo de arrecadação, a lei informa que a doação pode ser deduzida: I – do imposto devido no trimestre, para as PESSOAS JURÍDICAS que apuram o imposto trimestralmente; e II – do imposto devido mensalmente e no ajuste anual, para as PESSOAS JURÍDICAS que apuram o imposto anualmente (art. 260-B).
Enfim, para a pessoa física, constata-se duas formas de destinação: até 6% durante o ano fiscal com abatimento do imposto quando do ajuste e entrega da declaração anual do Imposto de Renda no ano seguinte ou a possibilidade de destinar 3% somente quando do fechamento da declaração anual do Imposto de Renda. Em síntese:
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Captação via boletos municipais – 6% – A vantagem de se captar ao longo do ano fiscal é que o contribuinte pode destinar 6% do imposto devido.
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Captação via DIRPF – 3% – A captação via declaração de imposto de renda é feita no momento da declaração, através do programa gerador do IR, que deve ser baixado no da Receita Federal pelo contribuinte.
Vale destacar que esta doação incentivada ou subsidiada de que fala a lei, que na verdade não se trata de doação e sim de destinação, posto que inexiste o desembolso do contribuinte, mas a dedução fiscal do imposto devido, ou seja, ao invés de o contribuinte pagar o valor total do Imposto de Renda devido, reserva um percentual desse imposto que pode ser repassado para um ou mais Fundos de sua livre escolha, sem qualquer ônus. Merece registrar que mesmo aquele contribuinte que não tem imposto a pagar pode fazer a destinação, recebendo, posteriormente o reembolso do Imposto pago. Trata-se na verdade de um “ato de civismo tributário do contribuinte”, eis que o dever de pagar impostos transforma-se na efetiva participação democrática do processo de execução de políticas públicas para a área da infância e juventude.
O Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente é um fundo público, e as verbas que o constituem através das destinações, fruto de dedução fiscal, adquirem status de recurso público, daí porque todo rigor na questão da aplicação dos valores e prestação de contas por parte das entidades beneficiadas.
É certo ainda que existem outras propostas legislativas para alterar a forma de captação dos recursos para os Fundos, como a apresentada no Projeto de Lei n. 3443/2021, o qual atualmente se encontra na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados, última etapa antes de seguir para a Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania.
Em sua redação original, o referido Projeto de Lei tem como objetivo facilitar a doação de percentual do Imposto de Renda física para os Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente, acrescentando um terceiro inciso ao caput do artigo 260 do Estatuto da Criança e do Adolescente, determinando que o contribuinte pessoa física, o empregador ou o ente público indiquem, em requerimento expresso, exatamente a quantia a ser doada, repassando-o ao Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente Nacional, Estadual, Distrital ou Municipal indicado pelo doador.
De acordo com esta proposta, o destaque do valor recolhido a título de Imposto de Renda respeitará o percentual previsto no art. 260, II, do ECA, e o repasse deverá seguir os artigos 260 ao 260-L, além de uma série de alíneas que integrarão o novo inciso III. Em outros termos, o valor a ser destinado ao fundo passaria a ser descontado mensalmente da cota do imposto de renda pago pelo contribuinte, facilitando, sobremaneira, a arrecadação em favor do Fundo.
Ainda, o PL n. 3443/2021 pretende alterar inciso I do art. 12 da Lei nº 9.250/95, que versa sobre as deduções do Imposto de Renda, para fazer constar expressamente que as deduções relativas às contribuições feitas aos Fundos deverão seguir o disposto na nova lei.
Ou seja, o tema dos recursos ao Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente tem um histórico que demonstra a sua evolução e que culminou, neste ano de 2023, com a Lei n. 14.692, de 03 de outubro de 2023, que alterou o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90) para possibilitar a pessoa que faz destinação de recursos ao Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente a indicação de projeto para o recebimento do recurso.
3. ANÁLISE DA NOVA LEI.
Analisando a nova legislação, verificam-se algumas peculiaridades que precisam de uma atenção especial. Vejamos.
3.1 – O contribuinte poderá indicar o projeto que receberá a destinação de seus recursos, entre os projetos aprovados pelo Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente.
