Conselho nacional do ministério público e a pessoa com deficiência

Conselho nacional do ministério público e a pessoa com deficiência

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CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
E A PESSOA COM DEFICIÊNCIA.
Claudia Maria de Freitas Chagas1
Luiz Antônio Miguel Ferreira2

  1. INTRODUÇÃO.
    Existem milhares de pessoas que não podem exercer o direito fundamental de ir e vir.
    Os edifícios públicos, os transportes coletivos, as praças e os imóveis em geral foram
    construídos para pessoas sem deficiência, como se a sociedade fosse composta apenas por
    homens e mulheres perfeitos. Da mesma forma, não conseguem emprego, estudar e até
    mesmo recursos na área da saúde (para muitos, indispensáveis). É necessário que as pessoas
    com deficiência tenham acesso aos locais e serviços mais comuns e elementares, garantindo
    sua plena integração e inclusão na vida social, cultural, econômica e política da comunidade.
    O ambiente e os recursos disponibilizados tem um enorme impacto sobre a experiência
    e a extensão da deficiência. A acessibilidade e a efetividade dos serviços públicos devem ser
    implementadas para garantir a cidadania da pessoa com deficiência, com reflexos diretos em
    sua qualidade de vida. Esta mudança efetiva-se pela legislação e por políticas públicas.
    Quando lançada na legislação, atinge a todos, sem distinção, e implica a necessidade de seu
    cumprimento.
    Por outro lado, tratar da questão relacionada à pessoa com deficiência é algo que nos
    remete ao tema de direitos humanos. Tanto que o objetivo da Convenção dos Direitos da
    Pessoa com Deficiência é:
    (O propósito da presente Convenção) é promover, proteger e assegurar
    o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades
    fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela
    sua dignidade inerente.

1 Conselheira do Conselho Nacional do Ministério Público.
2
Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo. Mestre em educação. Integrante da
Comissão de Acessibilidade do Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP. e do Conselho Consultivo da
Fundação Abrinq – outubro/2012. Contato: luiz.ferreira@mp.sp.gov.br
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Vale lembrar que a Convenção integra o nosso ordenamento jurídico, conforme
estabelecido no Decreto n. 6.949, de 25 de agosto de 2009, já que o País ratificou a mesma.
Assim, atento aos princípios da Convenção, deve-se registrar que o artigo 3º, item 06, trata de
vários temas. Assim estabelece:
Os princípios da presente Convenção são:
a) O respeito pela dignidade inerente, a autonomia individual, inclusive
a liberdade de fazer as próprias escolhas, e a independência das pessoas;
b) A não-discriminação;
c) A plena e efetiva participação e inclusão na sociedade;
d) O respeito pela diferença e pela aceitação das pessoas com
deficiência como parte da diversidade humana e da humanidade;
e) A igualdade de oportunidades;
f) A acessibilidade;
g) A igualdade entre o homem e a mulher;
h) O respeito pelo desenvolvimento das capacidades das crianças com
deficiência e pelo direito das crianças com deficiência de preservar sua
identidade.
A Constituição Federal, denominada de cidadã, não se esqueceu da pessoa com
deficiência, estabelecendo vários dispositivos que buscam efetivar o principio da igualdade e
dignidade da pessoa humana.
E não poderia ser de outra maneira. Com efeito. Segundo dados do IBGE, 23,9% do
total da população, ou seja, 45.623.910 milhões de pessoas, possuem alguma deficiência. Este
número, por si só, revela a importância do tema e a sua ligação com o Ministério Público, que
é a instituição encarregada da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos
interesses sociais e individuais indisponíveis (CF., art. 127), inclusive da pessoa com
deficiência.
Diante deste quadro, não há como negar a relação entre a pessoa com deficiência e o
Ministério Público. Esta relação apresenta-se da maneira mais ampla possível, pois envolve
desde a garantia de inclusão (no trabalho, na educação, no lazer, na família, na saúde, etc.) até
as condições mínimas para que isso ocorra, com a garantia à acessibilidade. Este artigo busca
analisar essa relação, com considerações iniciais sobre a evolução do tratamento dispensado à
pessoa com deficiência, destacando, em seguida, os aspectos legais e da importância das
ações do Ministério Público para a efetivação dos direitos fundamentais e humanos, com
realce para o papel do Conselho Nacional do Ministério Público.
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  1. EVOLUÇÃO DO TRATAMENTO DISPENSADO À PESSOA COM
    DEFICIÊNCIA.
    Desde o início dos tempos, as pessoas com deficiências foram alijadas do convívio
    social, impedidas de participar e de desenvolver sua capacidade como indivíduo e cidadão.
    Esta situação de inércia levou a uma acomodação por parte da sociedade mantendo o grupo
    marginalizado e segregado da comunidade. Na verdade, vigorou até meados do século XX,
    uma concepção de institucionalização da pessoa com deficiência, que era frequentemente
    retirada de sua comunidade de origem e colocada em instituição segregadora.
    A partir da segunda metade do Século XX, surge uma nova concepção relacionada à
    pessoa com deficiência visando a sua integração social. Serviços foram criados para atuar
    diretamente sobre a pessoa com deficiência, buscando adaptá-la ao meio social e aproximá-la
    da normalidade, para a sua integração social. O sujeito passou a ser alvo da intervenção, já
    que a mudança era direcionada à sua pessoa. Denominou-se esta fase como paradigma de
    serviço.
    Com o passar do tempo, essa fase também foi superada por outra que via a
    necessidade de garantir a inclusão social da pessoa com deficiência com a necessidade de
    reorganização da sociedade. As ações não são mais direcionadas somente à pessoa, mas
    também à sociedade. Passa-se de uma concepção de “pessoa com necessidades especiais para
    necessidades especiais das pessoas”.
    Culminando com essa evolução sobre a pessoa com deficiência, vivemos hoje uma
    realidade que envolve a sua plena emancipação – nada sobre nós, sem nós. A pessoa com
    deficiência passa a ter papel relevante e ativo na família e na sociedade com o pleno exercício
    da cidadania, com a garantia do acesso social e comunitário.
    Para chegar até este patamar, muitas foram as lutas estabelecidas, tanto no aspecto
    social como legal. A evolução legislativa caminhou ao lado da mudança social, visando
    garantir a dignidade da pessoa com deficiência.
    O marco legal dessa evolução, que consolidou a concepção de emancipação, como já
    afirmado, foi a Constituição Federal de 1988. Em seguida, várias leis foram publicadas
    visando dar efetividade ao comando constitucional, dentre as quais, podem ser citadas: a) a
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    Lei Federal nº 7.853, de 24 de outubro de 1989, que tratou do apoio às pessoas com
    deficiência e instituiu a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos, disciplinando a
    atuação do Ministério Público nesta área e definindo crimes; b) o Decreto n. 3.298, de 20 de
    dezembro de 1999, que regulamentou a lei anterior e instituiu a política nacional para a
    integração da pessoa com deficiência; c) a Lei n. 10.098, de 19 de dezembro de 2000, que
    estabeleceu normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas
    com deficiência ou com mobilidade reduzida; d) o Decreto n. 5.296, de 02 de dezembro de
    2004, que disciplinou a lei retro mencionada visando garantir a promoção da acessibilidade da
    pessoa com deficiência; e) o Decreto n. 7.612, de 17 de novembro de 2011, que instituiu o
    Plano Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência.
    No âmbito internacional, destacam-se: a) convenção interamericana para a eliminação
    de todas as formas de discriminação contra a pessoa com deficiência, que foi aprovada pelo
    Decreto n. 3.956, de 08 de outubro de 2001; b) convenção internacional sobre os direitos das
    pessoas com deficiência, aprovada pelo Decreto n. 6.949, de 25 de agosto de 2009.
    Constata-se do exposto que, assim como ocorreu uma mudança de paradigma em
    relação à pessoa com deficiência, também se verificou uma alteração legislativa visando dar a
    efetiva sustentação às novas concepções. Todo este processo social e legal culminou com o
    reconhecimento da pessoa com deficiência, como cidadã, da sua dignidade como pessoa
    humana e, principalmente, na inclusão da questão da deficiência como de direitos humanos.
    Nesse particular, o Relatório Mundial sobre a Deficiência estabelece que a deficiência é uma
    questão de direitos humanos porque:
     As pessoas com deficiência enfrentam desigualdades, por exemplo, quando
    elas tem negado o acesso igualitário a serviços de saúde, emprego, educação
    ou participação política devido à sua deficiência;
     As pessoas com deficiência estão sujeitas a violações da sua dignidade, por
    exemplo, quando são sujeitas à violência, abuso, preconceito ou desrespeito
    devido à sua deficiência;
     Algumas pessoas com deficiência perdem sua autonomia, por exemplo, quando
    estão sujeitas a esterilização involuntária, ou quando são confinadas em
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    instituições contra sua vontade, ou quando são vistas como legalmente
    incompetentes devido à sua deficiência. (Relatório Mundial sobre deficiência.