Constata-se que esta destinação não é para qualquer projeto. Somente será beneficiado o projeto que já se encontra aprovado para receber verbas junto ao Conselho de Direito. Na prática, o que se vislumbra é que a entidade que irá desenvolver determinado projeto deve em primeiro lugar buscar sua aprovação junto ao Conselho de Direitos para, somente depois, se beneficiar de destinação de recursos específicos. Registra-se que o Conselho da Criança e do Adolescente, dentro de sua autonomia e por ser um órgão deliberativo (art. 88, II do ECA) pode deferir ou não o projeto apresentado. Eventual indeferimento deve ser fundamentado e baseado na política pública desenvolvida que atenda efetivamente os direitos fundamentais das crianças e adolescentes.
Em razão do exposto, constata-se que inexiste a possibilidade de o contribuinte fazer a destinação de parte de seu imposto diretamente a entidade que apresenta o projeto a ser financiado. Há necessidade de se passar pelo Conselho da Criança e do Adolescente que analisará a pertinência, oportunidade e legalidade do projeto apresentado. Somente após este registro é que o projeto se torna apto a ser financiado.
3.2 – Qual o projeto que poderá ser beneficiado? Somente o projeto aprovado pelo Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente. Quer dizer que, se o projeto foi aprovado e já foi destinado a ele recursos do Fundo para ser incrementado, este projeto não poderá ser contemplado com mais valor captado diretamente junto ao contribuinte, posto que neste caso haveria um duplo financiamento. Assim, pode-se retirar o financiamento pelo Fundo e ficar apenas com a verba destinada exclusivamente pelo contribuinte.
Também poderá ser beneficiado o projeto que foi aprovado pelo Conselho, mas que estava aguardando a liberação de recursos próprios pelo Fundo. Caso não seja contemplado pelos recursos do Fundo, poderá ser obtido o financiamento direto pelo contribuinte.
O procedimento a ser adotado pelos Conselhos deve ser no sentido de se estabelecer duas relações de projetos: a) uma em que ocorrerá o financiamento direto pelos recursos do Fundo; b) e outra onde fica autorizada a captação de recursos diretamente junto ao contribuinte. Publica-se os editais constando esta situação para estabelecer os critérios de financiamento.
Sabe-se que alguns projetos são financiados pelo Fundo e depois de determinado prazo, deixam de ser objeto de financiamento, perdendo em algumas oportunidades, a sua continuidade. Esses projetos que já estão em andamento e que deixarão de ser financiados pelo Fundo poderão ser apresentados para captação de recursos diretamente com o contribuinte. Não se vislumbra impedimento pela nova lei.
3.3 – Requisitos para buscar a captação de recursos diretamente: Existem alguns requisitos legais a serem obedecidos, quais sejam:
a) a captação de recursos somente poderá ocorrer após a aprovação do projeto pelo Conselho;
b) o fato de ter sido aprovado o referido projeto pelo Conselho, não implica na responsabilidade de seu financiamento, caso não consiga levantar valor suficiente para a sua concretização.
c) o valor a ser captado para o financiamento do projeto deve ser correspondente ao valor nele previsto.
d) a transferência do recurso captado para a efetivação do projeto deve obedecer às normas administrativas com a lavratura do instrumento de repasse e prestação de contas.
3.4 – Percentual destinado ao Fundo – A nova legislação estabelece que os Conselhos poderão fixar um percentual de retenção dos recursos captados em favor do fundo. A lei não estabeleceu este percentual, devendo cada Conselho fixá-lo dentro de parâmetros de razoabilidade, pois não podem ser elevados para desestimular a sua obtenção e nem mínimo que não beneficie outros projetos a serem financiados diretamente pelo fundo. Dentro desta perspectiva, o percentual de 10% de retenção para o fundo é um apresenta-se como razoável.
3.5 – O projeto deverá garantir os direitos fundamentais e humanos das crianças e adolescentes. O Conselho é quem define as prioridades a serem atendidas com os recursos captados pelo Fundo. Esta situação está expressamente prevista no artigo 260, § 1º-A do ECA. Dentre estas prioridades, o Conselho não poderá deixar de fixar o financiamento para projetos de incentivo ao acolhimento, sob a forma de guarda de crianças e adolescentes e para programas de atenção integral à primeira infância, em áreas de maior carência socioeconômica e em situações de calamidade (art. 260, § 2º do ECA).
Diante destas considerações, pode-se afirmar que a apresentação de projetos para captação de recursos terá maior sucesso junto aos Conselhos quando buscar atender as suas prioridades. Porém, nada impede a apresentação de outros que não estão contemplados como prioridade, mas que também busquem garantir os direitos fundamentais da criança.