    2011: 08/09).
    Esta concepção foi devidamente delineada na Convenção Internacional sobre os
    Direitos da Pessoa com Deficiência e implica, aos países que a adotaram, como o Brasil, a:
     Adotar legislação e outras medidas administrativas apropriadas onde for
    necessário;
     Modificar ou revogar leis, costumes, ou práticas que direta ou indiretamente
    discriminem;
     Incluir a deficiência em todas as políticas públicas e programas relevantes;
     Abster-se de qualquer ato ou prática inconsistente com a Convenção sobre os
    direitos da pessoa com deficiência;
     Tomar todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra
    pessoas com deficiência por qualquer pessoa, organização ou empresa
    privada. Relatório Mundial sobre deficiência, 2011: 10).
    Em síntese: se todos os homens têm a mesma natureza e dignidade, todos devem gozar
    de tais direitos. Se a humanidade tem os mesmos valores, todos hão de ter os mesmos direitos.
    (Ferreira Filho. 2011: 220). Essa é a nova realidade que deve nortear todas as ações
    direcionadas à pessoa com deficiência.
    O Brasil, assumindo tal compromisso e reconhecendo tais direitos humanos, tratou de
    dar-lhes efetividade no aspecto legal. Contudo, a realidade social posta está muito aquém da
    realidade jurídica. É exatamente nesta oportunidade que o Ministério Público se apresenta e
    ganha relevo, pois tem legitimidade e competência para adotar medidas judiciais e
    extrajudiciais garantidoras da cidadania e da dignidade de todas as pessoas com deficiência.
  2. O MINISTÉRIO PÚBLICO E A PESSOA COM DEFICIÊNCIA.
    Assim, diante da evolução do sistema legal, o Ministério Público é a instituição
    legitimada para dar efetividade ao ordenamento jurídico, com o objetivo de garantir os
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    direitos fundamentais da pessoa com deficiência. A ação institucional está amparada pela
    Constituição Federal; Lei Federal nº 7.347, de 24 de julho de 1985 (Lei da Ação Civil
    Pública); na Lei Federal 8.625, de 12 de fevereiro de 1993 (Lei Orgânica Nacional do
    Ministério Público); na Lei Complementar 75, de 20 de maio de 1993 (Ministério Público da
    União) e na Lei Federal nº 7.853, de 24 de outubro de 1989.
    Com o advento da Constituição Federal de 1988, o campo de atuação do Ministério
    Público foi alargado, com a incumbência da defesa da ordem jurídica, do regime democrático
    e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127), dentre eles, obviamente, os
    interesses da pessoa com deficiência.
    A atuação do Promotor de Justiça, na área da pessoa com deficiência, implica zelar
    para que os Poderes Públicos e os serviços de relevância pública observem os direitos e
    princípios constitucionais de proteção às pessoas com deficiência (Mazzilli, 2011: 684) bem
    como as instituições privadas (como, por exemplo, no caso de reserva de vaga para o trabalho,
    acessibilidade, etc.). A referida legitimação é tanto para a instauração de inquérito civil,
    propositura de ação judicial, bem como intervenção nos processos em que figuram como parte
    e que o objeto da ação esteja relacionado com a deficiência. Desta forma, a intervenção ocorre
    em áreas como saúde, educação, esporte, turismo e lazer, acessibilidade, profissionalização e
    acesso ao trabalho, transportes, comunicação, habilitação e reabilitação profissional, cultura,
    etc.
    Constata-se que o campo de atuação é extremamente amplo e requer um olhar para o
    futuro (garantindo direitos), bem como para o passado (corrigindo as irregularidades e
    injustiças). A atuação terá como principio norteador a garantia da igualdade das pessoas, que
    não significa garantir privilégios, mas ações afirmativas que se coadunam com o principio da
    igualdade (Ferreira Filho, 2011:141). Acrescenta Ferreira Filho que distinções realizadas em
    favor da pessoa com deficiência têm a finalidade de igualar e não desigualar, mas igualar
    corrigindo tratamentos discriminatórios, globalmente vigorantes na sociedade. Refletem elas
    a ideia do tratamento desigual dos que se apresentam desigualados na sociedade. Levam em
    conta não os indivíduos isoladamente considerados, mas os grupos a que pertencem
    (Ferreira Filho, 2011:141).
    Levando-se em consideração que vivemos, hoje, uma realidade que envolve a plena
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    emancipação da pessoa com deficiência, que se resume no lema – nada sobre nós sem nós –
    não há dúvida de que uma atuação eficiente e eficaz do Ministério Público implica o
    compartilhamento das ações com os próprios deficientes. Tanto nas ações preventivas, como
    judiciais, o Ministério Público cumprirá com o seu dever constitucional, quando passar a
    ouvir o deficiente, com a clareza de suas necessidades e dificuldades. Nesse campo, não há
    como negar a necessidade de uma interlocução com a comunidade, principalmente com os
    conselhos (municipais, estaduais e federal) da pessoa com deficiência, com as instituições que
    trabalham com a pessoa com deficiência ou com o próprio interessado, na relevante função do
    atendimento ao público. Em síntese, uma política de atuação ministerial somente atingirá o
    seu objetivo na área da pessoa com deficiência, quando se integrar a esse novo paradigma.
  3. O CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
    Considerando todo este quadro e ressaltando o grande número de pessoas com
    deficiência na nossa população, não há dúvida de que o Ministério Público tem um papel de
    grande relevância no tema e deve cumprir de maneira adequada o que foi preconizado na
    Constituição Federal. A instituição abrange o Ministério Público da União (MPU), que é
    composto pelo Ministério Público Federal (MPF), Ministério Público Militar (MPM),
    Ministério Público do Trabalho (MPT) e do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) e o
    Ministério Público dos Estados (MPE), tendo possibilidade de atuar com eficiência em todo o
    território nacional. Da mesma forma, é importante e necessária a ação do Conselho Nacional
    do Ministério Público que, por ser o órgão de controle externo e de fiscalização do exercício
    administrativo e financeiro do Ministério Público (criado pela Emenda Constitucional n. 45,
    de 30 de dezembro de 2004), pode contribuir para o direcionamento das demandas relativas à
    pessoa com deficiência e para uma atuação transparente e integrada.
    Destaca-se a missão do órgão de garantir que o Ministério Público cumpra o
    estabelecido no artigo 37 da Constituição Federal, com a observância dos princípios da
    legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Este último tem especial
    relevância para a atuação na área da deficiência, onde se busca que o Promotor de Justiça seja
    eficiente em suas ações direcionadas às pessoas com deficiência.
    Com este propósito, o Conselho Nacional do Ministério Público editou a Resolução n.
    81, de 31 de janeiro de 2012, que dispõe sobre a criação da Comissão Temporária de
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    Acessibilidade, adequação das edificações e serviços do Ministério Público da União e dos
    Estados às normas de acessibilidade. O ato regulamentar busca ainda proporcionar aos
    Promotores e Procuradores, no desempenho de suas funções, uma atuação que cumpra o
    determinado na legislação, em relação à pessoa com deficiência, bem como dar condições
    físicas para que as pessoas com deficiência tenham pleno acesso ao Ministério Público.
    Em um primeiro momento, o objetivo da resolução pode parecer elementar, pois de
    fato exige o cumprimento, na instituição, do que a legislação em relação à pessoa com
    deficiência já impõe. Apesar disso, sua finalidade é relevante, pois não há como exigir dos
    outros, aquilo que não se observa, mesmo sendo obrigado a fazê-lo. Como cobrar
    acessibilidade, se no próprio Ministério Público à mesma não é plenamente contemplada? A
    acessibilidade deve ser observada em todo o serviço público, sem exceção, sendo certo que a
    instituição ministerial também deve adotar medidas para garanti-la. No mesmo sentido
    encontra-se a reserva de vagas à pessoa com deficiência, nos concursos realizados.
    O cumprimento da legislação relativa à pessoa com deficiência, por parte do
    Ministério Publico, portanto, revela-se como o principal objetivo da resolução editada pelo
    Conselho Nacional do Ministério Público.
    É de se ressaltar, ainda, que no exercício de suas funções primordiais, o Ministério
    Público realiza o atendimento ao público, devendo garantir às pessoas com deficiência o
    acesso amplo e irrestrito à instituição. Isso se faz não somente com a adequação de prédios.