O Estatuto da Criança e do Adolescente define os direitos fundamentais no artigo 4º e detalha cada direito nos capítulos seguintes. Assim, basta seguir estas diretrizes para elaborar um bom projeto para captação de recursos. Vale a criatividade e a necessidade da população a ser atendida.
3.6 – Qual o prazo para a apresentação do projeto para captação direta de recursos? Esta questão poderá ser normatizada pelo Conselho de Direitos com a fixação de prazo legal para a apresentação de tais projetos, a fim de facilitar o desenvolvimento dos trabalhos do colegiado. Porém, a lei não estabelece nenhuma normativa a respeito. Coloca apenas que o tempo de duração entre a aprovação do projeto e a captação dos recursos deverá ser de dois anos e que tal prazo poderá ser prorrogado por igual período. Assim, a apresentação de projetos para captação de recursos tem uma dinâmica própria possibilitando a sua apresentação em qualquer período.
Analisando o caso em face da promulgação da lei, pode-se afirmar que a partir de agora a apresentação de projetos já está liberada para ser ofertada aos Conselhos para análise e aprovação.
3.7 – Como será feita a indicação do projeto a ser financiado pelo contribuinte? Atualmente, conforme já mencionado o contribuinte (pessoa física) poderá fazer a destinação via boletos – 6% ou via Declaração de Imposto sobre a Renda da Pessoa Física – DIRPF – 3%. A pessoa jurídica tributada com base no lucro real procederá da mesma forma, mas com a limitação de 1% do imposto devido.
Por óbvio a destinação direta para financiamento de projeto específico deverá constar expressamente da guia de recolhimento. Neste caso, através do boleto gerado pelo Conselho para arrecadação. Porém, em relação a DIRPF, caso seja possível, dependerá de normativa da Receita Federal para detalhar o projeto destinatário. Hoje, a guia de arrecadação apresenta apenas o Fundo e qual município será beneficiado.
3.8 – O financiamento pelo contribuinte tem que ser no valor total ou parcial do projeto? O financiamento pode ser total ou parcial. Não há necessidade de se buscar um único agente financiador para todo o projeto. As vezes a somatória de destinação é que vai possibilitar a concretização do projeto. Porém, isto deve ocorrer no prazo máximo de dois anos. Enquanto não concretizar o financiamento total do projeto o valor arrecadado parcialmente deve permanecer no fundo até completar o prazo de 2 anos.
3.9 – Caso não consiga o financiamento total do projeto. O que irá acontecer com o dinheiro já arrecadado. Neste caso, reputo que o não atendimento do projeto na sua integralidade, prejudica a sua execução, de forma que o valor arrecadado deve ficar à disposição do Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente a que está vinculado. Excepcionalmente, pode tal valor ser liberado em favor do beneficiário, desde que o projeto possa ser dividido em fases e que alguma delas possa ser executada de plano.
Estes são apenas alguns questionamentos que a nova lei proporciona. Porém, com certeza, quando de sua aplicação novas questões deverão surgir em razão desta inovação.
4. DOAÇÃO CASADA
O art. 260 do Estatuto da Criança e do Adolescente é expresso, ao prever a dedução fiscal apenas para doações feitas aos fundos (municipais, estaduais, distrital ou nacional). Contudo, tornou-se corriqueiro o costume – de moralidade duvidosa – de realizar doações diretamente às instituições de preferência dos doadores, valendo-se dos Fundos para operacionalizar tais destinações de verbas (seja com repasse integral ou retenção parcial), burlando o dispositivo legal, com o intuito de aproveitarem-se do benefício fiscal. À esta prática se deu o nome de doação casada, atualmente vedada pela lei e combatida nos tribunais.
De fato, após a realização da doação, aquela verba passa a ser considerada recurso público, cuja gestão deverá ser administrada pelo Conselho de Direitos da Criança e Adolescente. Assim, não haveria como o doador influenciar na posterior destinação destes recursos, a fim de privilegiar uma entidade ou instituição específica, ainda que estas possuíssem excelentes objetivos.
O CONANDA, por meio dos artigos 12 e 13 da Resolução n. 137/2010, permitiu que o contribuinte escolhesse a destinação de sua doação, o que fora objeto de ação judicial perante a Justiça Federal, que julgou ilegal tais dispositivos.
Prevaleceu o entendimento de que a delegação de competência a particulares quanto à gestão da indicação da destinação dos recursos captados pelos referidos fundos, a que se reportam os arts. 12 e 13 da Resolução CONANDA 137/2010, afigura-se flagrantemente abusiva, por violação ao princípio da legalidade.