    Há necessidade de uma capacitação de funcionários, Promotores e Procuradores. Como
    atender o deficiente auditivo? O artigo 26 do Decreto n. 5.626, de 22 de dezembro de 2005,
    estabelece que o “poder público, as empresas concessionárias de serviços públicos e os órgãos
    da administração pública federal, direta ou indireta, devem garantir às pessoas surdas o
    tratamento diferenciado, por meio do uso e difusão de libras e da tradução e interpretação de
    libras-língua portuguesa”. Estabelece ainda que pelo menos “cinco por cento de servidores,
    funcionários e empregados (devem ser) capacitados para o uso e interpretação de libras” (art.
    26, § 1º). E o deficiente visual? Os espaços públicos estão adaptados com placas indicativas
    em braile para que o mesmo tenha acesso ao órgão do Ministério Público?
    Ainda com relação ao atendimento ao público, a necessidade imperiosa de que este
    serviço seja garantido a todos, sem discriminação, encontra fundamento também na
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    necessidade de que a pessoa com deficiência tenha contato com o representante do Ministério
    Público. Uma das formas da instituição melhor conhecer os problemas que a afetam, sem
    dúvida é ouvi-la, o que subsidiará posteriores encaminhamentos judiciais e extrajudiciais.
    Sabe-se que a legislação priorizou a função de órgão agente (atuação mais ampla) dos
    Procuradores e Promotores de Justiça, em detrimento de órgão interveniente (atuação restrita),
    conforme nos lembra o Conselheiro Claudio Barros Silva3
    . Assim, para agir em favor da
    pessoa com deficiência e cumprir “seus reais compromissos sociais neste País de gravíssimas
    desigualdades, em que seu povo não conhece, muitas vezes, os seus direitos”, mister se faz
    que o atendimento ao público, realizado pelo órgão do Ministério Público, seja de qualidade e
    para todos.
    O Conselho Nacional do Ministério Público, portanto, no cumprimento de sua nobre
    missão constitucional, ao voltar suas ações para as pessoas com deficiência, garante o acesso
    de todos aos Procuradores e Promotores de Justiça, independente de sua condição pessoal ou
    social, contribuindo para o aperfeiçoamento institucional e servindo à sociedade da melhor
    maneira possível.
    A edição da citada norma revela apenas o início de uma ação do CNMP, com âmbito
    nacional, em favor da pessoa com deficiência. Há necessidade de ampliação dos debates e dos
    mecanismos para aprimorar os trabalhos do Ministério Público em prol dessa parcela da
    comunidade. Isto vem sendo feito não só no âmbito da Comissão de Acessibilidade, mas
    também do Planejamento Estratégico Nacional e do Banco de Projetos, destacando-se, na
    atualidade, os seguintes temas:
    a) Promotorias especializadas;
    b) Ações regionalizadas;
    c) Efetivo cumprimento de planos de atuação funcional4
    ou planejamento
    estratégico que contemplem medidas em favor da pessoa com deficiência;

3 Voto proferido no processo n. 935/207, apenso ao PCA n. 818/2009-79.
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Neste tópico merece destaque o artigo: Vinculatividade dos Planos de atuação do Ministério Público. Ronaldo
Porto Macedo Júnior. In: VIGLIAR, José Marcelo Menezes, MACEDO JÚNIOR, Ronaldo Porto (coordenadores). Ministério Público II – Democracia. São Paulo: Ed. Atlas, 1999 e a tese: MINISTÉRIO PÚBLICO, DEMOCRACIA E EFICIÊNCIA DA ATUAÇÃO. Wallace Paiva Martins Junior. Tese apresentada no XXX Seminário Jurídico dos Grupos de Estudos da Associação Paulista do Ministério Público, realizado no “Casa Grande
Hotel”, Guarujá, Estado de São Paulo, de 17 a 20 de outubro de 2002.
10
d) Fiscalização por parte das corregedorias, na atuação nesta área para aferição do
critério de merecimento5
.
e) Criação de comitês de acessibilidade nos Ministérios Públicos, como já ocorre
em alguns Estados.
É nesse sentido que as ações devem ser direcionadas, para que a atuação do Ministério
Público seja cada vez mais eficiente na área da pessoa com deficiência.

  1. CONSIDERAÇÕES FINAIS.
    Constata-se que as mudanças advindas da Constituição Federal de 1988, obrigaram o
    Ministério Público a ter uma nova postura frente aos desafios que lhes foram apresentados. O
    tema “pessoa com deficiência” é, ainda hoje, um dos que se apresenta em processo de
    desenvolvimento. Não foi esquecido, mas poderia ter uma atuação mais destacada, não
    fossem as inúmeras demandas que, também, se apresentaram à instituição ministerial. Há
    necessidade de encontrar alternativas e formas de atuação para que a questão seja enfrentada
    da maneira mais adequada, já que a população com deficiência atinge 45.623.910 milhões de
    pessoas, ou seja, 23,9% do total da população possui alguma deficiência6
    .
    Sabe-se que não basta editar leis que ampararem a pessoa com deficiência para se
    afirmar que o direito à igualdade, à dignidade e à cidadania estejam garantidos, posto que tais
    pessoas, no contexto social, continuam marginalizadas em face de um processo histórico de
    exclusão. Assim, surgindo o Ministério Público como instituição designada para fazer valer
    os direitos e interesses das pessoas com deficiência, visando garantir a sua cidadania,
    inclusão social e dignidade (FERREIRA, 1993:02), faz-se mister que desempenhe a sua

5 Destaca-se, ainda, o artigo: A função disciplinar da Corregedoria Geral do Ministério Público e seu papel na
aferição do merecimento do Promotor de Justiça. Luiz Carlos Galvão de Barros. Revista Justitia: São Paulo, 52
(152), out/dez. 1990, pág. 52-57.
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É interessante comparar este número de pessoas com deficiência com as crianças/adolescentes e os idosos, para
justificar uma atuação especial. O quadro abaixo apresenta estes números:
BRASIL
Crianças e
adolescentes Idosos
2000 61.043.217 14.538.988
2010 56.290.168 20.590.597
2011 58.837.941 19.986.116
2020* 51.672.639 28.321.799
11
missão a contento, construindo uma prática institucional direcionada para a realização dos
objetivos sociais de longo alcance. (SALLES, 1999:40). Neste sentido, pode-se afirmar que:
À medida que o Direito deixa de se colocar como simples mediador e
protetor de autonomias privadas, para incorporar objetivos sociais muito mais
amplos, passando o Estado a desempenhar papel de regulação das atividades
econômicas e sociais, as funções do Ministério Público também passam a ser
colocadas de maneiras diversas (SALLES, 1999:40).
Conferindo ao Ministério Público a tarefa de proporcionar, facilitar e agir, no sentido
de garantir a efetividade dos direitos fundamentais da pessoa com deficiência, conclui-se que
a sua inércia também pode configurar uma outra forma de exclusão desta comunidade. Daí
porque, a atuação do Promotor de Justiça nesta área é de extrema importância, para o
restabelecimento de uma sociedade mais justa, igualitária e inclusiva (FERREIRA, 1993:11),
pois, atualmente, a situação do deficiente numa sociedade urbana, pela forma como são
desatendidas suas necessidades mais elementares, o transforma em vítima social (SEGUIN,
1999:26). O Ministério Público, como instituição encarregada de zelar pela efetividade dos
direitos consagrados à pessoa com deficiência, assume, dentro deste contexto, o papel de
agente transformador dando efetividade à lei e tornando a sociedade mais inclusiva.

  1. REFERÊNCIA BIBLIOGRAFICA.
    FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais. São Paulo:
    Saraiva, 2011.
    FERREIRA, Luiz Antonio Miguel. A inclusão da pessoa com deficiência e o Ministério
    Publico. Artigo disponível no site: www.mp.spgov.br. Consulta realizada em outubro de 2012.
    MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses difusos em Juízo. São Paulo: Ed. Saraiva,
    24ª edição, 2011.
    RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE DEFICIÊNCIA. World Health Organization, The World
    Banck; tradução Lexicus Serviços Linguísticos. São Paulo. 2011.
    12
    SALLES, Carlos Alberto. Entre a razão e a utopia: a formação histórica do Ministério
    Público. In: Ministério Público II – Democracia. José Marcelo Menezes Vigliar, Ronaldo
    Porto Macedo Júnior (org). São Paulo: Atlas, 1999 – pág. 13-43.
    SÉGUIN, Elida. Justiça é diferente de direito. A vitimização do portador de necessidades
    especiais. In: ROBERT, Cinthia (org.). O Direito do deficiente. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
    1999, pág. 26.