Conforme definido pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região[3], o CONANDA não poderia disciplinar a matéria, uma vez que a discussão acerca da dedução de imposto de renda somente poderia ser disciplinada pelo ente federado que o instituiu, no caso a União (conforme se extrai dos artigos 151, inciso III e 153, inciso III, ambos da Constituição Federal).
Destaca-se que o tema trabalhado no presente não se refere à legalização da doação casada.
Extrai-se da literalidade dos novos parágrafos 2º-A e 2º-B do artigo 260 do ECA que o contribuinte poderá apenas destinar sua doação à projetos específicos, dentre aqueles já aprovados pelo conselho dos direitos da criança e adolescente.
Ou seja, a gestão e administração dos recursos ficarão sob total controle do conselho, que após procedimento de aprovação de projetos apresentados pelas instituições, cuidará do repasse das verbas arrecadadas pelos Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente.
Desta forma, a recente alteração legislativa não visa contrariar o que fora decidido pelo Poder Judiciário, não se tratando, portanto, de uma expressão do “efeito blacklash”[4], tampouco pretende reviver os artigos 12 e 13 da Resolução CONANDA 137/2010.
O legislador buscou, em verdadeira inovação, a evolução da destinação de recursos aos Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente, aprimorando e dando mais alternativas aos doadores, que ao receberem incentivos fiscais, ajudam na construção de uma realidade melhor para as crianças e adolescentes.
5. CONSIDERANDOS
A sociedade está em constante evolução e o ordenamento jurídico tem a obrigação de acompanhar este movimento, sob pena de se tornar obsoleto e nem qualquer aplicabilidade na atualidade. O Estatuto da Criança e do Adolescente é uma legislação que sofreu várias mudanças, exatamente para deixá-lo mais adequado a realidade vivida por esta parcela da comunidade.
A nova legislação aponta para esse sentido. Em face da viabilidade dos fundos e da sua gestão pelos Conselhos, de forma adequada e legal, aumenta-se a possibilidade de se buscar recursos. O desafio agora é fazer com que esta legislação seja efetivamente aplicada. Para tanto, torna-se necessário a boa e correta interpretação da lei para possibilitar aos interessados as ações necessárias visando o financiamento de projetos.
Um fato relevante e que merece destaque é que a nova lei amplia o leque de interessados em buscar recursos para as crianças e adolescentes. Uma prática, infelizmente comum, é deixar a captação de recursos somente sob a responsabilidade dos Conselhos. Os beneficiários pouco se mobilizam para aumentar a receita dos fundos. Agora, esta lógica poderá ser alterada, uma vez que implicará na ação articulada dos autores dos projetos para buscar o seu financiamento.
É obvio que alguma regulamentação suplementar da Receita Federal deverá ocorrer em face desta nova lei, mas, de plano ela já possibilita a sua execução.
Enfim, a mudança é benéfica e pode contribuir para o aumento de arrecadação do fundo e o financiamento de novos projetos em prol das crianças e dos adolescentes.
[1] Advogado e consultor. Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo Aposentado. Mestre em Educação. Autor de livros e artigos nas áreas da infância, pessoa com deficiência e educação.
[2] Advogado. Pós-graduado em Direito Processual Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (CEPED/UERJ). Autor de livros e artigos na área dos Direitos Humanos.
[3] Ação ajuizada pelo Ministério Público Federal, processo nº 0033787-88.2010.4.01.3400/DF, julgado pela 5ª Turma do TRF-1 em 17 de outubro de 2017.
[4] O termo “blacklash” vem da língua inglesa e significa “retaliação”. De acordo com a doutrina, “O backlash é uma reação adversa não-desejada à atuação judicial. Para ser mais preciso, é, literalmente, um contra-ataque político ao resultado de uma deliberação judicial” (MARMELSTEIN, George, Efeito Backlash da Jurisdição Constitucional: reações políticas ao ativismo judicial, artigo disponibilizado pelo Conselho da Justiça Federal em: https://www.cjf.jus.br/caju/Efeito.Backlash.Jurisdicao.Constitucional_1.pdf) . Por exemplo, ocorre quando o Poder Legislativo propõe uma nova lei cujo teor contrarie uma decisão judicial, como forma de demonstrar irresignação e uma verdadeira retaliação.
Outubro de 2023.